Por: Miguel Peres Santos (Mestre em Gestão Cultural pela Universidade do Algarve) – e-mail: apdsmiguel@gmail.com / Facebook e Instagram: @miguelapdsantos

“Foram dias foram anos a esperar por um só dia.
Alegrias. Desenganos. Foi o tempo que doía
Com seus riscos e seus danos. Foi a noite e foi o dia
Na esperança de um só dia.”

Manuel Alegre, Atlântico (1981)

A 25 de abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas (MFA), desencadeou um golpe de estado que colocou fim a uma ditadura de quase cinquenta anos, denominada por “Estado Novo”. Aquilo que se seguiu foi um processo revolucionário único e marcante na História de Portugal.

Até à consolidação democrática o caminho não foi fácil. Entre abril de 1974, com o golpe de estado que colocou fim ao regime ditatorial, e dezembro de 1976, com a eleição democrática de todos os órgãos políticos locais e nacionais por via de eleições livres, muitos foram os momentos de tensão de golpes e contragolpes, assim como, de discussão política, a que ninguém ficou indiferente e na qual quase toda a população portuguesa quis participar.

Neste ano em que comemoramos os 50 anos do “25 de Abril”, em que mais do que nunca devemos celebrar a nossa liberdade, a nossa democracia e as conquistas de Abril, e após uma investigação à imprensa da época, assim como de novas fontes documentais, pretendo oferecer-vos todos os dias 25 de cada mês, uma viagem histórica e cronológica aos acontecimentos passados em Tavira e no seu concelho. Acontecimentos esses que ocorreram durante o processo revolucionário que se seguiu ao golpe militar que nos devolveu a liberdade. Esta viagem vai sempre olhar para o contexto regional e nacional, de forma a contextualizar os acontecimentos.

Fig.1 – Tavira, Anos 70 do Século XX (Fonte: Jornal “O Tavira”, 1974)

A Revolução dos Cravos trouxe a esperança de um país melhor e livre para todos os cidadãos. Isso levou a que o povo estivesse empenhado em construir uma sociedade mais igualitária e com mais direitos para todos. Depois de quase meio século de uma obscura ditadura e de limitação das liberdades individuais, levou, muitas vezes, aos excessos, típicos de qualquer processo revolucionário. Por estes motivos, comecemos então a contar esta História, porque conhecer o passado, permite-nos refletir o presente e projetar o futuro.

Os anos 70 do século XX, ficariam marcados a nível social e económico, pelo impacto de uma crise petrolífera, que deixa à vista as debilidades e deficiências estruturais da economia portuguesa, onde uma grande parte da população portuguesa vivia em condições precárias, especialmente as áreas mais periféricas.

No concelho de Tavira, verificava-se mesmo um problema habitacional, comprovado pelo relatório elaborado pelo Grupo de Trabalho para a habitação do Distrito, designado pelo Governador Civil de Faro de então[1]. Esse problema iria ter também destaque na imprensa após o “25 de Abril”, onde se chega a acusar o antigo regime de ter dado “prioridade e procurou a construção lucrativa e exploradora em deprimento ou mesmo impondo uma burocratização que desencorajava a iniciativa modesta”[2].

Verificava-se também, que uma grande percentagem da população não tinha acesso à rede elétrica e ao abastecimento de água através de uma rede pública de esgotos, situação esta que terá levado, uns dias após o “25 de Abril”, a um surto de cólera na cidade de Tavira. Este surto obrigou, após reunião realizada em Tavira, a tomar medidas sanitárias por parte das autoridades locais e de saúde, entre elas a desinfeção de esgotos e o combate a elementos que poderiam propagar a doença, como insetos. Nesse sentido, também foram feitas algumas recomendações à população, que foram amplamente divulgadas na imprensa local, como por exemplo o “ferver água que não fosse da rede”[1].

 

 

Fig. 2 e 3 – Em Tavira, o surto de cólera foi divulgado na imprensa local (Fonte: Jornal “O Tavira”, 1974)

A nível económico, dada a sua condição periférica, Tavira apresentava um território caracterizado pelo tamanho reduzido das propriedades rurais e pela produção, sobretudo de citrinos, amêndoas, figos e vinho, voltados para o consumo mais local e regional.

A maior parte do tecido económico da cidade era assente em pequenos negócios locais, ligados ao comércio e aos serviços. Foi também neste período que assistimos à crise daquele que era um dos motores económicos do concelho: a indústria conserveira, ligada à pesca do atum. Crise essa que se deveu sobretudo à falta de matéria-prima, adensando as dificuldades económicas da população local, assim como o aumento do desemprego, pois o turismo era ainda uma realidade no sotavento algarvio.

Apesar destas condicionantes económicas e sociais, Tavira e toda a região do Algarve, foi objeto de um plano para “a realização de obras de abastecimento de água e de drenagem e tratamento de esgotos assume particular urgência, assim como a construção de algumas estradas locais, especificamente de acesso turístico”[1], que seriam levadas a cabo pela Comissão Regional de Turismo do Algarve, que visavam mais o desenvolvimento turístico da região do que os anseios da população, pois a mesma destinava-se à “criação de infraestruturas urbanísticas adequadas a servir os núcleos turísticos”[2]. A título de exemplo, para o concelho de Tavira, estavam previstas as seguintes obras: remodelação do sistema de distribuição de água à cidade e abastecimento da Ilha de Tavira; remodelação da rede esgotos da Cidade de Tavira; execução da rede de Cabanas de Tavira e construção do emissário de estação de tratamento e construção de ponte de acesso à Ilha de Tavira.[3]

Fig. 4 – A construção da ponte de acesso à Ilha de Tavira, prevista no plano de infraestruturas da Comissão Regional de Turismo do Algarve acabou por não se concretizar após o “25 de Abril”, levando a muitas críticas por parte da imprensa local (Fonte: Jornal “O Tavira”, 1974)

É neste contexto social e político que, após o golpe militar de 25 de abril de 1974, começaram a surgir aquelas que seriam as figuras que combateram o regime e que mais tarde se destacariam com as grandes figuras do processo de transição democrática.

Foi neste contexto que se realizaram as primeiras manifestações políticas democráticas e, aos poucos, foram surgindo os primeiros movimentos sindicais, sociais e políticos. Os tavirenses assistiram e participaram nestes momentos, talvez como um dos mais quentes e conturbados da sua história recente, e é deles que vamos falar.

 

 

 

 

 

 

 

 

[1] JORNAL “O TAVIRA”, Nº 30, 16/05/1974

[1]ARQUIVO MUNICIPAL DE TAVIRA, Livro de Atas da Câmara Municipal de Tavira (1973-1975), Lv. 62, Ata Nº 11/74, 22 de maio de 1974, Fls. 27

[2] JORNAL “O TAVIRA”, Nº 38, 5/09/1974

[1] DIÁRIO DO GOVERNO, Decreto-Lei Nº 114/70, de 18 de março

[2] DIÁRIO DO GOVERNO, Decreto-Lei Nº 114/70, de 18 de março

[3] CHAGAS, Ofir (2015); História de Tavira: Volume II – Estado Novo – Democracia, Edição de Autor, p. 167