Por: Padre Carlos Aquino | effata_37@hotmail.com

Deus criou o ser humano à sua imagem (…) Ele os criou homem e mulher” (Gn 1, 27). A estação da Primavera, que nos convida sempre a voos surpreendentes e a altos sonhos, a reflorescer; o acontecimento da Páscoa, que envolve a vida de tantos de nós e nos consciencializa que a vida é uma misteriosa passagem, convida a renascer; este tempo e este florido mês de Maio onde celebrámos o dom da Mãe, a beleza singular da família, falam-nos do mistério luminoso da vida, do assombro do barro que somos todos nós moldados pelas mãos puras do Criador. Na conceção bíblica a vida é assumida como um dom divino. Não se pode reduzir a sua realidade apenas à dimensão biológica, à materialidade e facticidade. A vida também é conhecimento, relação, desejo, amor, procura, sonho, arte. A vida é uma inesgotável e surpreendente bênção, fruto da ação permanente por meio da qual Deus mantém o existir do mundo e o guia para o futuro. A vida não é fruto do acaso e de um destino.

A vida é fruto do mistério profundo do Amor. E por isso, os frutos da vida são sempre divinos, transcendentes. A vida nunca está total e exclusivamente nas mãos do homem, na sua posse. Porque o homem é simplesmente criatura. Não pode, na verdade, ser dono daquilo que apenas recebeu. A vida é uma realidade que nos é dada, fruto da gratuidade, da relação e do amor, de um projeto de Aliança.

Na lógica e no segredo da vida há também uma promessa: porque ela não depende apenas do agir humano, mas da fidelidade de Deus e do Seu amor, a vida é eterna. Para o Cristianismo, Deus é a fonte de toda a vida. Em Deus podemos descobrir o verdadeiro sentido do nosso existir e o seu valor. A vida é assumida como vocação e empenho. A vida é sempre criada, depende duma fonte. Esta é a sua origem, referência e horizonte. Na perspetiva cristã essa fonte é Deus.

Todo o mundo e toda a vida lhe pertencem. E Deus ama, guarda, protege e torna fecunda a vida. Esta conceção contrasta profundamente com a visão e proposta naturalista e autossuficiente desenvolvida por pensadores e que inspira fortemente a cultura hodierna: reduz-se a vida à razão, à liberdade e à vontade de poder, à história, à terra, a um simples movimento ou como uma evolução criadora.

Neste tempo que nos é dado viver, nesta profunda mudança epocal, torna-se urgente saber habitar e responder a estas perguntas fundamentais e decisivas na viagem da nossa peregrinação: O que é a vida? Que significa viver? Como viver? Porque precisamos cuidar dos rebentos e das auroras. Semear jardins. Não viver hipotecados e reféns do materialismo e da soberba, da autorreferencialidade. Aprender a esperar e a vigiar, dando lugar à confiança e à abertura, à dúvida e ao espanto. No desenho da vida, “Traça a reta e a curva,/ a quebrada e a sinuosa/ Tudo é preciso./ De tudo viverás./ Cuida com exatidão da perpendicular/ e das paralelas perfeitas./ Com apurado rigor./ Sem esquadro, sem nível, sem fio de prumo,/ traçarás perspectivas, projetarás estruturas./ Número, ritmo, distância, dimensão./ Tens os teus olhos, o teu pulso, a tua memória./ Construirás os labirintos impermanentes/ que sucessivamente habitarás./ Todos os dias estarás refazendo o teu desenho./ Não te fatigues logo. Tens trabalho para toda a vida./ E nem para o teu sepulcro terás a medida certa./ Somos sempre um pouco menos do que pensávamos./ Raramente, um pouco mais” (Desenho, Cecília Meireles)