José Miguel Santos Gonçalves, tem 34 anos e é licenciado em Engenharia de Produção Alimentar. Após terminar o curso universitário, e não vendo respostas de trabalho no mercado atual, este jovem “pastor”, gestor de exploração agrícola, decidiu voltar ao Algarve, mais concretamente a Benafim, onde tem as suas origens, para arriscar num projeto de produção de leite de cabras algarvias.
Atualmente com 171 caprinos, cerca de 1/3 dos animais que pretende vir a ter, tem tudo a postos para iniciar a produção de leite que espera mais tarde fazer evoluir para uma Queijaria.
José Gonçalves divide-se assim entre a dedicação à sua jovem esposa, ao seu filho de 15 meses de idade, e aos seus animais, onde encontrou uma nova perspetiva de futuro.
A Voz do Algarve – O que o levou a escolher o curso de engenharia de produção animal?
José Gonçalves – Este curso não foi a minha primeira opção. Estive noutro curso primeiro, mais ligado à área de eletricidade e à automação industrial, mas como era um curso para o qual eu não via grande saída em Portugal, e o meu objetivo nunca foi sair do País, acabei por mudar e escolhi engenharia de produção alimentar, já que sempre gostei de animais de quinta.
V.A. – De onde vem esse gosto pelos animais?
J.G. – Eu sempre tive uma grande paixão por animais. Quando era pequenino vinha muitas vezes para estas terras passar férias com os meus avós. Sempre gostei dos animais de quinta do meu avô. Quando eu vinha ele tinha sempre algum animal de quinta, podia ter uma vaca, ou uma ovelha, ou uma galinha… o importante era que havia sempre um animal de quinta e eu adorava contactar com os bichos. Esse foi o meu primeiro contacto com este tipo de animais, embora a decisão de tratar de cabras algarvias só tenha surgido depois, na Universidade, quando eu conheci esta raça.
V.A. – Uma vez que existem 6 raças Portuguesas de caprinos, a Algarvia , a Bravia, a Charnequeira, a Preta de Montesinho, a Serpentina e a Serrana, porque escolheu as raça autóctone Algarvia?
J.G. – A paixão pelas cabras algarvias surgiu no sentido de tentar fazer algo por uma raça que é portuguesa. Há muita gente que gosta de trabalhar com cabras espanholas, porque são mais produtivas. Mas é importante lembrarmo-nos que elas também tiveram uma fase mais complicada como aquela pela qual estão agora a passar as algarvias. Os espanhóis fizeram um longo trabalho, ao longo de 30 ou 40 anos, e conseguiram melhorar as suas raças e hoje em dias quase todas são superiores à nossa cabra. No entanto, a nossa cabra algarvia tem outras vantagens. Ao estar habituada à comida que existe no nosso mato, e sendo uma cabra originária daqui, ela come quase tudo e faz um melhor aproveitamento da comida disponível.
V.A. – E o que é que elas comem exatamente?
J.G. – Dentro do mato elas comem de tudo. Comem Rosmaninho, Alecrim, Alfarroba, Alfarrobeiras, Azeitonas e Oliveiras, Amêndoas e Amendoeiras…elas basicamente comem tudo o que existe no mato algarvio.
V.A. – O que o levou a avançar com este projeto no Algarve?
J.G. – Estas terras, onde tenho as vedações da exploração com cerca de 12 hectares e meio, eram uma fazenda do meu avô e essa foi, em parte, uma das razões que me fez vir para baixo em vez de ficar no Alentejo. Qualquer terra no Alentejo seria o preço de todo o projeto que eu estou a fazer aqui, e não se justificava embora seja mais fácil trabalhar no Alentejo do que nestas parcelas pequenas, nestas pedras… mas isto com força de vontade tudo se faz.
V.A. – Este projeto surge dentro de alguma candidatura a apoios comunitários?
J.G. – Sim, este é um projeto “jovem agricultor”, do PRODER (Programa de Desenvolvimento Rural), ao qual se podem candidatar jovens até aos 40 anos. O projeto foi aprovado com uma cotação de 4.9 em 5.0 valores, ou seja quase o valor máximo, o que significa que, se tudo correr bem, temos viabilidade para que esteja pago em 4 anos e três meses em vez de 5 anos. Houve alguma dificuldade em termos de legislação, que foi apertando de forma a que não fosse tão fácil investir no meio dos territórios agrícolas e protegidos ambientalmente, como é esta rede natura onde o projeto está inserido. Este projeto levou praticamente 4 anos para conseguir avançar…e eu comecei a pedir autorização ainda antes de fazer o projeto.
V.A. – Pode explicar melhor em que consistiu, neste caso, os apoios do PRODER?
J.G. – Quando fazemos uma candidatura temos direito a um premio à primeira instalação, que na altura foi de 40 mil euros… no fundo esse valor, embora não fosse muito, sempre fez alguma diferença, deu para começar... Este é um projeto para o qual é preciso alguma capacidade financeira, especialmente quando é feito de raiz, como eu fiz aqui. Existem outros tipos de projetos que podem arrancar com menos dinheiro, como as framboesas, as abelhas, o mel… estes são investimentos mais pequenos, e com o qual as pessoas conseguem um rendimento mais rápido. Mas eu optei por este projeto, que exige um pouco mais, porque o meu principal objetivo é vir a ter a queijaria, chegar à distribuição e ao cliente.
V.A. – Nesta fase inicial, já consegue gerar lucros?
J.G. – Atualmente ainda não tenho lucros oriundos deste projeto. Vou agora começar a produzir e vender o leite dos cabritos que tenho. Tenho algum lucro, mas da venda dos cabritos, das alfarrobas, da azeitona, da amêndoa… Ainda tenho 120 ou 130 hectares de terreno que me permite gerar algum lucro.
V.A. – Quantas cabras tem atualmente e quantas cabras pretende ter no total?
J.G. – Atualmente tenho 171 cabras, mas o projeto está feito para 450 cabras, divididas em 3 grupos de 150. Mas pode ser expansível até às 525 cabras, porque as instalações assim o permitem.
V.A. – Há pouco quando fomos conhecer o rebanho, achámos muito engraçado quando o ouvimos chamar as cabras pelos nomes. Sabe o nome de todas as suas cabras?
J.G. –. Até às 100 conhecia praticamente todas e dava-lhes nomes. Eu e a minha esposa criámos as cabras como se fossem filhos. Andávamos a passear com elas no campo, passávamos 5 a 6 horas com elas…durante 6 anos fiz o pastoreio, foi uma ligação muito próxima, sempre que nascia uma cabra esta ganhava um nome. Rita, Cerejinha, Freirinha, Chorona, Roncona, Goma e Palmira são alguns dos nomes das nossas cabras, e claro não me posso esquecer do bode Barbicha.
V.A. – Referiu que a sua esposa o ajuda. Qual é a sua ligação a este projeto?
J.G. – A minha esposa, tal como eu, apaixonou-se por estes animais. Além disso, ela é Engenheira Alimentar, e o seu estágio profissional foi numa queijaria. Ou seja, formamos a equipa certa para desenvolver este plano, que foi pensado pelos dois. Embora tenhamos de ser ambivalentes, e fazer coisas de áreas completamente diferentes, não deixa de ser verdade que o facto de sermos ambos formados em áreas relacionadas com o projeto nos traz algumas vantagens, como por exemplo, controlar e conhecer melhor os custos e consumos do projeto.
V.A. – Como tem sido o trabalho desde que se mudaram para as atuais instalações? No que consiste a vossa rotina?
J.G. – Mudámo-nos para as novas instalações em outubro do ano passado (2014). Desde essa altura já não temos precisado de fazer o pastoreio. Chegamos aqui de manhã, e como elas estão “secas”, ou seja, como não estão em produção, só precisamos de dar alguma comida de manhã e abrir os parques para elas pastorearem sozinhas. Enquanto isso, nós vamos para o escritório e tratamos dos muitos papéis e burocracias que surgem, contabilidade, há sempre coisas para fazer. Além disso, temos também a apanha da azeitona, da lenha, o podar das árvores… este ano fiz 25 hectares de sementeira para elas comerem… Já quando chegar a altura da ordenha será um pouco diferente. Teremos de começar mais cedo, porque a ordenha deve ser dividida, o máximo possível de 12 em 12 horas, uma vez que essa é a forma de maximizar a produção. Mas como pode entender, com trabalhadores não há ninguém que queira cumprir esse horário. Por isso iremos tentar a divisão nas 14h/10h, ou seja, fazer a primeira ordenha às 7h00 e voltar a ordenhá-las às 17h00, por exemplo.
V.A. – Como irá funcionar o controlo da quantidade e qualidade do leite?
J.G. – Cada cabra tem um dispositivo, que se chama Bolo Ruminal, que identifica cada uma das cabras. É esse dispositivo que permite depois que o equipamento da ordenha faça a medição eletrónica de cada animal e crie uma ficha individual, onde é ajustado o nível de alimentação, os partos, a prolificidade, o número de cabritos por cada parto… Toda essa informação segue depois, automaticamente, para os computadores onde verificamos os níveis de produção.
V.A. – Quantos cabritos nascem por parto e quantos partos pode ter uma cabra durante a vida útil?
J.G. – A média de cabritos por parto nas cabras algarvias é normalmente dois, às vezes três e raramente um… Sendo que, uma cabra que esteja num ambiente natural, chega a ser coberta duas vezes por ano, ao longo da sua vida. Muitas vezes acabam de ter os cabritos e já estão a ser cobertas. Mas nós aqui na exploração vamos tentar que elas façam cerca de 6 a 7 partos no máximo.
V.A. – Quantos anos, em média, vivem estes animais?
J.G. – Numa exploração de produção intensiva de leite como a que temos aqui, o ideal é 6 anos. Após esse período tentamos tirar, porque a cabra decresce muito a sua produção. Pode haver uma ou outra cabra que dê leite após essa idade, mas quase todas, a partir dos 5 ou 6 anos reduz a sua força de produção. Após isso, vão para gado de refugo, ou seja, para alimentação.
V.A. – Por quantos anos pensa que este projeto terá viabilidade?
J.G. – Para mim vai ser um trabalho para a vida. Eu espero chegar a ter a queijaria e ai subir um degrau a sério em termos de lucro. Esta fase inicial, onde nos encontramos, pode já gerar algum lucro, mas nunca será para enriquecer, como se costuma dizer. Penso que é na fase da transformação e da distribuição que está o verdadeiro ganho. E depois logo se vê, tenho sempre mais ideias. Enquanto a cabeça aguentar, faz-se.
V.A. – Quantos postos de trabalho irá gerar este projeto?
J.G. – Neste momento somos 4, eu, a minha esposa e dois estagiários. Depois com a queijaria talvez venha a gerar mais 3 ou 4 postos de trabalho. Penso que mais do que isso não será necessário, uma vez que é tudo muito automatizado, pode surgir é algum trabalho sazonal. Mas para dizer a verdade, tenho tido muita dificuldade quer em arranjar o pessoal, quer em mantê-los motivados…quando comecei não havia ninguém que quisesse vir para cá. Por isso, estamos disponíveis para oferecer estágios profissionais, que por experiencia própria, sei que não são fáceis de encontrar nesta área.
V.A. – Como têm sido a reação das pessoas ao verem um Engenheiro a trabalhar no terreno com os animais?
J.G. – Os amigos e a família apoiaram, até porque tenho vários amigos na área, e os da universidade basicamente são todos de produção animal, por isso também trabalham uns com cabras, outros com vacas, outros com porcos e galinhas…o normal. O impacto foi mais para as pessoas que não trabalham nesta área. Algumas vezes ouvi dizer “porque é que andaram a estudar e agora andam a criar cabras?!”Mas é normal, as pessoas ainda vêm este negócio como o trabalho do “pastor”, com bochechas rosadas, patilhas e samarra, que passa o dia inteiro no campo e não conversa com ninguém. Pois eu já fiz esse trabalho aqui, durante os primeiros 6 anos, mas não deixei de ter amigos ou vida social por causa disso.
V.A. – Por falar em vida social, quando tiram férias (risos)?
J.G. – Isso é que já é mais complicado (risos). Até agora só conseguimos tirar férias quando vieram os estagiários, porque eles fizeram o favor de nos substituir no Natal e sempre conseguimos visitar a família. Mas a partir de agora não se prevê que isso aconteça tão cedo… tem de se ir andando conforme as pernas.
V.A. – Que conselho deixa às pessoas que queiram iniciar-se nesta atividade, ou aos jovens que queiram estudar nesta área?
J.G. – É preciso gostar muito daquilo que fazem e manter a perseverança. Mesmo gostando, custou a levar para a frente, porque são muitas as barreiras. Mas com calma e com paciência, faz-se. A vida é assim mesmo. É preciso ter força, não podem desistir.
A força de vontade conta muito!
Por Nathalie Dias