Os profissionais de saúde luso-venezuelanos lutam há vários meses para verem reconhecidas as suas habilitações em Portugal.

Jesus Gonzalez, de 38 anos, residente em Quarteira e representante da equipa de trabalho nacional de apoio ao Conselho de Profissionais de Saúde da Venezuela em Portugal, que pertence à Associação ALUSVEN (Associação Luso-venezuelana de Cooperação e Desenvolvimento), esteve à conversa com a Voz de Loulé sobre o processo de homologação destes profissionais de saúde.

O responsável lamenta o excesso de burocracia imposto pelo governo português, pois considera que “o principal problema é o atraso do reconhecimento”.

Jesus Gonzalez recorda que há muitas personalidades políticas que já conhecem o problema, como é o caso do Primeiro-Ministro, António Costa, ou do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no entanto, ambiciona ter novas reuniões com as mais altas figuras do Estado de modo a voltar a discutir o problema.

O responsável salienta que os representantes do Governo têm vontade política, no entanto, “existe uma grande incógnita até ao momento sobre a forma como se vai resolver este problema”.

“Existe muita burocracia e há um grande atraso, relativamente a licenciados fora da União Europeia e para outros que são licenciados na Europa como é o caso de Espanha ou Itália”, afirmou.

Jesus Gonzalez esclarece que, de acordo com o último censo, existem, em Portugal, cerca de 300 profissionais de saúde, entre eles mais de 100 médicos a aguardar a homologação dos títulos”, situação que é bastante diferente do nosso país irmão.

“Em Espanha, é possível começar a trabalhar em poucas de semanas e temos muitos exemplos de luso-descendentes, com documentação portuguesa, bilhete de identidade português a optar por ir para Espanha”, salientou o representante.

O responsável pede que os profissionais de saúde luso-venezuelanos sejam reconhecidos através de “um reconhecimento automático ou de uma aceleração do processo pela situação histórica da Covid-19 que estamos a viver”.

“Porque é que existe tanta burocracia num momento tão difícil e histórico, em plena pandemia de Covid-19, que tem o mundo todo a seus pés? Estes profissionais estão a gritar, pois querem fazer parte do Sistema Nacional de Saúde para poderem desenvolver as suas funções profissionais porque são uma ferramenta humana qualificada de alto nível que Portugal precisa”, defendeu Jesus Gonzalez.

O profissional realça ainda que as “decisões que possam ser tomadas para resolver o reconhecimento dos médicos venezuelanos em Portugal podem ajudar a baixar a crise que se está a viver devido à Covid-19”.

 

Antonieta Maltezinho é médica há 28 anos

 

Antonieta Maltezinho é dermatologista e representante do Conselho de Saúde dos Médicos Venezuelanos, luta pela homologação do título há mais de um ano. A dermatologista de 48 anos, residente em Quarteira, chegou a Portugal em 2019 e é uma das médicas luso-venezuelanas que luta pela homologação do título, tarefa que não se tem revelado nada fácil.

“Já meti todos os papéis pedidos pela Universidade de Lisboa e já paguei tudo. Eles fazem uma lista da documentação necessária e depois procede-se ao pagamento da matrícula que são 550 euros. Em seguida, é necessário fazer um exame de idioma”, começou por explicar a médica

A profissional realça, no entanto, que o processo não é simples: “A situação não é fácil porque são pedidos vários documentos iniciais e depois, quando faltam 10 dias para o final do prazo, começam a pedir outras coisas, que deviam ter sido pedidas desde o início”.

“Entreguei todos os papéis que me foram solicitados e até agora ainda não obtive resposta. Vou enviar um email para ver o que me dizem, mas já passou o prazo. Vamos ver”, complementou, bastante apreensiva com a situação.

Após a receção de todos os papéis, os médicos são obrigados a fazer um exame de conhecimento com 120 perguntas, onde existe uma grande taxa de reprovação. “Ninguém passa neste exame. Por exemplo, quando vivi no Chile, fiz uma formação durante algum tempo e o exame era sobre esses conteúdos. Aqui é sobre tudo. É um exame geral e a medicina é bastante extensa”, conta Antonieta.

“Todos os meus colegas reprovaram. Alguns estão em processo de revisão das perguntas, mas reprovaram todos”, complementou a dermatologista, salientando que com uma reprovação o procedimento de admissão volta à estaca zero.

Antonieta Maltezinho é medica há 28 anos e dermatologista há 22. A profissional de saúde trabalhou também durante dois anos no Chile e é especialista em dermatologia médica, cirúrgica e estética.

“Tenho mais tempo da minha vida a ser médica do que a não ser. Foi isto que estudei e nunca pensei trabalhar noutra coisa”, afirmou, salientando que vive em Portugal há um ano com as poupanças que trouxe da América do Sul e também com a ajuda de familiares.

Antonieta vive com a mãe e com as três filhas. “O pai das minhas filhas ajuda, mas quero trabalhar e exercer naquilo que eu estudei e sempre trabalhei”, complementou.

“Temos uma lista enorme de excelentes profissionais luso-venezuelanos a viver em Portugal. São todos pessoas que vêm de hospitais de referência na Venezuela. São profissionais com muita experiência”, notou ainda a profissional que estudou na Universidade Central de Venezuela, em Caracas, a melhor universidade do país, segundo um estudo do QS World University Rankings, feito em 2018.

A médica lamenta que muitos colegas tenham de ir para Espanha para verem as suas habilitações reconhecidas e não descarta a hipótese de fazer o mesmo.

“Todos pensamos nessa hipótese. Em Espanha aceitam os documentos sem exame. Temos de fazer um pagamento de 162 euros e fazem uma investigação das nossas referências”, disse, salientando que existem cerca de 2.000 colegas a pedir homologação no país vizinho.

Antonieta refere que os médicos luso-venezuelanos deviam ter os mesmos direitos dos médicos portugueses: “Somos portugueses retornados e devíamos conseguir a mesma dignidade que têm as outras pessoas daqui e que também tínhamos lá”.

Antonieta Maltezinho, à semelhança de mais de 100 médicos luso-venezuelanos, espera que o governo português acelere o processo de homologação dos títulos, de modo a poder começar a trabalhar o quanto antes em Portugal.

Stefanie Palma