Homem das letras, das artes, da história, da cultura, nascido a 20 de setembro de 1933 na vila de São Bartolomeu de Messines, Teodomiro Cabrita Neto era tido como um dos mais prestigiados historiadores da temática regional que se dedicou em particular à história da cidade de Faro.
Teodomiro Neto foi historiador, dramaturgo, ensaísta, jornalista e professor, tendo ajudado à compreensão, valorização e defesa cultural desta região algarvia, não só nas suas dimensões histórica e artística, mas também social, política e económica.
Aos dezasseis anos, Teodomiro Neto foi para Faro completar estudos, onde trabalhava de dia e estudava à noite. Foi leitor na Aliança Francesa e explicador de várias matérias. Do contacto com Arnaldo Vilhena, médico intelectual e anti-salazarista, resulta em 1958 a oportunidade de começar a colaborar no semanário “O Algarve” como publicista.
Começou a escrever no jornal Folha do Domingo em 1992, a convite do seu falecido diretor, o cónego Clementino Pinto, tendo colaborado até ficado mais fragilizado há cerca de dois anos. Escreveu em diversos outros órgãos de imprensa, entre os quais o “Correio do Sul”, o “Jornal do Algarve”, o “Diário de Notícias” (1975), o “Barlavento” (1977), o “Jornal de Letras”, o “Olhanense” ou o messinense “Terra Ruiva” (2002).
Alvo da Comissão de Censura porque o que escrevia não agradava ao Antigo Regime, viu-se obrigado a deixar o país em 1962. Aventurou-se na Europa fervilhante da Cultura e das Artes, tendo visto acolhida, reconhecida e valorizada a sua dimensão intelectual. Iniciou um longo percurso de estudo e de trabalho em diversas cidades europeias e também do Norte de África como Géneve, Paris, Lyon, Saint-Étienne, Bruxelas, Siracusa, Varsóvia, Tunis. Exerceu diferentes profissões, licenciou-se em História e doutorou-se em História Política Europeia.
Nos contactos profissionais e de amizade estabelecidos teve oportunidade de privar com personalidades como o poeta Pablo Neruda, as irmãs Beauvoir, o comediante e encenador Jean Dasté ou os pintores Pablo Picasso e Carlos Porfírio.
Em França desenvolveu atividade literária e jornalística, escrevendo para os jornais “La Gazette de Genéve”, “L’Espoir” e “Aujourd’hui”. Publicou, também em língua francesa, os seus primeiros livros: “Les Noces de Manolo”, “La Nuit de Marie Dumas”, “Poèmes de Marbre” e a biografia de “Jules Massenet”.
Em 1974 regressou a Portugal, mas a sua carreira e o reconhecimento profissional chamaram-no de volta às universidades e consequentemente a França, onde lecionou até à jubilação, com a sua vida dividida então entre Faro e Saint-Étienne. Com esta sua região compartilhou todo esse saber, esse património cultural que adquiriu por essa Europa fora.
Para além da parceria intensa com a imprensa nacional e regional, este período ficou ainda marcado pela colaboração assídua com os Anais do Município de Faro entre 1977 e 2009 e pela publicação de cerca de três dezenas de obras em português e francês, algumas com traduções para inglês e alemão.
Entre elas contam-se, por exemplo, “O Último Concerto de Maria Campina” (1988), “Carlos Porfírio na pintura contemporânea algarvia” (1992), “Café Aliança – Sua História – Suas Fotografias” (1995) (reeditado em 2008 no centenário daquele espaço de forma mais completa com o título “Café Aliança – 1908-2008 – Um século de história da cidade”). Escreveu também “Faro no Verbo Amar” (1998), “Teatro na História do Algarve” (2007), “Faro: Romana, Árabe e Cristã” (2009), “O Futurismo Oficializou-se em Faro com o Heraldo” (2010), “As tentações de Maria Lua” (2011) ou “Cidade Monumental” (2012).
O seu nome está ligado igualmente ao teatro pela encenação de várias das suas obras como “La Nuit de Marie Dumas” (1970) ou “Appassionata”. Mas também pela colaboração com o grupo messinense “Penedo Grande”. A representação da peça “Vitória das Amendoeiras”, no Castelo de Silves, em 1994, foi o primeiro grande trabalho conjunto. Seguiu-se “O Processo do Guerrilheiro” (1999 e reposição em 2006).
O seu talento e ação realizada foram reconhecidos através da atribuição de vários prémios como o Prémio Nacional do Teatro, o Prémio de Imprensa Samuel Gacon, o Prémio Infante D. Henrique, o Prémio Internacional de Imprensa ou o Prix Antoine Guichard.
Em 1993 foi agraciado pela Câmara de Faro com a Medalha de Mérito – Grau Ouro.
A Junta de Freguesia de São Bartolomeu de Messines distinguiu-o em 2009, juntamente com outras 22 personalidades, na exposição “Notáveis Messinenses: Vivências e Contributos”. Em 2019, a aquela autarquia homenageou-o com a atribuição do seu nome a uma rua da vila. Aquela terra deve-lhe ainda o impulso para a constituição da Casa Museu João de Deus e a doação de parte da sua biblioteca particular.
Já jubilado, Teodomiro Neto continuou a desenvolver a sua atividade enquanto jornalista, historiador, escritor. Realizou palestras e conferências em diversas instituições, tanto nacionais como internacionais. O seu saber continuou a ser solicitado e aproveitado além-fronteiras.
No Algarve ajudou a região a admirar, mas sobretudo a reconhecer os nomes maiores da sua cultura algarvia como António Ramos Rosa, Ataíde Oliveira, Cândido Guerreiro, Carlos Porfírio, Emiliano da Costa, Emílio Coroa, Francisco Gomes do Avelar, João Lúcio, Joaquim José Rasquinho, Justino Cúmano, Manuel Martins, Maria Campina, Mário Lyster Franco, entre muitos outros.
Mas também lhe deu a conhecer personalidades como as irmãs Beauvoir, Marguerite Yourcenar ou Armand Guibert, entidades que passaram por Faro, algumas mercê da movimentação de refugiados da Segunda Guerra Mundial, e que abriram portas as tantas outras que se lhes seguiram.
Enorme defensor do Património, Teodomiro Neto foi uma personalidade que estudou o passado para ajudar a entender o presente e a projetar o futuro. Exemplo dessa sua visão futurista foi a determinação com que defendeu a criação da Universidade do Algarve com dezenas de entrevistas publicadas sobre o tema no “Jornal do Algarve”, a mesma com que sugeriu a criação de um Museu da Imprensa em Faro, cidade-berço em Portugal da invenção de Gutenberg ali recriada pelo judeu Samuel Gacon, que nos últimos anos tem conhecido alguns passos no sentido da sua concretização.
Teodomiro Neto era casado e pai de três filhos e avô de quatro netos. À família enlutada, o jornal Folha do Domingo apresenta as suas sentidas condolências pelo falecimento do seu ente querido.
O funeral de Teodomiro Neto será realizado na próxima sexta-feira, 14 de novembro, pelas 10h30, na igreja nova de São Luís de Faro e o corpo será sepultado no Cemitério Novo da cidade.
Folha do Domingo




