Do risco de extinção ao reconhecimento

Com características físicas singulares e com provas dadas como cão de caça, o Cão do Barrocal Algarvio viu a sua continuidade ameaçada a partir da década de 60, essencialmente devido a uma "invasão" de raças estrangeiras e ao abandono da agricultura de subsistência. Depois de 15 anos de recuperação, esta raça conseguiu crescer em número e reconhecimento, constituindo-se como a 11.ª raça certificada no nosso país, com o título de Raça Canina Autóctone Portuguesa.

A quinta-feira de 4 de fevereiro de 2016 foi um dia especial para Rogério Teixeira. Depois de anos de luta e meses de espera, o presidente da Associação de Criadores do Cão do Barrocal Algarvio (ACCBA) recebeu finalmente a resposta da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária. Num texto curto e direto, a entidade detentora do livro de raças portuguesas deu a notícia há muito esperada e as reações nas redes sociais foram imediatas. No Facebook de Rogério Teixeira, onde este partilhou a resposta recebida, as mensagens de parabéns e as partilhas multiplicaram-se, tendo o próprio referido que “depois de muitos anos de trabalho, é muito gratificante receber esta carta”.

Caracterizado pela sua aparência esguia e atlética e que se acredita ter origem nos galgos egípcios, o Cão do Barrocal Algarvio apresenta semelhanças com o Podengo português e os Border Collies, raça inglesa de cães pastores. Porém, a sua verdadeira proveniência é ainda desconhecida: “Não se sabe ao certo a sua origem, mas calcula-se que será remota e que terá resultado de cruzamentos bem-sucedidos”, confirma Rogério Teixeira.

Já teve várias denominações atribuídas pelos seus conterrâneos algarvios, como Abandeirado, Felpudo e Peludo, o que segundo o presidente da ACCBA está relacionado com a sua aparência física. “Este cão tem o pelo comprido e macio, fraldas nas partes posteriores dos membros, tufos de pelo na base das orelhas e possui uma forma especial de enrolar a cauda. Terão sido as fraldas e a cauda que deram origem às respetivas designações”, conta. No entanto, a designação oficial é “Cão do Barrocal Algarvio”, nome escolhido pela ACCBA “para unificar a multiplicidade de nomes pelos quais era conhecido e também porque se acredita que terá tido origem nesta sub-região do Algarve, embora possa ser visto no interior e litoral”, revela Rogério Teixeira.

Esta raça é caracterizada ainda pelo seu focinho alongado, olhos amendoados e orelhas pontiagudas, podendo chegar aos 58 centímetros e aos 25 quilos. Durante vários anos, o Cão do Barrocal Algarvio foi utilizado para caça menor por ser rápido, agressivo, enérgico e territorial, porém o presidente da ACCBA ressalva que esta raça é utilizada para “todo o tipo de caça”. Neste momento, predomina já em algumas matilhas, como a de José Afonso Correia.

Apesar de serem associados à caça, a verdade é que estes cães têm também revelado qualidades para serem escolhidos como cães de companhia, nomeadamente por serem meigos e se adaptarem bem à vida familiar. Contudo, a ACCBA alerta para a necessidade de espaço devido ao seu tamanho. O Cão do Barrocal Algarvio é também considerado um bom cão de guarda.

A partir dos anos 60, o número de cães desta raça sofreu uma diminuição substancial, ficando em risco de extinção. Segundo Rogério Teixeira, essa situação esteve relacionada com uma "invasão de raças estrangeiras, em detrimento das raças nacionais, o que levou a que as populações caninas autóctones entrassem nitidamente em perda”. Outra questão apontada para o decréscimo do número de cães desta raça “terá sido o abandono da agricultura de subsistência por parte das populações, pois o Cão do Barrocal Algarvio funcionava, nesse tipo de agricultura, como auxiliar imprescindível na caça de pau e furão”, revela.

Para ultrapassar essas dificuldades, nasceu há cerca de 10 anos a ACCBA, muito devido às chamadas de atenção de José Afonso Correia para a identidade própria deste cão e para a necessidade de o recuperar. “Quando «pegámos» no Cão, por volta do ano 2000, identificámos uma reduzida população canina, à volta de 30. Apesar da exiguidade no número, daqui saiu a base do que hoje está feito”, recorda Rogério Teixeira. Depois de 15 anos de recuperação, através de apuramento genético e divulgação, a ACCBA conseguiu chamar a atenção do Clube Português de Canicultura para esta raça. Hoje, estão contabilizados cerca de 1500 cães e o objetivo é aumentar este número, embora o presidente da associação admita que a forma de realizar essa tarefa ainda esteja “em estudo por parte da ACCBA”.

Uma das maiores dificuldades para a reprodução da espécie é a existência de poucos criadores desta raça, sendo que Rogério Teixeira diz mesmo serem apenas “meia dúzia”. No entanto, este cão não se encontra fixado apenas no Algarve, mas também em outras zonas do país e isso porque a associação já ofereceu “muitos exemplares”.

Quanto ao reconhecimento como 11.ª raça portuguesa, o presidente da ACCBA não tem dúvidas: “É mais um traço da nossa cultura que permanece. Devemos orgulhar-nos desta conquista”. No entanto, o trabalho não fica por aqui. Em primeiro lugar, há que continuar a divulgar esta raça, nomeadamente com ações como a 1.ª Monográfica do Cão do Barrocal Algarvio, a decorrer em agosto e que irá reunir em Faro exemplares desta raça espalhados por todo o país.

Há ainda o objetivo de conseguir o reconhecimento por parte da Federação Cinológica Internacional, responsável pela certificação de raças de todo o mundo e onde o nosso país apresenta uma lista de apenas oito elementos: o Cão de Água Português, o Rafeiro do Alentejo, o Cão da Serra da Estrela, o Podengo Português, o Perdigueiro Português, o Cão de Fila de São Miguel, o Cão da Serra de Aires e o Cão de Castro Laboreiro. Apesar de todas as dificuldades inerentes a esta certificação, Rogério Teixeira garante que “é um passo difícil, mas será o seguinte”. Neste momento, para além do Cão do Barrocal Algarvio, também o Cão de Gado Transmontano e o Barbado da Terceira aguardam pela possibilidade de obter este reconhecimento.

 

Por Sofia Coelho