Às três bolsas já concedidas ao ICArEHB (Vera Aldeias, Starting Grant, 2022; Nuno Bicho, Advanced Grant, 2022; e João Cascalheira, Consolidator Grants, 2022), juntam-se agora mais duas bolsas Starting Grant atribuídas aos investigadores Jonathan Reeves, que vem do Instituto Max Planck (Alemanha), e Elisa Bandini, vinda da Universidade de Zurique (Suíça), no valor de 3 milhões de euros, ou seja, 1,5 milhões para cada um dos investigadores.
Estes resultados colocam o ICArEHB como um dos principais locais para compreender a evolução humana, com uma concentração excecional de investigadores de excelência, demonstrando também a atratividade de Portugal e do Algarve para o desenvolvimento de uma economia do conhecimento.
Quando nos tornámos a espécie tecnológica que somos hoje?
Jonathan Reeves propõe-se investigar a importância do uso de ferramentas de pedra para os nossos antepassados hominíneos há 2,6 milhões de anos. “Como espécie, os seres humanos dependem das tecnologias que criamos para viver, prosperar e modificar os ambientes em que habitamos. A nossa capacidade de fazer isso parece ter começado com a produção e uso de ferramentas simples feitas de pedra, conhecidas como tecnologia Olduvaiense. Assim, concretiza, “o meu projeto investigará se e como essas ferramentas de pedra proporcionaram aos nossos antepassados hominíneos uma vantagem semelhante à que as ferramentas que fazemos hoje nos oferecem”. O investigador explica ainda que “ao conseguir fazer essa investigação, também se começará a identificar quando os nossos antepassados embarcaram no caminho para se tornarem quem somos hoje”.
Questionado sobre como pensa conseguir alcançar esses resultados, Jonathan Reeves refere que irá realizar prospeções arqueológicas em larga escala na área de Ledi Geraru, na Etiópia, que tem ocupações com 2,6 milhões de anos. “Este local é particularmente importante porque preserva, de forma notável, um registo do uso de ferramentas de pedra por hominíneos durante o início do Olduvaiense. Embora essas ferramentas já tenham sido amplamente estudadas em períodos mais recentes, como foram usadas no início deste período permanece pouco compreendido”. Segundo o investigador, este projeto ajudará a responder uma das perguntas mais importantes da humanidade sobre a nossa evolução: “Quando nos tornámos a espécie tecnológica que somos hoje?”
Para a concretização deste projeto, a equipa, que será liderada por Jonathan Reeves, recorrerá a uma variedade de métodos de arqueologia, paleoecologia, microscopia digital e ciência computacional.
“Esta bolsa ERC significa muito para mim, não só pelo que me poderá ajudar a alcançar cientificamente, mas também pela construção de uma carreira científica na área da evolução humana.” Além do seu contributo para a ciência, refere, “a bolsa ERC é uma oportunidade única para solidificar a minha carreira de investigação, assim como para estabelecer novas colaborações com investigadores na instituição anfitriã, a Universidade do Algarve”.
Quando e como os humanos desenvolveram a capacidade de fabricar e usar ferramentas de pedra afiadas (lascas)?
A incomparável capacidade de inovar e adquirir novos comportamentos é um marco da cultura humana. Esta capacidade permitiu ao ser humano expandir-se para quase todos os ambientes do planeta e construir o mundo cultural atual. Ao identificar as condições que impulsionam inovações, tanto em primatas humanos, como não humanos, poderá adquirir-se uma nova perspetiva sobre quando e como os humanos desenvolveram esta cultura única. O projeto de Elisa Bandini pretende responder a estas questões, identificando os catalisadores de um comportamento decisivo na nossa história evolutiva: a capacidade de fabricar e usar ferramentas de pedra afiadas. “O aparecimento intencional de lascas na linhagem humana marca a primeira divergência clara entre a tecnologia animal e a humana. Com ferramentas para aceder a calorias de alto valor, como as de carcaças de animais, os nossos primeiros antepassados humanos passaram a ter os recursos físicos e cognitivos necessários para começar a construir as bases da nossa cultura única”, refere a investigadora.
Este projeto usará uma abordagem de triangulação para seguir o aparecimento da lascagem da pedra em três espécies de primatas: chimpanzés selvagens e cativos, macacos-prego e macacos-japoneses. Para isso, explica, “o primeiro objetivo do projeto será definir as motivações e propensões básicas e espontâneas de manipulação de pedra nas três espécies, adotando e desenvolvendo ainda mais, de forma sistemática, métodos de codificação de vídeo com inteligência artificial”. O segundo objetivo envolverá a testagem de dois principais motores de inovação: exposição e experiência. “Um paradigma experimental, com controlos incorporados, grandes amostras e protocolos de testagem a longo prazo, será utilizado para avaliar empiricamente os papéis da exposição e da experiência no desenvolvimento de novos comportamentos de uso de ferramentas nas três espécies.” O último objetivo será comparar sistematicamente os conjuntos de pedras produzidos pelos primatas durante as experiências do objetivo dois, bem como de algumas das ferramentas de pedra mais antigas encontradas no registo arqueológico, permitindo inferir quando as capacidades cognitivas se diferenciaram entre humanos e outros primatas. “Ao testar três espécies, combinando e ampliando paradigmas experimentais e implementando ferramentas poderosas de modelação, o projeto liderado por Elisa Bandini irá melhorar radicalmente a compreensão das condições inerentes às inovações e, com isso, os iniciadores da cultura humana.”
Questionada sobre o impacto que a sua investigação poderá vir a ter na comunidade ou na vida das pessoas, a investigadora explica que, entre outos aspetos relacionados com a perspetiva evolutiva, “ao saber o que é necessário para que as inovações surjam, podemos estar melhor posicionados para criar as condições ideais para que estas inovações potencialmente críticas ocorram”. Elisa Bandini espera poder ajudar a compreender melhor como os humanos inovam em termos de comportamentos, especialmente aqueles que tiveram um impacto crítico na nossa trajetória evolutiva, diferenciando-nos de todas as outras espécies do reino animal.
Ciente de que a ERC Starting Grant é um passo importante na sua trajetória como investigadora em início de carreira, e, mais importante, como forma de poder criar o seu próprio grupo de investigação, Elisa Bandini elege ainda como fator primordial o prazer de orientar a próxima geração de investigadores. Por último, refere ainda, “o meu objetivo é também apoiar estudantes e investigadores de países em desenvolvimento, que tradicionalmente têm tido menos oportunidades de participar neste tipo de projetos de investigação e, ao fazê-lo, espero atrair cientistas brilhantes de todo o mundo para se juntarem à UAlg, ajudando a aumentar o perfil internacional e científico desta Universidade”.
Segundo o ERC foram atribuídas 494 Starting Grants a jovens cientistas e académicos de toda a Europa. Esta competição atraiu 3.474 propostas, que foram avaliadas por painéis de revisão por pares compostos por investigadores de renome internacional.
A ERC Starting Grant é atribuída por cinco anos a investigadores promissores, apoiando investigação de ponta em várias áreas, desde as ciências da vida e ciências físicas, até às ciências sociais e humanidades. O financiamento faz parte do programa Horizonte Europa da União Europeia e permitirá aos investigadores no início das suas carreiras lançar os seus próprios projetos, formar as suas equipas e perseguir as suas ideias mais promissoras.
UAlg