Por: Miguel Peres Santos (Gestor Cultural / Historiador) – e-mail: apdsmiguel@gmail.com / Instagram: @miguelapdsantos

À sombra dos nossos olhos
Foi um sonho e realidade
Cantar p’ra ti com orgulho
Canções e desejos despidos
P’ra ti oh Universidade
Da doca até ao Campus
A Infantina vai passando
Dando alegria à cidade

Deixem cantar o estudante
Música e capa na mão
Nós somos a Infantina
De todo o coração

Hino à Infantina, Real Tuna Infantina

 

No passado dia 15 de maio, comemoraram-se os 30 anos da Real Tuna Infantina, a Tuna Mista da Universidade do Algarve. Se há casas que se constroem com cimento e tijolo, outras constroem-se com notas, gestos, silêncios, olhares e abraços. Há casas que habitamos, outras são elas que nos habitam. A Real Tuna Infantina pertence a essa segunda categoria, e foi nela que morei, por dentro, durante quase uma década da minha vida. E foi a ela que regressei, dez anos depois, como quem volta ao lugar onde a alma nunca saiu.

 

 

Este texto não é uma crónica. Nem uma carta. É um regresso escrito. Um abraço demorado. Um testemunho sobre pertença, sobre gratidão, sobre aquilo que não se esquece mesmo quando o mundo avança à nossa volta. Voltar à Real Tuna Infantina não foi uma simples visita. Não foi um acaso, um capricho, ou um “passar por lá”. Foi um chamamento. Foi uma força qualquer, maior do que eu, que me puxou de volta. Como se, depois de dez anos de ausências, a alma tivesse decidido finalmente regressar ao lugar onde pertence.

Há momentos em que o tempo não anda para a frente nem para trás, suspende-se. O instante em que voltei a um ensaio, dez anos depois, foi um desses momentos. Ainda antes de entrar, ouvi algo, como se as paredes da sala sussurrassem os ecos de vozes antigas. A porta abriu-se. E o que vi foi mais do que um grupo a cantar. Vi entrega, vi olhos que sabiam o que estavam ali a fazer, não por obrigação, mas por amor.

Costuma dizer-se que cada geração tem a sua história. E é verdade. Mas há algo de profundamente tocante em ver que, mesmo com novos rostos, novas vozes, novas dinâmicas, o espírito da Real Tuna Infantina continua. Esta nova geração que agora a lidera e a vive é impressionante. Não apenas pela técnica, que é admirável, mas sim, pela entrega, pela diversidade, pelo afeto, pela maneira como se ouvem uns aos outros, como se amparam, como se desafiam. Vi isso com os meus próprios olhos. No ensaio, na saída, na festa e no espetáculo de aniversário. Vi olhos marejados, vi mãos dadas, vi gargalhadas que não se ensaiam. Vi uma chama acesa. E a certeza de que o legado está em boas mãos.

É curioso como os lugares que verdadeiramente nos tocam nunca nos abandonam. Podem passar dias, meses, anos, podemos afastar-nos, mudar, seguir por caminhos diferentes. Mas há algo que permanece, mesmo na ausência. Há um eco que não se cala. Uma palavra suspensa no ar, à espera de ser retomada. E quando regressamos, tudo recomeça como se nunca tivesse terminado. Foi assim que me senti: como se o tempo se tivesse dobrado sobre si mesmo e eu voltasse a ser aquele jovem caloiro que, um dia, entrou pela primeira vez na sala de ensaio sem saber que estava a mudar para sempre. É esse um reflexo do que a Real Tuna Infantina faz às pessoas: transforma-as sem que elas se deem conta.

Dei quase dez anos da minha vida a esta casa. E a verdade é que, mesmo quando pensei que me tinha afastado, nunca fui embora. Porque a Real Tuna Infantina fica em nós de forma invisível. Quase dez anos de emoções, de momentos altos e baixos, de palmas e de silêncios, de incompreensões e de afetos, de cansaços e de epifanias. Fui impulsivo, fui intenso, fui apaixonando, mas acima de tudo fui sempre feliz e continuo a ser infinitamente feliz por ter pertencido (e ainda pertencer de certa forma). E ao regressar por estes dias, percebo o quanto tudo isto valeu a pena, pois estes quase dez anos deram em troca uma segunda família, deu-me uma segunda pele.

Ser da Real Tuna Infantina é mais do que pertencer a uma tuna. É levar connosco um modo de estar no mundo. É saber que há sempre um lugar onde somos esperados, mesmo que a vida nos leve para longe, mesmo que mudemos, mesmo que os caminhos se tornem outros. Há sempre uma porta aberta. Há sempre um lugar à mesa. É saber que há uma capa que, mesmo pendurada num cabide, continua a envolver-nos. É saber estar lado a lado, mesmo que separados por quilómetros ou por anos. É ser conforto nas noites difíceis e rebeldia nos dias em que ousamos ser diferentes. É ser cúmplice, porque partilhamos mais do que músicas, partilhamos alma. É ser fraterno, porque nos amamos como irmãos. É um laço que não se desfaz, uma promessa silenciosa que se renova sempre que alguém veste a capa com orgulho, sempre que alguém canta como quem ama. Sempre que alguém sente que ali, naquele instante, naquele refrão, naquela harmonia, está tudo o que é preciso para ser feliz. É cantar com orgulho pelas ruas de Faro, pelas ruas do Algarve, pelos palcos de Portugal, com a certeza de que ali levamos connosco todos os que vieram antes e todos os que virão depois. Ser da Real Tuna Infantina é ter um nome gravado no coração, não com tinta, mas com afeto. É carregar connosco uma família que não se escolhe, mas que se encontra. E que se guarda para sempre. Porque a Real Tuna Infantina não é apenas uma tuna, é alma partilhada. É um pedaço eterno daquilo que fomos, somos e continuaremos a ser. É memória e é futuro. É tradição e reinvenção. É lágrima e riso. É cansaço e festa. É disciplina e liberdade. É dor e cura. É arte e é vida. É a síntese mais perfeita do que significa ser pessoa com sentido de pertença, com sentido de história, com sentido de amor.

A verdadeira grandeza da Real Tuna Infantina não está nas atuações brilhantes, que as há. Nem nos prémios ganhos, que são muitos. Está nas coisas pequenas. Há um momento que me ficou gravado, quando, nestes dias, em que comemoramos o aniversário juntos: vi lágrimas discretas no rosto de alguns. E percebi ali a força daquela emoção. Só treme a voz de quem canta com o coração. Só se emociona quem, verdadeiramente, pertence. E naquele instante, eu soube: esta casa continua a ser casa. Para mim. Para todos. Para os que cá estão e para os que hão de vir. A eternidade vive nesses instantes. Não nos grandes discursos. Mas num olhar. Num gesto. Numa voz que treme. Num refrão que une. A Real Tuna Infantina é feita disso: de emoção sentida. Partilhada. Não há como fingir ali dentro. Quem entra, sente. Quem permanece, transforma-se. Quem volta, percebe que nunca saiu. Ser da Real Tuna Infantina é isso: é amar com intensidade, errar com consciência, recomeçar com vontade. É ser cúmplice nos dias bons e nos dias difíceis. É reconhecer no outro um pedaço de nós.

Se há algo que este regresso me trouxe, foi a certeza de que esta casa tem futuro. E não é um futuro garantido por estatutos. É garantido por cada sorriso, por cada acorde, por cada praxe pensada com consciência, por cada saída que se faz mesmo cansado, por cada abraço dado, sincero e sem pedir.

Nestes dias em que voltei para comemorar os 30 anos da nossa casa, o que encontrei não foi um passado que se tenta reviver. Foi um presente vivo, pulsante, cheio de alma. Encontrei uma geração que não só honra o legado da Real Tuna Infantina, mas que o renova com coragem, com frescura, com verdade. Uma geração que canta com o corpo inteiro, que sente cada acorde como se fosse o primeiro, que entende que a música, aqui, é apenas o meio, nunca o fim.

E que orgulho imenso senti. Um orgulho que não nasce da vaidade, mas do reconhecimento. Porque sei o que esta casa foi, o que atravessou, o que construiu. E ver hoje esta juventude vibrante, tão cheia de entrega, é perceber que há uma chama que nunca se apagou. Que passou de mão em mão, de geração em geração, e que hoje brilha com nova luz.

Continuem a cantar como quem acreditar e a amar esta casa que vos pertence, que vos habita. Porque cada geração escreve um capítulo. E o vosso está a ser escrito com força, beleza e sabedoria.

Obrigado a todos vós, que continuam esta história, e que fazem dela uma casa onde agora ainda vale mais a pena voltar. São vocês que escrevem esta nova página da nossa história, com respeito pelo passado e coragem para o futuro. Cada voz, cada sorriso, cada gesto que testemunhei encheu-me de esperança e de gratidão. Continuem a cuidar desta casa como quem cuida de algo sagrado, porque ela vive em cada um de nós e de vós. E nunca duvidem: mesmo nos erros, nas dúvidas, nas horas difíceis, estão a construir algo imenso, algo maior que vós e nós próprios. Porque a Real Tuna Infantina não se mede em vitórias, mede-se em amor. E disso, vocês estão cheios.

Nunca duvidem: nos momentos de desânimo, nas discussões e nos cansaços vocês estão a construir algo imenso. Algo que ficará. Algo que transformará quem vier depois.

E é por isso que escrevo estas palavras. Para agradecer. A cada um de vocês. Por continuarem esta história com respeito, com ousadia, com amor. Por cuidarem desta casa como quem cuida de algo sagrado. Por darem à Real Tuna Infantina novas formas, novas cores, novas vozes. Vocês não estão apenas a manter viva uma tradição, a respeitar a nossa história, o nosso passado. Estão também a reinventá-la. E estão a fazê-lo com alma. Com coragem. Com sentido.

Porque a Real Tuna Infantina não se mede em likes, em visualizações, em prémios, em egos individuais. Mede-se em amor. Em verdade. Em tudo aquilo que o mundo não vê, mas que se sente, que todos os que somos desta casa sentimos. No coração. No corpo. Na pele.

 

 

 

Levo destes dias, em que comemoramos 30 anos, uma certeza renovada: esta casa tem futuro. Um futuro vibrante, criativo, musical, afetivo. Um futuro com memória. A Real Tuna Infantina é, para todos nós, mais do que um capítulo bonito. É parte de nós. É um fio condutor. É uma canção que nunca termina. É um lugar onde se chega novo e se parte maior. Onde se tropeça e se levanta. Onde se aprende a ouvir, a errar, a rir. Onde se faz parte de algo maior do que nós.

Estas palavras foram escritas, com a certeza profunda de que pertenço. De que pertenço ainda. De que pertencerei para sempre à Real Tuna Infantina. A Real Tuna Infantina não é de sempre, mas é para sempre.

“Uma vez Infante, para sempre Infante”