Por: Miguel Peres Santos (Gestor Cultural / Historiador) – e-mail: apdsmiguel@gmail.com / Instagram: @miguelapdsantos
“(…) O teu sonho é uma viagem que me leva pelas brumas, numa escuridão imensidão e casas vazias sem ti dessa culpa de pensar em nós. Eu quero dizer-te que nada temo em ter-te, salta o muro há um paraíso aqui tão distante (…)”
Dança da Lua e do Sol, Emmy Curl (2019)
 
Emmy Curl, ou Catarina Miranda, sempre foi aquela menina de beleza rara e graça etérea, uma alma marcada pela tranquilidade dos sonhadores. Desde muito jovem, revelou uma maturidade notável, como se já soubesse qual caminho deveria seguir. Foi com os passos firmes e os olhos fixados nos trilhos perdidos da “sua” Trás-os-Montes natal, que Catarina encontrou o seu refúgio e, por consequência, a sua maior inspiração. A pureza verdejante da Serra do Alvão continua a encher a sua alma e as frenéticas águas do Rio Corgo ainda lhe dão a serenidade, ao mesmo tempo que continuam a encher-lhe de uma energia contagiante. Para Catarina, tudo contínua igual à sua infância, tudo continua a ser uma verdadeira descoberta e uma maior redescoberta de si própria.
Na infância, o campo foi o grande companheiro de Catarina. As caminhadas pelos campos, o toque nas plantas e os banhos de rio eram rituais que ela acompanhava com o seu velho gravador, onde registrava cada som que a natureza lhe oferecia. Assim como a sua amiga de infância, Catarina adorava apresentar-se aos colegas, sempre com um brilho especial, num desejo interno de partilha, através da sua música e do seu mundo. 
 
A sua graciosidade e a beleza do seu rosto de menina cheia de sardas, contrastam com a sua teimosia, inquietude e desassossego, por isso não é de admirar que sempre que percorria os caminhos que foi caminhando em direção à sua casa, a inspiração chegava sempre sem pedir licença. Além dos seus passos seguros, Catarina gostava de caminhar por atalhos, naquilo que seria um desafio a si própria, atalhos esses que rapidamente passavam de desafios a um mundo que se ia enchendo de cor e de silêncios ensurdecedores. Quando chegava a casa, passava para o papel o que lhe ia na alma, tudo aquilo que a natureza e o verdejante da paisagem lhe transmitiam. Todas aquelas emoções eram transformadas em músicas, melodias essas que passavam de um sonho a uma realidade, mesmo que fosse um segredo só seu.
Há quem cante para o mundo, e há quem cante a partir de um mundo, secreto, translúcido, como se a música brotasse do limiar, entre sonho e a memória. Catarina Miranda, parece habitar esse lugar, onde o som se desabrocha em luz e os sussurros em raízes. 
Há seres que parecem nascer entre os véus da aurora, Catarina Miranda é um desses raros mistérios, uma alma que caminha entre o etéreo e o terreno, como se pertencesse tanto ao céu quanto às raízes profundas da terra. Catarina é um feitiço sussurrado ao vento, uma dança de sílabas que ecoa por jardins ocultos, onde a música cresce como hera e o tempo se curva à delicadeza. Catarina não interpreta apenas com a voz, mas também com o seu olhar sublime, com os gestos suave e com a sua pele, que parece absorver a luz, devolvendo-nos o reflexo em tons de âmbar e luar.
 
A sua presença é bruma e chama. Quando surge, o tempo ao redor parece desacelerar, como se até os relógios quisessem escutá-la melhor. Os seus cabelos, são como ondas calmas sob a luz dourada do entardecer, balançam ao compasso de um mundo interior feito de sonhos e constelações. Há nela um toque de deusa e de menina selvagem, uma fusão encantadora de intuição e mistério, como se de Eurídice se tratasse, e Orfeu nunca tivesse olhado para trás. 
A sua música não se escuta, atravessa. É um sopro morno sobre a pele, uma lembrança adormecida que desperta devagar no peito. Cada acorde que tece, cada palavra que desliza da sua boca, parece arrancada de um diário secreto onde habitam memórias, silêncios e pequenos, as suas melodias, unem-se na sua voz como água e névoa, numa alquimia doce que transforma tudo o que toca, ligando o futuro e o presente com o passado, o visível com o invisível, construindo pontes entre a sabedoria esquecida e a rara sensibilidade contemporânea que ainda existe. 
 
Catarina Miranda é paisagem e rito. É floresta a sussurrar ao final da tarde, é mar calmo sob a lua cheia, é a sensação de se perder numa dança lenta com o invisível. E quando a sua música termina, há sempre um silêncio estranho que fica — não de ausência, mas de presença prolongada — como se ela deixasse em nós um pedaço do seu universo, feito de beleza subtil e encantamento puro. O seu universo é cósmico, místico e simbólico. Contempla a Lua como seu astro regente e isto vai-se refletindo muito no lado sonhador da sua música e das suas harmoniosas melodias, que nos levam um mundo de fantasia bem real. Entre o Sol e a Lua, símbolos eternos do equilíbrio e da dualidade, a sua obra dança numa harmonia mística: o Sol como força vital e renascente, a Lua como guardiã dos mistérios e das emoções. A sua arte habita esse espaço liminar, onde a luz encontra a sombra, onde o amor se torna cântico, onde a dor se transfigura em beleza.
 
Há algo em Catarina Miranda que não se descreve, apenas se sente, ela não pertence ao tempo comum, caminha descalça num mundo, onde a delicadeza não é fragilidade, mas força, ela reflete nos seus olhos o brilho de um mundo que só os sensíveis podem alcançar, ela é uma força serena onde a palavra é brisa, o silêncio é gesto, e a arte é sussurro. Se existe a perfeição, ela é a sua guardiã, o seu sorriso, carrega a pureza das coisas simples. É impossível não se perder um pouco nela, e talvez esse seja o seu maior feitiço:  Catarina Miranda ou Emmy Curl não é apenas uma artista. Ela é um refúgio, é um sussurro de beleza num mundo que, por vezes, se esquece de sonhar. Ela é feita de contraste, é vento que acaricia, mas também é tempestade contida. A sua voz e as suas palavras embalam, mas também despertam. Não é apenas uma artista, é uma reveladora de segredos, é uma viajante por mundos internos e inteiros, que nos empresta as suas asas para que possamos voar mais alto e tocar, ainda que por um instante, o sublime. Catarina Miranda é simplesmente a sublime perfeição da Serra do Alvão. 
 
Há já algum tempo que conheci, descobri, e vou redescobrindo as melodias e o trabalho artístico de Catarina Miranda, e cada um dos seus trabalhos ainda hoje são uma grande revelação. É muito difícil encontrar alguém com o seu talento e a sua imaginação e ainda há poucas pessoas que conhecem o seu valor artístico, musical e não só. Mas mesmo assim, Catarina Miranda comtempla-me (comtempla-nos) com a sua inquietude calma, sempre com o seu sorriso, fazendo o seu caminho, caminhando com passos firmes, compondo a sua história, uma história que carrega o dom de ser capaz e de atingir o sublime e a perfeição, uma história de amor, o amor pela arte e pela natureza, uma história que me (nos) leva ao sonho. O Prémio José Afonso 2025 foi atribuído ao álbum Pastoral, de Emmy Curl, tendo o júri destacado a originalidade do seu universo musical e estético, bem como a coerência entre música, textos, interpretação e grafismo presentes no álbum.
Também foi finalista do Festival da Canção 2025, com o tema Rapsódia da Paz.