O Lápis Azul é “um elemento de combate”, “de resistência”, “um personagem balizado pela pergunta, que é o princípio da filosofia”. Foi assim que Luísa Monteiro, escritora, jornalista, encenadora e doutorada em Literatura Comparada (Universidade Nova), se referiu à primeira obra de Laurinda Aguiar da Silva, na apresentação decorrida no passado sábado, 6 de julho, no Museu Municipal de Faro.
Os claustros do Museu encheram-se para acolher a obra (Edições Vieira da Silva), que conta com ilustrações de Andrea Ebert e prefácio de Magda Costa Carvalho. Surge como uma homenagem “à força criativa das perguntas e do pensar em conjunto” e nasce após anos de trabalho em Filosofia com/para Crianças, segundo a autora.
A interação entre a narrativa e o questionamento marca esta história e Luísa Monteiro fez questão de levantar diante do público algumas perguntas surgidas na margem do livro: “‘Existem tarefas para não fazer?’; ‘O que é trabalhar?’; ‘Porque é que se trabalha?’; ‘O que podem fazer as palavras?’; ‘O que é ter coragem?’”. “Se Aristóteles lesse esta obra”, acrescenta, “diria que era um livro perfeito ou quase perfeito; por um lado, por conter todos os ingredientes de um herói trágico, e, por outro, por ter os elementos essenciais do que constitui um jogo.”
Para Luísa Monteiro, o personagem Lápis Azul “consubstancia completamente o trajeto de um herói trágico, nascido com a função de riscar, mas cujo excesso de zelo o conduz ao terror de observar que pedaços do mundo deixaram de existir. Por culpa sua. Este reconhecimento é o que impulsiona a descoberta da sua identidade, produzindo a catarse, que ocorre quando o ato de riscar dá lugar à escrita.”
Esta fez ainda referência à figura histórica do lápis azul, criado pela empresa Viarco, e que, durante 48 anos, serviu as intenções da Censura. “Riscava livros, jornais, poemas, desenhos, tudo o que fosse contra o sistema ditatorial”, recorda. “O problema”, levanta, “é que, hoje, volvidos 50 anos, voltamos a ter muitos medos, e voltamos a ter medo deste fantasma: que alguém nos risque a palavra, nos risque o pensamento, a opinião.”
Reportando-se à atualidade, Luísa Monteiro faz diante dos presentes uma analogia entre a Censura moderna e o algoritmo. “’O Lápis Azul’ trata-se, por isso, de um livro muito urgente, muito atual. Porque voltamos a falar de uma nova escravatura!”.
No final da sessão, lendo nas perguntas um convite e perpetuando a palavra resistência, a mediadora de leitura e jornalista Dina Adão leu uma parte d’O Lápis Azul, deixando os presentes com uma questão: “O que é que está a acontecer?”.
Dina Adão