Por: Vasco De Sousa email: vdesousa4x4@gmail.com

Não vale a pena iniciar este texto com uma introdução ao tema.
O mercado inflacionou o valor imobiliário no Algarve – somos todos culpados (afinal de contas, quem é que decide vender a casa por “pouco” dinheiro? Não somos nós, os Algarvios?)
Ora bem:

A avó morreu.
A casa dela, no campo, ficou para os herdeiros. Os herdeiros, já com família e a viver na zona, têm de tomar uma decisão: ou um deles compra a quota-parte da casa aos restantes, ou vendem-na e dividem o dinheiro.
Mas, claro, se um deles decide viver na casa, implica, além disso, fazer obras para transformá-la numa casa moderna. E, dinheiro, não sobra (estamos a falar da classe média Algarvia).
Então, com muito desgosto, não fica alternativa senão contratar uma avaliadora e dividir o valor da venda.

Há um detalhe: a casa tem uma linda vista, e o valor da vista transforma a casa da avó numa surpresa na conta bancária dos herdeiros, pois há um… …bom, se eu utilizar a palavra “estrangeiro”, vão-me acusar da xenófobo, portanto… …chamemos-lhes “pessoal de fora” – que tem uns trocos a mais e adora o sol do Algarve!
E, assim, mais uma casa de “gente da terra” passa a pertencer a “gente de fora”.

Não, não, não! – não pensem que tenho algum problema em que vivam estrangeiros no Algarve! Está tudo bem: criam emprego, alguns ficam cá a viver e até aprendem a falar Português (eu próprio fui imigrante).
O meu problema é quando a “gente da terra” tem que ir viver para longe por falta de casa na sua própria terra. Apenas isso.

Então, a geração mais nova (seriam os netos da avó), com idade para assentar e criar família, tem de, primeiro, conseguir uma casa. Na terra que os viu nascer (além de também ter visto os seus pais, avós, e assim por diante) não há casas, pois, tal como a da avó, o mercado “rouba-as”.
A solução acaba por ser a de ir viver para a cidade (ou terra distante).

Isto implica gastos com a prestação da casa (que limitam a qualidade de vida dos jovens casais – era bom haver casas no Algarve desenhadas economicamente para a classe média Algarvia), pagar a creche dos filhos mais novos, viver com mais stress para levar e chegar a tempo à creche ou escola e a consequência emocional dos pais dos nossos heróis por terem os filhos e netos longe (há quem lhe chame “solidão”).

E vamos ficar por aqui para não estender demasiado a história.

Então, seguindo a maneira como as minhas neuronas estão inter-ligadas (estudei Engenharia), vou passar a sintetizar a situação:

1a terra perde filhos: os jovens têm de ir morar para longe, o que desfigura a identidade cultural da aldeia, e aumenta a idade média dos habitantes, diminuindo a assistência disponível e aumentando os níveis de abandono de idosos;
2 - os filhos perdidos, acostumados a viver com uma família de suporte em redor, têm mais dificuldades para iniciar as suas vidas, não existindo pais próximos que possam cuidar dos netos, ou ir levá-los e buscá-los às creches, por exemplo;
3os pais, que agora vivem longe dos filhos e netos, perdem esse contacto humano, aumentando os níveis de solidão;
4os apartamentos não são baratos, o que obriga uma boa parte do orçamento dos jovens a não ser usado em actividades recreativas ou formação académica.

Muito bem, o problema está apresentado e agora passemos à análise técnica.

A base do problema é o facto de não existirem casas na aldeia para a geração jovem.

Já existiu uma lei chamada “1ª habitação”, onde se obtinha uma autorização de construção de uma casa caso os proprietários não possuíssem nenhuma. A ideia era boa, não fosse uma série de “chicos-espertos” que usaram esta lei para construir e, posteriormente, vender essas casas.
Essa lei, embora com excelentes intenções, não foi suficientemente bem desenhada.

O número de casas disponíveis tende a diminuir:
1 - existem casas cujos herdeiros não se põem de acordo e ficam “ad-eternum” vazias;
2 - devido a questões culturais, as casas modernas são maiores que as antigas, pelo que muitas casas antigas, de pequenas dimensões, devem ter um valor ponderado pela área, e não pelo facto de existirem (...), ou seja, é preciso mais casas;
3 - perda de casas para “pessoal de fora” que apenas as habita uns dias ao ano.

Nota: Sr. Mário Centeno: uma vez ouvi-o dizer alguma coisa do género: “Se a população não cresce, então não é preciso mais casas”. Eu respeito-o, mas, o Diabo, mais uma vez, está nos detalhes.

Conclusão: é preciso mais casas.

Mas, quem é que disse que a Câmara não deixa construir casas?...
Um bom número das licenças de construção outorgadas pela Câmara acabam por ser adquiridas por empresas construtoras que constroem casas que não são economicamente acessíveis à classe média Algarvia (por exemplo, Boliqueime, de onde sou, onde a urbanização junto à escola é composta por casas geminadas de 200.000€ para cima – uma “pechincha”).
A resposta da Câmara é: “Mas nós atribuímos licenças de construção para Boliqueime…”.
Ou seja, caros conterrâneos Boliqueimenses: se forem ricos, tudo bem… …se não, a Câmara (que pensa muito no vosso bem-estar) oferece-vos a possibilidade de viverem em “cubículos a custo controlado”.
E assim, os vossos filhos nunca vão saber o que é viver no campo, o lugar onde vocês e as vossas inúmeras gerações anteriores cresceram…
Mas, calma, nem tudo está perdido: a “gente de fora”, sim, vai saber como é viver no campo… …no “vosso” (“nosso”) campo…

O Algarve tem qualidade de vida, mas poderia ser para todos (e, já que nós, além de sermos de cá, somos os que mantemos o Algarve a funcionar…).

Juntando tudo, construo uma solução: os “filhos da terra” podem construir na terra.

Vou definir os “filhos da terra” como os descendentes de até 2º grau (filhos ou netos) dos proprietários de um terreno com registo superior a 20 anos (ou seja, esse terreno já está na família há mais de 20 anos).

Vou definir “construir” como o facto de obter automaticamente autorização para construir uma casa no mencionado terreno.
Ou seja, a autorização não vai cair nas mãos de uma construtora senão que será outorgada apenas aos proprietários (ou descendentes) desse terreno.

Para evitar cair no mesmo problema da lei da 1ª habitação, os interessados não poderão possuir nenhuma outra habitação a seu nome, e a casa a ser construída não poderá ser vendida: será ilegal que os proprietários possam ceder o uso da casa (ou seja, vendê-la ou alugá-la) para a eternidade (...).

Para adequar a construção das casas ao nível económico da classe média Algarvia, as casas deverão possuir um plano arquitectónico ampliável, mas não terão um prazo de conclusão das obras, o que permitirá aos interessados construí-la em fases, segundo a necessidade (...).

Este método de construir as casas permitirá que os jovens evitem endividar-se excessivamente sem necessidade (vivi fora de Portugal durante muitos anos: comprovei que as pessoas são mais felizes quando têm esta liberdade – os nossos pais e avós viveram assim: perguntem-lhes, se tiverem dúvidas).

Esta é a minha solução.

Esta ideia tem de ser trabalhada, desenvolvida por quem entenda de leis.
E estou disposto a trabalhar com qualquer pessoa ou partido político que tenha coragem [o jornal solicitou-me que usasse a palavra “coragem” em vez da expressão cotidiana dos genitais masculinos], uma coisa que tem faltado muito a muitos políticos) para que este problema seja resolvido.

Cansado estou eu de ano após ano, ouvir dizer que “o PDM não permite” e “a Câmara está a fazer tudo o que pode”.
E ver amigos meus a terem de sair de Boliqueime, viverem em casinhas pequenas sem condições ou ilegalmente no terreno do fundo da casa dos pais.

É isto que queremos dar aos nossos jovens para convencê-los a não saírem do país?
É quebrando os laços familiares que queremos criar uma sociedade mais coesa, mais pacífica, com menos abandono de idosos? Onde as pessoas se sintam menos deprimidas e mais felizes?

“Deixei obra feita”

Há uma mentalidade política que não dá realmente valor a estes conceitos, pois, se os avós não podem cuidar dos netos, há que construir creches; se os avós se sentem deprimidos, há que criar centros de dia; se as pessoas estão mais doentes por serem solitárias, constroem-se mais centros de saúde!
É só construir, porque dinheiro não falta! (e fica sempre bem aquela fotografia da inauguração antes das eleições…).
Que tal se mudássemos as leis, fizéssemos as famílias mais felizes e usássemos essa catrefada de dinheiro para coisas importantes?
Podemos ser mais felizes e desperdiçar menos dinheiro.

Portugal é um país independente dentro da União Europeia: temos leis Europeias (que decidimos respeitar) mas também temos soberania para certas questões nacionais, pois as realidades entre países assim o exigem.
Se Portugal pode ter soberania em certas questões, porque é que o Algarve não pode, pelas mesmas razões, escolher como administrar o seu próprio território?

Existe uma estratégia em curso, onde a CMLoulé constrói “N” fogos por ano, para onde as pessoas, em situação de habitação ilegal, serão re-alojadas após a demolição das suas casas.
Aparentemente existem políticos que não se importam onde e como é que as pessoas querem viver, apenas querem que certos números lhes permitam dizer que fazem cumprir a lei, mas sem perder muitos votos.
Acabaram de perder as eleições por não perceber que o tapete já não aguenta mais porcaria debaixo.

Eu sou um daqueles que me nego a sair da minha terra.
Afastar-me da minha gente.
Nem que tenha de viver de maneira ilegal (mas não me limito a reclamar).

Nota: não estou afiliado a nenhum partido político; a minha opinião não é relativa a nenhuma pessoa em particular, nem a um determinado partido político que tenha governado a CMLoulé: é puramente sobre uma ideologia política partilhada por várias pessoas de diferentes partidos políticos ao longo do tempo.

Quando eu menciono que “acabaram de perder as eleições” não me refiro apenas à 3ª força política, incluo a , pois foi uma ideologia, uma maneira de governar (tanto à esquerda como à direita) que ainda não acordou do sonho.
Espero que a minha geração decida não continuar a dormir.