Nuno Vaz Correia | Licenciado em Comunicação | nunovazcorreia@gmail.com
Com mais de 200 milhões de euros para gastar em 2025, Loulé é um dos municípios mais ricos do país. Mas também um dos mais desiguais. A meses das autárquicas, o desafio político é claro - e inadiável.
Com um dos maiores orçamentos municipais do país, Loulé é simultaneamente o lar de algumas das famílias mais ricas de Portugal… e de milhares de residentes entre os mais pobres. Este paradoxo social não é uma inevitabilidade — é uma consequência de escolhas políticas. E em ano de eleições, é tempo de exigir responsabilidades.
Loulé está no top 20 do ranking nacional dos maiores orçamentos autárquicos para 2025, com 206 milhões de euros previstos. Em termos orçamentais o município de Loulé ocupa o 17º lugar no país, um número que impressiona, principalmente por Loulé surgir junto de municípios de grande escala como Coimbra, Braga ou Guimarães. O que poucos sabem — ou querem discutir — é que o concelho de Loulé é também um dos mais desiguais de Portugal.
Segundo dados recentes do Gabinete de Estudos do Ministério das Finanças, vivem em Loulé 124 das famílias mais ricas do país, com rendimentos mensais superiores a 21 mil euros brutos. O concelho figura ao lado de Lisboa, Porto ou Cascais nesta elite financeira.
Mas do outro lado do espelho, a realidade é bem diferente — e profundamente chocante: 20% da população do concelho pertence aos estratos mais pobres do país. O coeficiente de Gini(*) de Loulé é de 0,53, um dos mais elevados a nível nacional, apenas ultrapassado por Lisboa (0,57) e Porto (0,54).
É este o verdadeiro “caso enigmático” de Loulé: um município com um orçamento milionário e com uma das mais gritantes desigualdades sociais do país. Esta realidade não resulta da falta de meios — resulta da forma como eles são usados — e esse é um debate político que não pode continuar adiado.
Durante décadas, o concelho assistiu a um crescimento económico assente no turismo e na atratividade imobiliária. Mas esse crescimento foi, e continua a ser, assimétrico e excludente. A aposta em obras de impacto visual e eventos de marca não está a resolver os problemas estruturais: a falta de habitação acessível, a precariedade, o abandono das zonas rurais e a pobreza urbana escondida.
A poucos meses das eleições autárquicas, os candidatos à Câmara Municipal de Loulé não podem contornar este tema. O orçamento municipal não pode servir para alimentar mais do mesmo. Têm de ser transformado em investimento estratégico, socialmente equilibrado e com um impacto concreto nas condições de vida de quem mais precisa.
Com 206 milhões de euros para gerir em 2025, seria legítimo esperar que Loulé fosse um exemplo de coesão, equidade e progresso partilhado. No entanto, os números indicam uma realidade diferente: uma enorme disparidade na distribuição da riqueza, agravada por uma política pública que, até agora, parece incapaz de mitigar os extremos.
Não estamos perante uma falha orçamental — estamos perante uma falha de prioridades. O problema não está no valor absoluto do orçamento, mas na forma como é aplicado. Onde estão os investimentos em habitação acessível? Nos serviços sociais? Na inclusão ativa da população mais vulnerável? Porque continua Loulé, com tantos recursos, a ser palco de uma das maiores desigualdades do país?
Loulé não é apenas um caso enigmático — é um caso simbólico. É o espelho de um país onde o crescimento económico não se traduz, necessariamente, em progresso social. Onde os orçamentos milionários coexistem com bairros sem saneamento. Onde as mansões de luxo ficam a dois passos de famílias que vivem com menos de 500 euros por mês.
Mais do que um número no ranking dos maiores orçamentos, Loulé precisa de ser exemplo de justiça e visão social. A liderança política local tem em mãos não apenas uma oportunidade histórica, mas também uma responsabilidade urgente: usar os milhões do orçamento não para embelezar, mas para equilibrar. Não para impressionar, mas para incluir. Porque a verdadeira riqueza de um concelho não se mede pelo tamanho do seu orçamento — mas pela dignidade de vida que oferece a todos os seus cidadãos.
É tempo de mudar o paradigma. Não se trata de saber gerir dinheiro — trata-se de saber onde e como o gastar. Loulé não precisa de mais cosmética urbana. Precisa de coragem política, visão social e uma estratégia de combate real à desigualdade. Mais do que slogans e promessas, são precisas respostas e, sobretudo, uma liderança com sentido de justiça e compromisso com todos.
(*) O Coeficiente de Gini consiste em um número entre 0 e 1, onde 0 corresponde à completa igualdade (no caso do rendimento, por exemplo, toda a população recebe o mesmo salário) e 1 corresponde à completa desigualdade (onde uma pessoa recebe todo o rendimento e as demais nada recebem).
Artigo originalmente publicado a 15/04/2025 em www.observador.pt