A Voz de Loulé – Quantos dias são dedicados à montagem da estrutura (física) do Festival MED?
H.N. – A parte que respeita à decoração do recinto, nomeadamente a colocação dos panos, as ligações elétricas, de água e esgotos, eventuais pinturas e arranjos das calçadas, por exemplo, começa logo no início do mês, ou seja, cerca de três semanas antes do Festival. Já em relação à montagem dos palcos, o processo é realizado na semana que antecede o evento até porque implica alguns constrangimentos que tentamos minimizar.
V.L. – Quantas pessoas estão envolvidas nessa montagem e na organização do festival enquanto este decorre?
H.N. – O Festival MED envolve cerca de 300 pessoas, entre funcionários da Câmara, empresas privadas e voluntários.
V.L. – Qual o investimento para um Festival como este? Qual o custo e qual a receita arrecadada com o Festival MED?
H.N. – O investimento realizado no Festival MED ronda os 300 mil euros. Quanto à receita arrecadada não podemos contabilizar apenas o valor resultante da venda de bilhetes pois o retorno financeiro total é muito superior. Os benefícios para a economia local – unidades hoteleiras, restauração ou comércio tradicional – são bastante significativos neste período do ano. Por outro lado, o Festival MED contribui decisivamente para a projeção nacional e internacional do nosso Concelho e para atrair cada vez mais turistas pelo que as “receitas arrecadas” são claramente superiores ao investimento realizado. Mas importa salientar que não é objetivo da Câmara Municipal de Loulé gerar lucros de bilheteira, ao contrário de outros festivais do país promovidos por entidades privadas. É também por isso que, ao contrário dos valores dos bilhetes desses festivais, os bilhetes para o MED têm um valor acessível tendo em conta a oferta que junta aos concertos, animação de rua, exposições e muito mais. Aliás, temos mantido ao longo dos anos esse preço e inclusivamente criámos, em 2015, o Bilhete Família que permite a um casal acompanhado por dois filhos usufruir de todas as experiências que o MED proporciona por um preço bastante razoável comparativamente com o que se pratica em Portugal e por essa Europa fora. Mas naturalmente que as receitas de bilheteiras cobrem grande parte dos custos, nomeadamente os custos com a contratação dos artistas.
V.L. – Festival MED é uma marca nacional e internacional, com um público maioritariamente turístico. Como é feita a sua promoção internacionalmente?
H.N. – Essa promoção passa sobretudo pela publicidade nos meios de Comunicação Social estrangeiros, meios esses que nalguns casos, de resto, fazem deslocar uma equipa a Loulé para fazer a cobertura do MED, como é o caso da americana FUEL TV (canal televisivo que tem ramificações em várias partes do mundo), os ingleses BBC3 e fRoots ou o espanhol Mondo Sonoro. Mantemos com esses meios de referência internacional uma parceria importante, até em termos institucionais.
Mas este ano, nesta área promocional, temos uma mais-valia que permitirá alargar o público que queremos alcançar. O Festival MED foi integrado na plataforma Portuguese Summer Festivals, criada pelo Turismo de Portugal, e da qual fazem parte apenas oito festivais de música do país, com o objetivo de promover este conjunto de festivais no estrangeiro. Somos o único festival organizado por uma Autarquia que está presente nesta plataforma, e estamos ao lado de festivais como o Rock in Rio, o NOS Alive ou o Super Bock Super Rock, o que muito nos orgulha e reconhece o trabalho efetuado. Esta plataforma permitirá não só termos acesso a um financiamento para este sector mas também estarmos incluídos numa promoção em grande escala.
Paralelamente temos os próprios meios promocionais do Festival como o site oficial, o Facebook, o Instagram e inclusivamente uma aplicação inovadora do MED. Numa altura em que as redes sociais são cada vez mais importantes, acreditamos que por aqui o MED chega a milhões de pessoas em todo o mundo.
V.L. – Existem novidades na edição deste ano, relativamente a novos estilos musicais incluídos no programa, ou novas atividades inseridas no Festival?
H.N. – Temos algumas novidades mas a essência do MED mantém-se inalterada: trata-se de um festival de World Music, à qual se junta uma fusão cultural onde têm lugar as artes plásticas, o teatro, a gastronomia, o artesanato, entre outras atividades. Nesse sentido, os estilos musicais centram-se nas chamadas músicas do mundo que, como se sabe, é um conceito vasto mas que passa sobretudo por tratar-se de música com elementos identitários de cada país, cultura ou povo, mas também de uma mescla de sonoridades de diferentes origens com abordagens contemporâneas. O que nesta edição temos de novo são sim os formatos musicais. Por exemplo, vamos ter um novo espaço para concertos – Palco Jardim – onde a aposta passa por apresentar música tradicional genuína que irá, de certo, agradar muito aos puristas da World Music. No Palco Bica introduzimos este ano o conceito “one man show”
Para além da componente musical, uma das novidades passam por, pela primeira vez, o cinema e a poesia fazerem parte da programação do MED. Relativamente à sétima arte, vamos lançar o Cinema MED - Ciclo de Cinema do Mundo, onde na semana do Festival serão apresentadas produções de várias partes do mundo, em locais inusitados. Também a poesia do mundo vai ser uma das inovações nesta edição. Nos Claustros do Convento, junto ao MED Fado, haverá poesia de autores dos países que este ano fazem parte do alinhamento musical, declamada em português.
Numa vertente de reflexão, debate e troca de experiências sobre os festivais, temos ainda uma outra novidade, a Conferência Talk MED. Esta iniciativa surge de uma parceria entre a Autarquia e a APORFEST – Associação Portuguesa de Festivais de Música, onde será abordada a importância a nível cultural e turística dos festivais. A conferência acontece na sala polivalente da Alcaidaria do Castelo, no dia 30 de junho, e vai juntar à mesma mesa jornalistas conceituados na área da música, artistas portugueses e responsáveis da Autarquia e do Turismo de Portugal.
V.L. – Como é feita a eleição dos artistas musicais? Como se reconhece aquilo que irá atrair e agradar o público?
H.N. – Quando ainda está a decorrer uma edição do MED estamos já a planear o ano seguinte, nomeadamente porque temos aqui vários agentes de artistas que também fazem essa antecipação, apresentando desde logo propostas. Ao longo do ano recebemos também centenas de propostas de todo o mundo o que manifesta bem a projeção internacional do MED. Mas grande parte do cartaz resulta de uma pesquisa intensa por parte da organização e também da prospeção em locais como feiras de World Music (o Womex, por exemplo), ou outros festivais na Europa, sobretudo na vizinha Espanha. Essa escolha dos artistas é criteriosa pois tentamos sobretudo apostar na qualidade. Sabemos que esta é uma área musical fora do mainstream e que a maioria dos artistas é desconhecida do grande público pelo que tentamos encontrar um equilíbrio entre os projetos mais conhecidos e que, à partida, serão mais bem aceites pelo público e que servem de atrativo, e outros que não sendo tão populares, tornam-se verdadeiras revelações, proporcionando aos espetadores verdadeiros momentos únicos. Por isso é também importante arriscar e trazer esses artistas que causam um forte impacto no público.
V.L. – Algumas críticas surgiram, em edições anteriores, ouvindo-se dizer que o Festival MED estaria a ser desvirtualizado, nomeadamente quando se introduziram novos estilos, como por exemplo o Rockabilly, o Rock Alternativo e música de intervenção. Qual é para si a verdadeira essência do Festival MED?
H.N. – A presença de artistas dessas áreas que refere não é de hoje. Dou o exemplo da atuação verdadeiramente fantástica do canadiano King Khan & The Shrine, em 2010, com um rockabily psicadélico que levou o público ao rubro. Ou, até nesse mesmo ano, o português The Legendary Tigerman que foi um dos concertos mais concorridos de sempre do Palco Castelo, entre outros. Tal como referi anteriormente, o conceito de World Music é bastante abrangente e aqui também há espaço para novas e diferentes abordagens musicais. Essa é a real essência do Festival MED e que faz dele um evento único. Além de que esses estilos que referiu fazem parte da cultura musical e da identidade dos respetivos países. A música de intervenção ainda hoje faz parte da cultura portuguesa, tal como de outros países onde teve e continua a ter um papel político e cultural muito forte. Este ano vamos ter a chilena Ana Tijoux que é uma cantora de intervenção, tal como o brasileiro Emicida ou outros músicos que estiveram em edições anteriores. Ou o próprio projeto luso-angolano Batida que, na última edição, apresentou em palco imagens do ativista político Luaty Beirão ao mesmo tempo que Pedro Coquenao, o mentor da banda, proferiu palavras de denúncia e de chamada de atenção para a situação em Angola.
V.L. – Este ano realiza-se a 13.ª edição do Festival MED, como descreve o percurso deste festival?
H.N. – Eu diria que tem sido um Festival em permanente crescimento e evolução, dos espaços onde decorre às atividades que complementam a música, do público a que procure chegar ao número de diferentes nacionalidades que congrega e atrai. Não nos esqueçamos que o Festival começou por ser um evento integrado no programa de “Loulé Cidade Anfitriã do Euro 2004” mas que é hoje um Festival reconhecido internacionalmente. Não é por acaso que este ano o MED foi nomeado para os Portugal Music Awards, em duas categorias, e foi finalista em quatro categorias dos Iberian Festival Awards. Mas somos ambiciosos e queremos manter a fasquia elevada no que respeita ao papel que o MED tem para a Cidade e para o Concelho, procurando sempre inovar sem descurar a qualidade.
V.L. – Qual considera ser, a longo prazo, o futuro de eventos de grandes dimensões, de que é exemplo não só o Festival MED, mas também a Noite Branca?
H.N. – Do meu ponto de vista, tanto o Festival MED como a Noite Branca têm necessariamente que manter o seu ADN, o que os torna únicos e diferenciadores no panorama regional e nacional e que, no fundo, são o principal fator que explica o sucesso destes eventos. No entanto, estamos conscientes que têm que ter uma evolução ponderada, com a introdução de algumas inovações que procurarão ir de encontro às expectativas do público. Só assim poderão manter o nível que alcançaram. Quanto à frequência, o MED continuará a ser anual, enquanto que a Noite Branca, na continuação da política anteriormente seguida, decorrerá de dois em dois anos, não tanto por razões financeiras mas essencialmente para não haver um “desgaste” no conceito, uma saturação que comprometa o seu futuro, é crucial que possamos surpreender em cada edição o visitante, dando-lhe novas experiências, sem descurar a qualidade a que habituámos todos os que vêm a Loulé para assistir a esta noite deslumbrante e para muitos memorável.
V.L. – A autarquia tem manifestado a sua preocupação ecológica, nomeadamente com a inserção do copo ecológico e do Movimento Zero Desperdício. O Festival MED é também um meio de consciencialização? Que outras preocupações poderão surgir através do Festival MED?
H.N. – Claro que sim! O Festival MED é um evento de causas, sejam elas ambientais ou sociais, e que vão além desses dois exemplos do Copo Ecológico ou do Movimento Zero Desperdício. A própria filosofia inerente à World Music encerra em si não só as causas ambientais, o apelo para a preservação da Natureza, mas também à harmonia e tolerância entre os povos e raças. Através de pequenas ações como a preservação e valorização do património histórico de Loulé e dos seus espaços verdes estamos também a contribuir para a consciencialização do público. Queremos nos próximos anos apostar cada vez mais em ações concretas nestas áreas que a todos dizem respeito.
V.L. – Em 13 anos o Festival MED só aconteceu no mês de julho quando durava 5 dias. Este ano, apesar de ter menos dias, decorrerá mais no mês de julho que no mês de junho? Qual o motivo da alteração da data, adiando o Festival uma semana?
H.N. – Não me parece que essa alteração, que já aconteceu duas vezes no passado, tenha qualquer implicação negativa, antes pelo contrário. Em termos de agenciamento de bandas, esta data permite-nos estar em sintonia com outros grandes festivais europeus como o Roskilde, na Dinamarca, o que possibilitou trazer artistas como o camaronês Blick Bassy e a chilena Ana Tijoux com custos mais reduzidos, visto estarem em tourné europeia nesta data. Por outro lado, o juntar o final do mês de junho com o princípio do mês de julho pode trazer um acréscimo de público uma vez que este é um mês mais forte em termos turísticos, não esquecendo a potencial diferença nas condições meteorológicas, entre outras situações. Esperamos que estas componentes joguem a favor de mais uma excelente edição do Festival.
“Temos algumas novidades mas a essência do MED mantém-se inalterada: trata-se de um festival de World Music, à qual se junta uma fusão cultural onde têm lugar as artes plásticas, o teatro, a gastronomia, o artesanato, entre outras atividades.”
Nathalie Dias