Caríssimas Aranhas, estimadas irmãs,
Tenho pensado muito em nós, humanos, e não pude evitar ver em vós uma imagem torta, porém fiel, do que somos. Sois artesãs do invisível. Como nós, traçais o vosso destino em linhas frágeis, quase ilusórias. Cada fio vosso é promessa e armadilha, abrigo e prisão. Assim também vivemos, urdindo relações, palavras, projetos, uma teia complexa de afetos e desejos que ora sustenta, ora enreda.
Vejo-nos, como a vós, à espreita. Esperamos. Esperamos o amor, o sucesso, a resposta, o sentido. E muitas vezes, como vós, saltamos quando o mundo vibra, não pelo som, mas pela tensão quase impercetível que nos alerta: a vida passou por aqui.
Somos capazes de criar beleza, mas carregamos o veneno da pressa, da ganância, do ego. Temos patas invisíveis que esmagam o que não compreendem.
Mas o que me comove é a vossa solidão. Vós aranhas, sois solitárias e incansáveis. Como nós. Cada um de nós vive em sua própria teia mental, num mundo tecido por dentro. Tocamos o outro, às vezes, mas raramente sem romper alguma linha. No entanto, vós, como nós, não deixais de reconstruir. Dia após dia, fio após fio.
Há nisso uma ternura que reconheço. Nós também tentamos, entre ruínas e perdas, voltamos a tecer. Amar é isso: fazer da vulnerabilidade uma arquitetura. Ambos procuramos sentido na repetição. Ambos buscamos sustento nas tremuras do mundo.
Há quem tenha medo de aranhas. As patas finas, o corpo peludo, o jeito sorrateiro com que aparecem nas esquinas. Mas, se olharmos bem, talvez sejamos mais parecidos convosco do que gostaríamos de admitir. Construis a vossa teia com paciência, fio a fio, em silêncio. Nós também. Tecemos os nossos dias com pequenas decisões, gestos, promessas. Cada conversa, cada escolha, é um fio lançado ao vento, à espera de se prender em algum canto.
Como vós, somos engenheiros da nossa própria armadilha. E se pensarmos bem, a teia não é só um abrigo. É também uma armadilha delicada. Esperais ali, imóveis, pelo movimento que denuncia a presença de uma presa. Não é assim que vivemos também? Somos caçadores passivos, vigiando o mundo a partir do centro da nossa própria rede. Por vezes, confundindo o que é ameaça com o que é oportunidade. Atacamos o que talvez só queria nos tocar.
E há também a beleza da teia: geométrica, delicada, quase invisível à primeira vista, mas inquebrável. Quantas relações humanas não são assim? Parecem frágeis, mas resistem ao vento, ao tempo, ao silêncio. Só quem olha com atenção percebe o quanto custou tecê-las.
E, claro, há sempre quem tente destruir a teia. Um espanador, uma vassoura, um gesto de nojo. As nossas construções emocionais também sofrem com isso. Alguém chega e desfaz em segundos o que levámos tempo a criar. E então começamos de novo. Porque, como as aranhas, não desistimos. Voltamos ao mesmo canto. Lançamos mais um fio. E recomeçamos a tecer.
Talvez, afinal, não tenhamos tanto medo das aranhas. Talvez tenhamos medo do que elas nos mostram de nós mesmos: essa eterna tentativa de dar sentido ao vazio, com fios invisíveis e esperança teimosa.
É com admiração e um certo espanto, que vos escrevo,
um humano em sua própria teia.