Nasceu em Loulé e cresceu em Faro, de onde é natural. A sua família, Sousa Uva, é de São Brás de Alportel. Com uma forte ligação ao Algarve, o treinador da conhecida atleta Patrícia Mamona conta ao nosso jornal como nasceu o seu gosto pelo desporto, como é a sua relação com a atleta e como sentiu a sua vitória nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020.

Voz do Algarve (VA) - Fale-me sobre o seu percurso profissional.

José Sousa Uva (JSU)- O meu percurso profissional iniciou-se como professor de educação física, na Universidade do Porto, onde mantenho essa função e continuo a dar aulas. Como fui atleta da modalidade de atletismo, sempre tive gosto em explorar as questões do treino, então especializei-me em treino de atletismo. Quando comecei a lecionar, fui treinador de equipas de desporto escolar, dentro da escola de atletismo. Depois, cheguei a dar aulas em Quarteira e Faro (2 anos), mas depois fui para Lisboa e foi também nessa altura que me casei.

Na zona de Massamá, havia um clube, o JOMA - Clube da Juventude Operária de Monte Abrão, e eu fui até lá oferecer serviços como treinador jovem e acabei por ficar lá 14 anos. Fizemos lá, juntamente com a equipa técnica, um trabalho de captação de atletas da equipa de Sintra, que é um dos sítios onde há os melhores valores a nível nacional. Captámos jovens com bastantes aptidões, onde estava também a Patrícia Mamona.

Treinei todas as especialidades do atletismo na formação de jovens. Ensinei velocidade, lançamento, saltos, resistência, barreiras, entre outros. O grupo foi-se estreitando (uns saíram, outros foram para outros treinadores), e eu fui ficando com a área dos saltos, sempre ao lado da Patrícia, que passou de uma jovem promessa para uma sénior com qualidade e foi sempre melhorando.

V.A. - Quando começou o seu gosto pelo desporto?

JSU- O gosto pelo desporto vem desde jovem. O meu pai foi treinador de futebol no Algarve e incutiu-me o gosto pelo desporto. Como não era muito bom a futebol, procurei outras alternativas e escolhi o atletismo. Isso fez-me querer saber mais sobre este desporto.

Na faculdade experimentei um pouco de todos os desportos, entre eles a natação, o voleibol e o basquetebol.

Para além do atletismo, gosto de seguir como espectador o futebol. Além deste, gosto muito do voleibol e são atletas até parecidos com os do atletismo: precisam de saltar muito alto e ter muita coordenação.

V.A. - Enquanto treinador, quais são os ideais em que acredita? Li numa entrevista que quer “formar seres humanos e atletas” e “levá-los a descobrir e ultrapassar os seus limites”. Quer explicar o que isto significa?

JSU- Não faz sentido fazer bons atletas, se não quisermos primeiro fazer boas pessoas. Para ser bom atleta, não é preciso ser boa pessoa, mas ajuda muito. Aprendemos todos muito uns com os outros e o caminho sozinho é muito mais difícil. A verdade é que se formos boas pessoas, conseguimos aprender mais rápido.

Há bons atletas que não são boas pessoas, mas o mais importante da vida é ser-se boa pessoa.

Quantos atletas treina atualmente?

JSU- Atualmente treino seis atletas. A Patrícia Mamona e mais cinco jovens promessas.

Que tipo de relação tenta construir com os atletas?

JSU- A relação que tenho com eles é a relação de professor e aluno. Mas é uma relação onde o professor é muito próximo dos alunos. Este é um desporto individual e a maneira como tento influenciá-los é dando boas dicas, puxando por eles, mas sobretudo, dando o exemplo. Não acredito em pessoas que dizem uma coisa e fazem outra. Acredito que a melhor maneira para ensinar jovens é dando o exemplo. Se quero que eles tenham garra, eu tenho de ser o primeiro a ter garra. Os jovens seguem muito mais os exemplos dos adultos do que as suas palavras.

Eu procuro ser o mais próximo possível de forma a ajudá-los na sua vida desportiva. Só se eles quiserem é que ajudo na vida pessoal. Como somos tão próximos nos treinos, a distância é necessária para não ficarmos próximos demais, porque eu sou o treinador e não quero assumir o papel de pai ou mãe. Ser treinador às vezes significa ser duro e eles não podem confundir isso e pensar que estou a ser um mau amigo. Contudo, às vezes eu vejo que eles precisam e posso facilitar o contacto, mas deixo que eles tomem a iniciativa.

 

“Não faz sentido fazer bons atletas, se não quisermos primeiro fazer boas pessoas.”

 

V.A. - É inevitável falarmos da Patrícia Mamona. Como “descobriu” esta atleta e há quanto tempo é o seu treinador?

JSU- Eu treino a Patrícia há 20 anos. Veio treinar comigo quanto tinha 12 anos. Descobri a Patrícia numa escola do Cacém, onde ela ganhou um corta-mato escolar.

Tínhamos uma boa relação com o professor de Educação Física dela, que nos convidou para ir observar o corta-mato, uma vez que estávamos sempre à procura de novos talentos. No final, convidei, não só a Patrícia, mas mais dois ou três miúdos que se destacaram para ingressar no JOMA. Com o tempo, foi a Patrícia que foi ganhando uma posição mais de topo.

Os treinadores são bastantes cautelosos na escolha dos jovens atletas. Nós vemos talento em muitos, mas isso não é a garantia de nada. Temos de trabalhar o talento, os atletas têm de se esforçar e muitos não querem. Quando o nível começa a ficar elevado, é preciso prescindir de algumas coisas, como as saídas com os amigos e adiar a faculdade ou fazê-la em mais tempo e, às vezes, as famílias também não querem isso.

V.A. - Como é que reagiu à vitória da atleta, quando esta venceu a medalha de prata no triplo salto nos Jogos Olímpicos Tóquio 2020? O que lhe disse depois?

JSU- Aquele dia foi de sonho para nós os dois. Nós tínhamos como objetivo melhorar o sexto lugar que ela tinha obtido no Rio de Janeiro e saltar mais longe (que era o recorde nacional). Além disso, queríamos fazer mais de 15 metros e ganhar uma medalha olímpica e aconteceu tudo naquele dia.

Eu dei-lhe um abraço e eu fiz um esforço imenso para não chorar. Vimos ali naquele dia o sonho das nossas vidas desportivas se realizar. Mas é claro, isso já passou, agora já sonhamos mais alto. Agora queremos participar nos Jogos Olímpicos de Paris e saltar mais do que já fizemos. A Patrícia se um dia conseguir saltar 15,20, fica a ser, dentro das 10 melhores atletas da história mundial, a que saltou mais.

V.A. - Sente o apoio e o orgulho dos algarvios em ter um conterrâneo que chegou tão longe (e chegará mais) na carreira? Costumam dizer-lhe algo quando vai na rua ou perguntar-lhe?

JSU- Isto de ser treinador é mesmo assim. Quem tem o impacto de tudo é a Patrícia Mamona, porque ela é que a atleta. Eu sou só uma ajuda. Sinto o apoio dos meus amigos, dos meus pais, entre outras pessoas.

Vou cerca de três a quatro vezes por ano aos fins de semana ao Algarve e as pessoas que conhecem os meus familiares ou a mim, dão-me os parabéns, claro. Mas isso de ser abordado na rua é para a artista, a Patrícia, não para mim.

V.A. - O facto de ser uma figura conhecida, poderá ter influenciado a que mais jovens no Algarve começassem a praticar desporto?

JSU- Eu já não estou no Algarve há muito tempo, sai da região com 18 anos. Espero que o exemplo da Patrícia e o foco que tenho dado nas redes sociais aos algarvios, sirva para alguma coisa. Se influencia, não sei. Tenho orgulho de ser algarvio e farense. Nós esperamos sempre que os nossos atos influenciem as pessoas de forma positiva.

V.A. - Para terminar, o que diria a um jovem que tem o sonho de seguir um desporto? Nem sempre é financeiramente estável e existe sempre o medo de falhar…

JSU- Diria para não desistir. Aconselha o jovem praticar vários desportos e descobrir o que gosta mais e depois trabalhar muito. Dá para conciliar com os estudos e com o trabalho e prescindir de coisas que não fazem falta.

Quando os jovens vão para a faculdade, terminam a sua prática desportiva, por norma. Eu digo sempre que é nessa altura que devem apostar mais no desporto. É preciso é gerir-se bem o tempo.

 

Por: Filipe Vilhena