Por Luís Pina | Licenciado em Acessoria de Administração | aragaopina59@gmail.com

Segundo todos os dados disponíveis, estamos na presença do relojoeiro que em Portugal exerce a sua profissão há mais anos consecutivos. Acresce o facto de fazer parte daquelas profissões “em vias de extinção”, em que se começava como aprendiz e dedicava, com paixão, por toda uma vida. Do tempo em que os bens eram concebidos para durar uma vida e compensava consertá-los pela sua qualidade e durabilidade. Tendo esses tempos dado lugar ao descartável e a interesses comerciais, resta-nos tentar recuperar e tentar preservar memórias do maior número possível desses trabalhos manufaturados e desses ofícios junto dos poucos que ainda estão entre nós e a eles se dedicam. É o caso de José João dos Santos Guerreiro, que Vila Real de Santo António viu nascer num dia 20 de junho do ano de 1953, tendo todavia escolhido Loulé para viver e trabalhar. Atualmente, tem discreta, mas acolhedora e funcional oficina na Rua Bocage, na zona histórica da cidade.

 

VA- Como começou, e com quem começou?

JG - Comecei no ano de 1966, ou seja, há já uns bons 56 anos. Bem me lembro, com a particularidade de ter acontecido no ano do célebre Mundial de Futebol de 1966. Tanto quanto julgo saber, não há em Portugal outro caso idêntico, ou quem trabalhe tantos anos seguidos de forma ininterrupta no mesmo ofício, neste caso na relojoaria;

 

VA - Esta profissão foi um “acaso” na sua vida, ou uma paixão?

JG - Eu diria que nem uma coisa nem outra. Aprendi mais por necessidade e na altura teve de ser o mais rápido possível e bem porque era a única forma de corresponder à exigência do meu pai, mestre no ofício. Não foi uma paixão logo de início mas acabou por sê-la com o passar do tempo.

 

VA - Facilmente se imagina a complexidade dos processos de funcionamento dessa máquina maravilhosa e tão útil que é o relógio. Ele comanda aliás as nossas vidas, sejam elas mais ou menos activas. Diga-nos, por exemplo, qual a “pecinha” mais delicada e difícil de trabalhar?

JG - A máquina de um relógio é, em termos conceptuais, uma das maravilhas da criatividade humana. O valor ou mesmo a excelência do conjunto vale pela qualidade e funcionalidade de cada peça, cada “engrenagem”, sendo que umas, como em tudo, são mais delicadas e difíceis de trabalhar. No que respeita ao meu trabalho destaco o cabelo e a âncora.

 

VA - Ainda vai tendo clientela que a si recorre para recuperação ou manutenção das suas relíquias?

JG - Sim, ainda aparecem, e não tão poucos como isso, apesar do critério do descartável também se ter instalado no mundo da relojoaria há já bastante tempo. Ainda há quem goste de usar um modelo mais clássico ou tradicional e até, imagine-se, os “míticos” relógios de bolso! Há verdadeiros amantes da relojoaria de qualidade e os que, por herança ou capacidade económica suficiente tiveram acesso a marcas de grande prestígio e que me têm passado pelas mãos como Cartier, Omega, Tissot, Rolex, Zenith, Longines, Tag Heuer, Carrera, Breitling, Patek Philippe, IWC, Seiko, entre outras de alta gama. Aliás, o prestígio e a qualidade sempre prevaleceram no meu trabalho. 

 

VA - Um dia que termine, que destino terá todo o espólio que aqui podemos ver, certamente objecto de curiosidade, de estudo e até de formação?

JG - Para já não tenho grandes planos em relação a isso, pois ainda me vejo a atender a esta paixão por algum tempo. No tempo próprio logo decidirei: Talvez vender para o museu de um particular, ou unidade museológica interessada. O tempo dirá.