Coordenador técnico do Andebol da CCL
O andebol tem vindo a ganhar destaque na região do Algarve, e a Casa da Cultura de Loulé (CCL) desempenha um papel fundamental nesse crescimento. Desde a sua fundação, a secção de andebol do clube tem apostado na formação de jovens atletas, promovendo a modalidade e consolidando a sua presença a nível regional e nacional. Para entender melhor a história e os desafios do projeto, conversamos com Fábio Dias, coordenador técnico do andebol da CCL, treinador e antigo jogador da modalidade.
Fábio Dias é um profissional dedicado ao andebol, com um percurso sólido tanto como jogador quanto como treinador. Natural de Vila Verde de Ficalho, uma aldeia no concelho de Serpa, Alentejo, vive no Algarve há quase 11 anos. A sua formação abrange as áreas de gestão desportiva e gestão de empresas, sendo atualmente sócio de uma pequena empresa. Além disso, exerce funções como técnico das AECs, contribuindo para a presença do andebol nas escolas, e dedica grande parte do seu tempo ao desenvolvimento da modalidade na Casa da Cultura de Loulé (CCL).
Iniciou-se no andebol aos 11 anos no CCP Serpa, onde jogou até aos 29. Durante esse período, representou também clubes no Ribatejo, onde estudou durante três anos, em Lisboa, onde viveu por igual período, e no Algarve. Aos 17 anos, iniciou a carreira de treinador num projeto de andebol feminino na sua terra natal, mantendo desde então uma ligação constante à modalidade. Treinou diversos clubes ao longo dos anos, até integrar a CCL em 2015, assumindo o comando da equipa de Infantis Masculinos. Desde então, acompanhou este grupo até à criação dos seniores, equipa que treina pela quarta época consecutiva. Atualmente, acumula esta função com o comando técnico do escalão de sub-14 e a coordenação técnica do clube. É técnico de andebol Grau 3 e um dos principais impulsionadores do crescimento do andebol na região.
 
A Voz do Algarve - Como surgiu a ideia de criar a secção de andebol na Casa da Cultura de Loulé?
Fábio Dias - O criador da secção foi Élio Pelica (atual Coordenador da Secção). Ele teve o primeiro contacto com o andebol através do desporto escolar e rapidamente se apaixonou pela modalidade. Alguns anos depois, já como funcionário da CCL, a direção considerou interessante criar uma nova modalidade desportiva que ainda não tivesse representação na cidade. O Élio propôs que fosse o andebol, fundando assim a secção em 2011 e iniciando a competição federada em 2013.
Mais tarde, juntou-se ao projeto Bruno Fantasia (atual diretor e dirigente dos seniores), um antigo jogador e treinador de futebol que, desiludido com essa modalidade, decidiu experimentar o andebol. Juntos, conseguiram formar dois grupos de atletas com um número bastante significativo, mas sentiram a necessidade de contar com técnicos com maior experiência na modalidade. Foi nesse contexto que, em 2015, eu e Nuno Martins (técnico que esteve no clube até à época passada) nos juntámos à CCL. Iniciámos, então, um trabalho a quatro que permitiu construir um crescimento sustentável, assente nos escalões de base (Bambis e Minis), estabelecendo assim as bases para o desenvolvimento da secção.
 
V.A: Como funciona a secção de andebol dentro da Casa da Cultura de Loulé? Que autonomia tem na sua gestão e tomada de decisões?
F.D: A Secção é gerida por uma “comissão administrativa” que tem autonomia total na gestão que faz da secção. Financeiramente, somos também independentes, sendo responsáveis por garantir os fundos necessários para a nossa atividade e por os gerir.
 
V.A: Têm tido uma forte aposta na formação. Quais são os principais objetivos do vosso projeto formativo?
F.D: A base de qualquer projeto desportivo amador, a meu ver, tem de ser a formação e o nosso projeto não foge a esta máxima. Tivemos um crescimento muito grande a nível de atletas no ano pré-Covid, quando iniciamos um projeto que consistia em ter 2 núcleos de minis e bâmbis (sub12 e sub10), um com sede na Escola Padre Cabanita e outro na Escola Duarte Pacheco. Começámos a época 2019/20 com 10 atletas nesses escalões e, quando a atividade parou, em março, tínhamos 47. Infelizmente, com o Covid, perdemos os horários de treino que tínhamos na Cabanita e, até hoje, não os conseguimos recuperar. Dito isto, os grandes objetivos para os próximos anos passam por voltar a ter 2 núcleos nesses escalões, um em cada sede dos agrupamentos de escolas da cidade, fortalecer a captação no escalão de sub8 e iniciar a atividade no baby andebol (sub6), para que possamos garantir que temos, pelo menos, 10 atletas masculinos por ano de nascimento. Além disso, é fundamental consolidar o projeto a nível feminino. Temos neste momento os escalões de sub14 e sub16 femininos, mas o número de atletas é inferior ao desejado, especialmente nos sub10 e sub12 (escalões em que femininos e masculinos treinam e competem em conjunto), onde o número de meninas tem mesmo de crescer. Depois, é fundamental engordar nossa estrutura técnica e qualificá-la mais, para conseguirmos pensar em ter resultados nos escalões de sub16 e sub18, tanto coletivos como individuais, voltando a colocar os nossos atletas na rota dos grandes clubes nacionais.
 
V.A: Como é feita a captação de jovens para a prática do andebol?
F.D: Fazemos aulas demonstrativas nas escolas, procuramos passar por todas as turmas de todas as escolas do concelho, todos os anos letivos, mas, por falta de recursos humanos e também por alguma resistência de algumas escolas que demoram a nos responder, não temos conseguido atingir este objetivo. Tentamos também fazer atividades junto dos ATLs da cidade, mas também aqui não temos conseguido chegar a todos e estou nas AECs, no entanto, um técnico apenas consegue ter contacto com 5 turmas, o que é pouco; necessitávamos de aumentar o número de técnicos nas AECs. Para além disto, temos apostado bastante no marketing, com uma forte aposta nas redes sociais, mas também com a colocação de lonas nas ruas e nos eventos da cidade.
 
V.A: Quantas equipas praticam andebol e quais as faixas etárias abrangidas, quer masculinos quer femininos?
F.D: No feminino, temos os escalões de sub14 e sub16, e os escalões de sub12 para baixo são mistos, pelo que podemos dizer que temos oferta para todas as meninas com 15 ou menos anos de idade. No masculino, temos todos os escalões, com exceção dos sub18, onde, por falta de atletas, tivemos de optar por não competir esta época, mas contamos voltar a ter este escalão na próxima época. Temos, portanto, um total de 8 equipas em competição, número que deverá crescer para 9 na próxima época, com a adição dos sub18 M.
 
V.A: O clube tem planos para expandir a sua presença em mais escalões femininos?
F.D: A curto prazo, parece-me difícil. As atletas que sobem a sub18 na próxima época são poucas e a falta de espaços de treino condiciona-nos bastante nesse crescimento. No entanto, o objetivo a médio prazo tem de passar por aí. Não faria sentido investirmos recursos nos escalões femininos se não tivéssemos a ambição de dar às miúdas que formamos a opção de continuar a praticar a modalidade.
 
V.A: De que forma o andebol contribui para o desenvolvimento pessoal e social dos jovens atletas?
F.D: O Andebol é uma modalidade em que a união e a solidariedade entre os colegas de equipa são fundamentais para o sucesso coletivo. É também um desporto que, nos escalões de base, até aos sub14, procura tirar a competitividade extrema da modalidade e focar-se na formação equitativa de todos os atletas, condenando aquilo a que chamamos no meio de “competitivite”, que faz com que só joguem os melhores, em detrimento de obter resultados coletivos, fomentando ao máximo o foco na formação individual de cada atleta. São também muito comuns os exemplos de desportivismo em jogos de andebol.
Concluindo, o Andebol é um desporto, por vezes, muito duro, mas muito leal, com um enorme sentido de fair play e que se foca na formação do atleta enquanto jogador, mas também enquanto pessoa, condenando completamente comportamentos de treinadores e pais que se veem regularmente noutras modalidades com mais mediatismo. Para além disso, os clubes muitas vezes são “famílias”; muitas vezes recebemos miúdos que foram “mal tratados” em outras modalidades, porque tinham menos jeito. Aqui, recebemos todos bem, procuramos ser exigentes, mas ao mesmo tempo acolher todos de igual forma na nossa “família”.
 
V.A: Existem parcerias com escolas ou outras instituições para apoiar os jovens no equilíbrio entre o desporto e os estudos?
F.D: Infelizmente, não temos ainda nenhuma solução nesse sentido. A nível das escolas, seria necessário mudar muito as mentalidades de quem as lidera. O sucesso do desporto noutros países está alicerçado nessa abertura das escolas para criarem soluções que possibilitem aos alunos melhorar o seu empenho desportivo sem prejudicar o desempenho escolar, mas em Portugal ainda são muito raros os exemplos dessa prática. Felizmente, temos um exemplo bem próximo, em Lagoa. Os atletas que praticam Andebol (e provavelmente outras modalidades) têm um estatuto que lhes permite ter uma série de privilégios para que não tenham de faltar a jogos e treinos para estudar, o que é um fator que contribui para que o Lagoa AC seja, atualmente, uma das maiores referências nacionais no Andebol de formação.
Ainda assim, um dos nossos objetivos para os próximos anos passa por estreitar relações com as 2 escolas básicas da cidade, principalmente com a Duarte Pacheco, visto que é no pavilhão desta escola que treinamos, e acreditamos que uma parceria entre clube e escola poderia ser muito benéfica para ambas as partes.
 
V.A: Onde realizam os treinos e em que campos se disputam os jogos?
F.D: Os treinos são quase exclusivamente no pavilhão da Duarte Pacheco, com exceção de 2 horários, das 18h30 às 20h, que temos no Pavilhão Municipal. Já os jogos, na condição de visitado, são realizados, sempre que possível, no Pavilhão Municipal de Loulé. Quando este não está disponível, jogamos no Desportivo de Boliqueime ou no pavilhão da Escola D. Dinis em Quarteira. O pavilhão onde treinamos não pode receber jogos, já que não tem as condições necessárias, desde logo porque o terreno de jogo não tem os 40x20 metros regulamentares.
Sobre este assunto, gostaria de manifestar aqui uma preocupação: neste momento, temos a nossa equipa de seniores a fazer uma campanha notável na 3ª divisão nacional, com 11 vitórias em 12 jogos, o que já garante a passagem à fase de subidas e o 1º lugar na série E da 1ª fase do campeonato. E esta equipa faz todos os treinos num pavilhão que tem menos 5 metros de comprimento e 2 de largura, o que condiciona e muito o desempenho em jogos. Nos próximos meses, queremos lutar para subir à 2ª divisão nacional, mas esta condicionante nos treinos limita bastante o nosso trabalho. Temos tentado pedir a compreensão da Câmara Municipal a fim de nos encontrar soluções para que façamos pelo menos 1 treino semanal num pavilhão com medidas regulamentares, seja ele qual for, e neste momento existem pelo menos 4 no concelho com essas condições. No entanto, estas tentativas têm sido ignoradas por parte da CML.
 
V.A: Desde a primeira participação nas competições regionais em 2012/2013, como tem sido a evolução da equipa?
F.D: Nessa altura, o clube tinha apenas uma equipa em competição e a iniciar a prática. Foi necessário criar os escalões de base, captar atletas, treinadores e dirigentes, conseguir criar estrutura para suportar o aumento do número de atletas e escalões. Tudo isto foi e continua a ser um enorme desafio, mas creio que conseguimos ir fazendo as coisas de forma sustentada, sem nunca arriscar demasiado a nível financeiro, sempre cientes da nossa realidade. Como disse, neste momento temos 8 equipas em competição, para o ano serão 9 e daqui a 2 ou 3 anos terão de ser 10. Temos atualmente cerca de 120 atletas; daqui a 2 ou 3 anos teremos de ser 150, mas também teremos de ter mais dirigentes, mais pessoas para fazer mesa nos jogos, mais diretores de campo, mais treinadores, mais espaços de treino. Sem isso, de pouco nos vale ter mais escalões e mais atletas.
Foi assim que pautamos estes 12 anos, assumindo o risco de procurar mais atletas, de ter mais escalões, mas sempre com os pés assentes na terra e com a noção de qu

e a estrutura tem de acompanhar o crescimento desportivo. Se não, as coisas um dia vão correr mal.
Pelo caminho, conseguimos alguns resultados interessantes: fomos 16º nacionais e a melhor equipa do Algarve no Nacional de Infantis de 2017, estivemos entre as 12 melhores equipas nacionais nos Iniciados em 2019, conseguimos colocar atletas com regularidade nas seleções regionais, conseguimos proporcionar a 1 atleta a possibilidade de se transferir para o SL Benfica e ser campeão nacional de sub18, conseguimos iniciar os escalões femininos, conseguimos criar a equipa de seniores, colocá-la sempre na fase de subida da 3ª divisão nacional, conseguimos ter o pavilhão cheio de jovens atletas a vibrar apaixonadamente com os jogos dos seniores, conseguimos ter todos os escalões masculinos e conseguimos criar uma comissão administrativa compost
a por pessoas super dedicadas e super válidas.
 
V.A: Quais são os objetivos para a presente época desportiva?
F.D: Dividiria estes objetivos em três pontos. Primeiro, a nível de estrutura, conseguimos no início da época criar uma “comissão administrativa” (até aqui o clube era gerido por nós, treinadores e dirigentes, de forma muito informal e com a maioria das responsabilidades a caírem sobre o Élio), e definimos que este seria o ano zero desta nova fase do clube. As coisas estão a correr bem, mas queremos mesmo arrancar a próxima época com a “casa organizada” e poder começar com melhores condições em todos os níveis: desportivo, financeiro e administrativo.
Em segundo lugar, a nível da formação, queremos aumentar o número de atletas nascidos após 2013. Temos uma excelente geração de 2013, quer em número, quer em potencial, mas abaixo desse escalão o número de atletas é bastante mais reduzido. Necessitamos que casos como a geração de 2013, e que já tinham acontecido com a geração de 2003, não sejam uma exceção que acontece de 10 em 10 anos, mas sim a regra que aconteça quase todos os anos. Neste ponto, é também um objetivo claro aumentar o número de atletas femininas nascidas após 2011 para aumentar o grupo das atuais sub14 e garantir a sua sucessão.
Por fim, a nível competitivo, queremos ter os seniores a lutar pela subida à 2ª divisão nacional. Temos um excelente grupo, que tem conseguido entusiasmar toda a comunidade ligada ao clube, e é preciso levar este entusiasmo até ao fim. Fizemos uma boa campanha até aqui, mas na fase de subida tudo começa do zero: são 10 jogos, 6 equipas, e só sobem de divisão 2 dessas equipas. Nós temos, pelo menos, de estar envolvidos na luta por essas 2 vagas. Também era importante que os sub16 se qualificassem para a fase nacional, e esse objetivo já foi assegurado.
 
V.A: Quais são as ambições a médio e longo prazo para o crescimento do andebol em Loulé?
F.D: Pretendemos consolidar o projeto da base, iniciar a formação logo nos sub6, ter 2 núcleos de sub8, sub10 e sub12, o que levará a que consigamos ter pelo menos 10 atletas por ano de nascimento até aos sub14, e conseguir reter pelo menos 7/8 desses atletas a partir daí. Queremos conseguir completar o ciclo de escalões também no feminino e tornarmo-nos numa das referências do Andebol Algarvio nos 2 géneros. Isso levará a que, a médio prazo, consigamos colocar e estabilizar os sub18 M na 1ª Divisão Nacional e os seniores na 2ª Divisão Nacional, com uma equipa alicerçada em jogadores formados no nosso clube. Queremos também continuar a ver atletas formados no nosso clube chegarem aos “grandes” do andebol nacional e até,  quem sabe,  às seleções nacionais. Depois, fazer o mesmo percurso no feminino também.
 
V.A: Como está organizada a equipa técnica e qual o papel dos treinadores no desenvolvimento dos atletas?
F.D: As equipas técnicas de cada escalão são constituídas por 1 Treinador Principal, um Adjunto e um Dirigente. Infelizmente, ainda temos vários treinadores a acumular funções em vários escalões, o que lhes acaba por tirar o foco. Também necessitamos que os treinadores que temos, alguns deles muito jovens, apostem na sua formação e tragam mais treinadores qualificados para o clube. Melhorar este aspeto será fundamental para conseguir os nossos objetivos, que estão alicerçados não só na quantidade de atletas, mas principalmente na qualidade da formação que lhes damos. E aí, o papel do treinador é um fator decisivo, obviamente.
 
V.A: Como avalia a competitividade do andebol a nível regional e nacional?
F.D: A nível regional, infelizmente, estamos numa fase de domínio total na formação do Lagoa nos masculinos e da Gil Eanes nos femininos. São dois clubes que trabalham muito bem e que são referência a nível nacional, lutando e conquistando até alguns títulos a nível nacional. Depois, existe um grande fosso para os outros clubes. Felizmente, surgiram nos últimos anos projetos como o nosso, o AC Olhão e o CAUTCHU de Odemira, que têm trazido uma nova vida ao andebol do Algarve e Baixo Alentejo, mas é preciso que estes e outros clubes com mais h

 
istória na modalidade consigam seguir o exemplo de Lagoa e Gil Eanes e que nivelem as coisas por cima.
A nível nacional, estamos a passar, provavelmente, a melhor fase de sempre, com o resultado histórico da seleção masculina no último Mundial, com o Sporting a dar cartas na Liga dos Campeões e a seleção feminina presente no último Europeu, o que já não acontecia há alguns anos. Vamos ver se a modalidade e os clubes pequenos conseguem tirar os devidos dividendos deste “mediatismo” superior ao normal para aumentar o número de praticantes.
 
V.A: Com que apoios contam para desenvolver a modalidade no concelho de Loulé?
F.D: Felizmente, com a criação da comissão administrativa, esta época, conseguimos chegar de forma mais assertiva ao patrocínio privado e, neste momento, já contamos com algumas dezenas de patrocinadores privados, não só a nível monetário, mas também na utilização do Gymnasium e de serviços de fisioterapia locais, por exemplo.
Para além disso, contamos também com o apoio das juntas de freguesia da cidade, mas o grande alicerce continua a ser o apoio da Câmara Municipal de Loulé (CML), a nível monetário, de cedência de espaços e de transportes, sem o qual seria impossível mantermos a nossa atividade.
 
Por Nathalie Dias