As próximas eleições americanas de Novembro, poderão gerar ondas de choque sem precedentes na história dos EUA, com fortes impactos geopolíticos e na economia internacional. Poderão por em causa um modelo de ordem internacional baseado em regras e em valores, onde as democracias têm um lugar de destaque. Foi este modelo que os EUA ajudaram a criar e que são diretamente beneficiários.
Estas eleições, pelo seu potencial disruptivo, são porventura o maior risco global para as democracias em 2024, perante a possibilidade real de uma vitória de Donald Trump. As suas declarações, no passado dia 10 de fevereiro, num comício na Coastal Carolina University, dão a entender que encorajaria a Rússia a fazer “o que quer que seja”, aos estados-membros da NATO que não gastassem o suficiente, pelo menos 2% do PIB, em segurança e defesa.
São declarações que vêem ao encontro de outras, em que Trump já ameaçara não proteger os aliados da NATO de um ataque russo, assim como também já equacionara a própria saída dos EUA da NATO.
Mesmo que Trump esteja a fazer bluff, a fim de induzir, por medo, os aliados a aumentar significativamente as suas contribuições para esta organização, é muito difícil aceitar que um potencial presidente dos Estados Unidos, as possa proferir publicamente. Fragiliza a credibilidade da própria Aliança Atlântica, naquele que é o assunto mais critico, a segurança e a defesa dos Estados, e que é tanto mais grave, porque se assiste, pela primeira vez depois da 2ª guerra mundial, a uma guerra na Europa, com a invasão da Ucrânia, em 22 de fevereiro de 2022.
Aliás, incentivar a invasão de países aliados mais próximos, pela Rússia, é quase incompreensível, porque seria a própria segurança americana, a sua liderança e a estabilidade global a serem postas em causa.
Como muito bem defende, Robert Kaplan, um reputado especialista em temas de geopolítica e segurança internacional, no seu recente livro, traduzido para português “A Vingança da Geografia”, a NATO é uma aliança defensiva que oferece uma garantia de segurança coletiva aos seus membros. É uma plataforma de cooperação militar e política, e uma rede de influência global, além de que representa os valores e interesses comuns das nações e sociedades ocidentais, que devem preservar a sua unidade e liderança no cenário internacional. A propósito do conflito em curso na Ucrânia, Kaplan ressalta que “o combate pode ser na Ucrânia, mas a batalha estratégica subjacente é sobre o destino da aliança ocidental e da rimland europeia. Se a NATO alguma vez se fraturasse, isso significaria uma vitória do presidente Vladimir Putin”.
A situação atual no campo de batalha da Ucrânia é extremamente difícil, desde logo por falta dos sistemas de armas e munições prometidas pelos EUA e outros países ocidentais, que tardam em chegar em quantidades suficientes, dando assim vantagem à Rússia.
Os EUA têm dificuldade em fazer aprovar um novo pacote de ajuda na Câmara dos Representantes, dominado pelos republicanos e “capturados” por Trump. Aliás, a constatação que os países da coligação ocidental, no seu conjunto, não dispõem de sistemas de armas nem munições suficientes para apoiar a Ucrânia, também rebate a tese de que seriam os países da NATO a ameaçar a Rússia.
É tempo da União Europeia conferir mais relevância estratégica à sua segurança e defesa, num momento em que os EUA poderão deixar de assegurar a sua proteção, pelo menos nos moldes anteriores. As ondas de choque atingirão todos.