Por: Padre Carlos Aquino | effata_37@hotmail.com

“Muitas vezes aproveitamos a dor para nos instalarmos nela. Preferimos ficar a esgravatar na ferida, comer diariamente o pão velho da própria maldade, em vez de termos sede de beleza, desejo de outra coisa” (José Tolentino Mendonça)

Neste tempo que nos é dado viver, nesta hora da história, neste momento, no agora da nossa vida, é urgente refazermos pensamentos e atitudes, reorganizarmos com lúcido discernimento aberto à verdade e ao que permanece, os sonhos, as motivações e os projetos.

A vida solicita que a contemplemos e escutemos de outra forma. Importa cada vez mais dar atenção ao nosso existir, restaurá-lo das amarras da acédia, do inconformismo, da murmuração, do pessimismo e do lamento. Parece necessário emendar e corrigir com lucidez e autenticidade, desafios e decisões, recuperar um otimismo que não seja infundado ou leviano. Reanimar com nova visão a beleza de cada instante, das coisas, de nós mesmos, de quem se aproxima de nós ou acolhemos como próximo. Uma beleza que não se circunscreva a uma estética e a um ornamento, mas seja esplendor e presença do Bem e da Verdade.

É urgente recuperar o pão novo da esperança e do amor resistindo ao apetite voraz e sedutor do pão velho da malícia. Importa que também saibamos escandalizar com o amor e a verdade. Que o espanto e a surpresa não sejam motivados pela violência, a indiferença, a exploração, a xenofobia e a mediocridade. Sejam inocentes e puros os nossos beijos e sem maldade e obscuridade os nossos abraços. Não aprisionemos os afetos e não mediocrizemos a ternura. Saremos com o azeite puro da esperança as feridas, acolhamo-nos como companheiros de jornada, aceitemo-nos como irmãos. Reparemos na fé as feridas e deixemos que entre luz pelas brechas das casas que edificamos.

Torna-se um imperativo redescobrir e reencontrar a vida, o seu sentido, a sua fonte e o seu horizonte. Alcançar o real, uma vida que verdadeiramente nos pertença, não estranha e fantasiosa, que nos reduza e oprima. Salvar este mundo num sim permanente, gratuito e generoso de um olhar, um abraço, um beijo, uma presença.

Erguermo-nos da penumbra do mal e do desânimo que envolve tantas vezes o tecer da nossa existência. Sabermos ir mais além da banal perfeição que por mania, cultura ou fé idealizamos e trilhamos no nosso peregrinar. Refazer a nossa inteireza como o mais importante e fundamental na maratona da vida que precisamos percorrer com sabedoria e resiliência.

Não gastemos tempo a somar coscuvilhices e a acrescentar chagas, esgravatando feridas e traições, a alimentarmo-nos do mal. Acreditemos que o escândalo do bem e do amor nos humaniza e é fermento para a verdadeira renovação do mundo. Refaçamos nesses caminhos a nossa vida. Com ou sem azia!