Daniel José Ramos Vieira, artista multifacetado, professor, criador incansável e uma das personalidades mais marcantes da cultura popular de Alte e do concelho de Loulé, faleceu após ter sido internado de urgência esta sexta-feira, na sequência de um AVC. Tinha 88 anos.

Natural de Alte, onde nasceu a 3 de junho de 1937, Daniel Vieira sempre manteve uma ligação profunda à sua terra natal, que considerava a sua principal fonte de inspiração artística e humana. A casa onde nasceu, herdada dos avós e dos pais, transformou-se ao longo dos anos no seu atelier e num verdadeiro repositório de memórias, histórias e experiências que atravessaram gerações.

Autointitulava-se com simplicidade e orgulho: “Sou pintor e gravador, origem de Alte, Algarve.” Mas essa definição ficava aquém da vastidão do seu percurso. Pintor, gravador, cantor de fado, músico, dançarino, Daniel Vieira tocava vários instrumentos, integrou o rancho folclórico de Alte, fez parte do grupo Almanaque e manteve sempre uma paixão profunda pela música tradicional, frequentando também bailes de forró. Foi funcionário público, professor de artes visuais e, como gostava de dizer, um “eterno trabalhador-estudante”.

Aos 76 anos, inscreveu-se numa pós-graduação em Artes Sonoras, por acreditar que “há sempre algo para aprender”. Nunca gostou de terminar as suas peças, afirmando que “terminar é morrer”, numa visão da criação artística como processo contínuo e vivo — tal como ele próprio foi até ao fim.

O gosto pelas artes nasceu em família. O pai, também pintor, foi uma influência decisiva, assim como o envolvimento dos pais na recolha de músicas e danças tradicionais que estiveram na origem do grupo folclórico de Alte, fundado praticamente em simultâneo com o seu nascimento. Daniel Vieira acompanhou, viveu e ajudou a construir esse legado cultural, que atravessou décadas.

Viveu vários anos em Lisboa, nomeadamente em Alfama, onde manteve casa, mas nunca se desligou de Alte. “A minha inspiração tem sido sempre a minha terra. A minha aldeia”, dizia. Para ele, as paredes da sua casa-atelier eram “livros de memórias, abertos”, onde tudo o que viveu continuava presente.

Homem de espírito livre, assumia-se como alguém que só estudava quando algo verdadeiramente o interessava, identificando-se com o pensamento de Agostinho da Silva. O 25 de Abril foi, nas suas palavras, “o dia mais feliz da minha vida”, marco que refletia a sua visão humanista, crítica e profundamente ligada à liberdade de criação e de pensamento.

A notícia do seu falecimento foi recebida com profunda tristeza pela comunidade de Alte e por todos quantos com ele conviveram, aprenderam ou se inspiraram. A sua lembrança, o seu exemplo e a sua obra permanecerão vivos na memória coletiva, como parte indissociável da identidade cultural da freguesia e do concelho de Loulé.