O investimento estrangeiro de que Portugal tem sido alvo nos últimos anos e vem ajudado à recuperação económica do país pode vir a estar comprometido com algumas das medidas fiscais em que o Governo está a trabalhar

Em causa está as alterações previstas a nível do IRC e a criação de um imposto sobre as heranças.

O diabo está nos detalhes”, pois “muitas vezes existem alterações que podem não ter grande impacto direto na receita, mas que podem causar alguns efeitos nefastos a nível de estabilidade e de certeza do sistema fiscal”, alertou à Lusa um fiscalista da Ernst & Young sobre as alterações aos impostos do novo Orçamento.

Carlos Lobo considera que as alterações no IRC e o regresso ao imposto sobre heranças podem prejudicar o investimento estrangeiro em Portugal, afirmando que "o diabo está nos detalhes".

Num comentário ao esboço de plano orçamental para 2016, enviado pelo Governo à Comissão Europeia e à Assembleia da República na passada sexta-feira, Carlos Lobo disse à agência Lusa que as medidas fiscais que constam no documento "são as que são consideradas mais relevantes".

O que está em causa?

Um dos exemplos dados por Carlos Lobo é no regime de 'participation exemption' (eliminação de dupla tributação). O Governo pretende que, para que as empresas deixem de pagar IRC sobre os dividendos e mais-valias recebidos, o sócio que os recebe detenha uma participação de pelo menos 10% (e não de apenas 5% como acontece atualmente).

Esta medida está inscrita na proposta de Grandes Opções do Plano, que foi enviada ao Conselho Económico e Social na semana passada, mas não no esboço de plano orçamental.

"Não consta no esboço, mas o Governo quer introduzir [a medida]. Isso pode ter um efeito mais nefasto de incentivo ao investimento do que uma alteração da taxa de IRC", que se manterá nos 21% este ano, admitiu Carlos Lobo, que foi secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do segundo governo PS liderado por José Sócrates.

Outra questão apontada pelo fiscalista é a "reintrodução do imposto sobre sucessões e doações nos descendentes diretos", que não surge no esboço de orçamento, mas no programa de Governo, onde se prevê a criação de um imposto sobre heranças de elevado valor.

O que vem no OE para 2016?

A concretizar-se esta medida já no Orçamento do Estado para 2016, ela poderá ter "um efeito muito nefasto na atração para Portugal de residentes não habituais", admite o consultor da EY.

"Esse tipo de detalhes é onde está o diabo, só quando tivermos os detalhes da proposta de Orçamento do Estado é que se poderá fazer uma análise mais aprofundada", disse, admitindo que existam ainda outras alterações fiscais até à apresentação da proposta de Orçamento do Estado para 2016.

"São situações de pormenor, de política, que podem ter um efeito muito pernicioso", afirmou.

Sobre a redução progressiva da sobretaxa e a redução do IVA na restauração a partir do segundo semestre, mas também das alterações nos Impostos sobre os Produtos Petrolíferos (ISP), sobre o Tabaco (IT) e de selo, Carlos Lobo disse que estas eram "medidas esperadas".

O fiscalista disse não ter "nada a opor" quanto às alterações previstas no IT, uma vez que o Governo "alinha a tributação com as melhores práticas a nível internacional e o modelo de tributação das diversas formas de consumo de tabaco, para que não haja desvios fiscais que possam distorcer a concorrência".

Sobre o ISP, o consultor da EY disse que esta é uma "opção política" de aproveitar a descida da baixa do preço do petróleo para "angariar alguma receita adicional". 

Lembrando que, apesar de este ser, "em teoria" um imposto ambiental, "na prática, é uma ótima fonte de receita quando o petróleo está em baixa e o Estado vê ai uma margem adicional para angariar mais, numa base de alargamento da base tributaria".

O esboço de plano orçamental português foi enviado à Comissão Europeia e entregue à Assembleia Europeu na sexta-feira, com o compromisso do Governo de uma redução do défice orçamental para 2,6% do Produto Interno Bruto (PIB) e de um crescimento económico de 2,1% em 2016.

Do documento consta ainda a reposição salarial no setor público e a redução da sobretaxa do IRS, bem como aumentos nos impostos do selo, sobre os produtos petrolíferos e sobre o tabaco.

 

 

Por: Idealista