Nuno Vaz Correia | Licenciado em Comunicação | nunovazcorreia@gmail.com

Passadas as eleições legislativas e algum tempo depois do assunto ter estado na ordem do dia e nas discussões mais acaloradas é agora tempo de analisar. Sem a espuma dos interesses partidários e das eleições que passaram, o próximo governo e futuro executivo da Câmara Municipal de Loulé têm de assumir responsabilidades, esclarecer e tomar as decisões necessárias a bem do interesse de toda a população.

O que se passou, na realidade, foi que transformaram a resposta oncológica no Algarve numa oportunidade de negócio, enquanto os doentes continuam sem acesso a cuidados completos, públicos e de proximidade. O investimento anunciado não pode ser desculpa para perpetuar soluções incompletas.

Prometeram reforçar o SNS, mas continuam a desmantelar os seus serviços mais sensíveis. A saúde oncológica no Algarve é disso um exemplo gritante: em vez de se avançar com um verdadeiro Centro Oncológico público, integrado e regional, opta-se por medidas avulsas, mal coordenadas, que transferem funções nucleares para entidades privadas — frequentemente sem concurso, transparência ou lógica clínica.

A radioterapia foi entregue a um monopólio privado. Agora é o diagnóstico que começa a escapar à esfera pública. E os doentes? Continuam a pagar o preço: deslocações longas, angústia constante e cuidados fragmentados. O Algarve merece mais do que soluções provisórias.

É verdade que a recente candidatura da Unidade Local de Saúde do Algarve (ULS Algarve) – nomeada pelo anterior governo PSD/CDS - ao programa Algarve 2030, aliada a fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), representa um investimento importante. São cerca de 25 milhões de euros, destinados à prevenção, diagnóstico e tratamento oncológico, com destaque para a aquisição de um equipamento de PET-TAC, a instalar em Loulé, e para a requalificação de hospitais e centros de saúde da região.

Este projeto, que envolve também a Câmara Municipal de Loulé – executivo PS - e o Algarve Biomedical Center – entidade privada -, prevê uma atuação em três frentes: diagnóstico precoce, tratamento específico e cuidados continuados ao doente oncológico. Visa também dotar a região de tecnologia inexistente, como uma ressonância magnética de 3 Teslas e tomógrafos com fluoroscopia. São avanços técnicos relevantes. Mas não são, por si, uma resposta suficiente.

É preciso distinguir reforço tecnológico de reforma estrutural. Estes investimentos — positivos e necessários — não devem ser usados como argumento para adiar ou desviar o essencial: a criação do Centro Oncológico de Referência do Sul (CORS). A instalação do PET-TAC, por mais valiosa que seja, não substitui a urgência de um centro oncológico completo, público, com todas as valências: cirurgia oncológica, oncologia médica, radioterapia, cuidados paliativos, apoio psicológico e nutricional.

Mais ainda: persistem sinais alarmantes de desorganização e opacidade na gestão da oncologia na ULS Algarve. A recente demissão da diretora de serviço oncológico, num contexto de escusas de responsabilidade por parte dos médicos, expõe bem a instabilidade que reina num setor que devia ser exemplar pela sua sensibilidade humana e exigência técnica. O caso revela também um problema mais vasto: decisões técnicas continuam a ser moldadas por interesses políticos, económicos ou eleitorais.

Se é verdade que a instalação do PET-TAC permitirá maior proximidade diagnóstica, evitando deslocações a Lisboa ou Sevilha, também é verdade que se retira do hospital público um serviço estruturante - a medicina nuclear - para o entregar a uma gestão paralela, onde os mecanismos de escrutínio e responsabilidade são pouco claros.

E porquê instalar esses equipamentos fora do hospital central? Porquê não aproveitar os recursos humanos já existentes, como os de Portimão? Porquê entregar, mais uma vez, um serviço essencial a entidades privadas, sem concurso público? Uma entidade privada que tem sido largamente ‘bafejada’ com inúmeras benfeitorias da autarquia de Loulé.

Estas decisões não são apenas más escolhas técnicas - são sinais de um SNS fragilizado, onde a saúde pública cede terreno a interesses privados.

Neste contexto, as autarquias, sobretudo a Câmara Municipal de Loulé, devem assumir um papel mais firme. Não basta ceder terrenos ou apoiar projetos-piloto. É preciso liderar politicamente a exigência de um verdadeiro centro público de oncologia no Algarve, integrado no SNS e com todas as valências clínicas e humanas necessárias.

O Algarve não pode continuar a ser a região das meias respostas, dos investimentos incompletos e das promessas empurradas com os fundos comunitários como justificação para tudo. É tempo de dizer basta. A saúde não pode ser uma soma de anúncios, nem um catálogo de equipamentos desarticulados.

O novo hospital central do Algarve e o CORS são dois pilares inseparáveis de uma política de saúde moderna, justa e eficaz. Sem eles, continuaremos a falar de reforços enquanto entregamos - aos poucos - o coração do SNS a lógicas de negócio.

A saúde pública exige visão, coragem e compromisso e se a ULS Algarve – nomeada pelo anterior governo PSD/CDS – e a Câmara Municipal de Loulé – executivo PS - tem responsabilidades na matéria, por taticismo político ou outro tipo de interesses, ao avançar com o modelo proposto num período pré-eleitoral legislativo, a ULS Algarve e o futuro executivo da CML não podem, também por taticismo político ou outro tipo de interesses, continuar a compactuar com a privatização de um serviço essencial. Exige-se, a ambos, responsabilidade e transparência, a bem da causa pública e da saúde de quem vive no Algarve.