Nuno Guerreiro é louletano, mas o seu nome já ultrapassou fronteiras. Começou a cantar cedo, há cerca de 30 anos, e foi cedo que ganhou destaque junto da comunidade portuguesa. É conhecido por ser vocalista da «Ala dos Namorados» e tem uma carreira cheia de sucessos. Nesta entrevista, fala-nos do seu novo disco «Na Hora Certa» e conta-nos os motivos que o levaram a voltar para o Algarve.

A Voz do Algarve (V.A.) - “Na Hora Certa” é o seu novo disco. O que podemos saber mais sobre este trabalho?

Nuno Guerreiro (N.G.) - Posso começar por dizer que o “Na Hora Certa” é um disco muito desejado, porque eu me queria ouvir de uma forma diferente do que o público estava habituado. Este não foi um trabalho feito durante a pandemia, como muita gente acha, mas sim um disco que estava praticamente gravado antes da covid-19. Nesse período, de paragem obrigatória, tive vários momentos de questionamento e até ansiedade, porque não sabia o que iria acontecer. Este trabalho fala muito da minha vida e do meu percurso. Penso que o Nuno Guerreiro sempre esteve presente nos discos, apesar de todas as mudanças que foram ocorrendo. Costumo dizer que estamos em contante mutação e evolução. No disco “Na Hora Certa”, vamos sentir uma transparência e autenticidade, maturidade e paz. Foi isso que tentei encontrar neste trabalho: simplicidade e paz. 

 

V.A. - Sendo, portanto, um trabalho especial, acredito que as pessoas que participam no projeto sejam também elas especiais… Quem são estes nomes?

N.G. - As letras são do Tiago Torres da Silva, os arranjos e guitarra do Pedro Joia e temos ainda o algarvio João Frade no acordeão, Norton Daiello no baixo e o Vicky na bateria.

A imagem que ilustra o álbum é do Pedro Guimarães, de quem sou fã. É um artista plástico incrível, com uma carreira até a nível internacional. A capa do disco e do single está extraordinária e ele teve ainda a amabilidade de participar no videoclipe. E posso avançar que ainda há um trabalho que ele está a desenvolver.

 

V.A. - Foi em 1992 que cantou ao lado do Carlos Paredes. Foi, para si, um momento marcante. O que recorda desse mítico acontecimento?

N.G. - É verdade! Foi em 1992 que aconteceu aquele mítico espetáculo com o Carlos Paredes, onde estava eu e a Natália Casanova (dos Diva). Tive a honra de participar num dos últimos espetáculos da carreira dele e ele dizia que adorava a minha voz. Foi um dos espetáculos que fica marcado na minha carreira.

 

V.A. - Como foi a sua infância e como descobriram a sua voz?

N.G. - Até aos 16 anos vivi em Loulé onde estudei. Mas sempre tive a paixão da dança clássica/contemporânea e fiz muita coisa nessa altura, no Conservatório. Eu andava sempre a cantar nos corredores do conservatório e todos me conheciam. Um dia, tinha acabado de fazer uma aula de dança e, por brincadeira, comecei a imitar as cantoras que se ouviam na aula de canto e foi aí que a professora me disse: “Quero-te aqui”. Posso dizer que fugi durante uma semana dessa professora, mas depois finalmente fui falar com ela e deixei que me ouvisse a cantar. Essa docente explicou-me o meu tipo de voz, disse que eu tinha potencial e posso dizer que “me acordou”. Tive depois mais quatro anos a estudar música no Conservatório. A preparação é fundamental e há que ter bases.

 

V.A. - Como foi a chegada à “Ala dos Namorados”?

N.G. - Precisamente através do espetáculo do Carlos Paredes, porque o Manuel Paulo, um dos compositores da “Ala dos Namorados”, estava a trabalhar com o Carlos Paredes, ouviu a minha voz e, posteriormente, recebi o convite. Nem sabia bem para onde ia. Fiquei logo nervoso, mas adaptei-me muito bem a todos os temas. A ideia deles era fazer um disco com várias vozes, mas quando eu cheguei tudo mudou e assim nasceu a “Ala dos Namorados”. Foram 25 anos seguidos e só há pouco tempo parámos. Neste momento, diria que até ao final do ano vem aí grandes novidades e canções novas.

 

V.A. - Como foram estes dois anos de pandemia?

N.G. - Foi muito complicado e depressivo. Foi uma coisa que nos abalou a todos. Durante estes dois anos vivi com o sentimento de medo, incógnita e incerteza sobre o que iria acontecer connosco e com o mundo. Para a área da cultura foi muito complicado. Dei aulas de voz e canto durante esse tempo, apesar de algumas interrupções e tive alunos extraordinários. Era uma coisa que gostaria de voltar a fazer em Loulé, numa escola particular, porque eu misturo técnica clássica com técnicas mais contemporâneas. Há uma evolução enorme na técnica da voz.

Posso dizer que eu e outros músicos, vivemos do que construímos ao longo dos anos e de alguns dos poucos apoios que existiram.

 

V.A. - O Nuno anunciou recentemente que iria voltar a residir no Algarve. À partida, não seria uma decisão expectável, porque se costuma dizer que as melhores oportunidades estão em Lisboa...

N.G. - Há uma coisa que as pessoas não conhecem em mim. Existe o Nuno Guerreiro, artista, do palco e o Nuno do “dia a dia e das pessoas”. Sou a mesma pessoa em todo o lado, apesar de muita gente achar que sou “nariz empinado”. Vedetismos comigo não existem. Gosto de ser tratado de forma igual às outras pessoas. Reconheço o carinho que me dão, mas sinto-me bem se me tratarem só por Nuno num restaurante e não como o artista Nuno Guerreiro.

 

V.A. - Como é tratado no Algarve e aqui em Loulé: Pelo Nuno artista ou pelo Nuno “pessoa”? Porque decidiu voltar às origens?

N.G. - Como as duas coisas.  Eu tinha mesmo de voltar ao Algarve. Eu tenho cá a minha história e se eu quiser fazer coisas à parte da música, é aqui que o tenho de fazer. Eu sou algarvio e louletano com orgulho. Continuar com a carreira é possível, mesmo longe. Temos de descentralizar. Mais cedo ou mais tarde, vai ter de acontecer. Temos a Viviane a viver em Olhão e a continuar a sua carreira, por exemplo. Todos os artistas, acabam por regressar por algum tempo para estar em contacto com as suas raízes.

 

V.A. - Quando vai atuar em Lisboa, Porto, etc, reconhecem-no como algarvio?

 N.G. - É curiosa essa pergunta. Durante anos, muita gente me chamou embaixador do Algarve, porque eu sempre falei da região e da cidade de Loulé. Todos sabem que sou algarvio e louletano sim.

 

V.A. - Com tantos artistas algarvios que já se fazem ouvir longe, não deveria ser criada uma iniciativa que vos interligasse a todos?

N.G. - Há uma ideia incrível que nunca foi concretizada, mas que é musicar alguns poemas do Poeta Aleixo, com todos os artistas algarvios. Gostava muito de participar nessa iniciativa. 

 

V.A. - Com quem gostou mais de trabalhar?

N.G. - Acho que cada pessoa tem algo mágico e, quando se trata de arte, é sempre uma experiência única. Obviamente, há sempre uma pessoa que nos identificamos mais. Não consigo nomear alguém, porque são todos importantes na minha vida. Mas aquele que nunca mais vou esquecer, o Carlos Paredes, porque foi no início de tudo e ele era um mestre da música portuguesa. Nessa altura, partilhámos Fado e conhecimento e ele vibrava com a minha voz.

 

V.A. - Existe algum artista que gostasse de trabalhar e que ainda não tenha sido possível?

N.G. - Gostava muito de trabalhar com a Dulce Pontes e com o Janeiro, que participou no “Festival da Canção”, com a música “Sem Título”. Queria muito de compor com ele e adoraria que ele produzisse um disco meu, porque ele tem uma linguagem musical muito semelhante àquilo que eu gosto, que é um pop mais soul e contemporâneo. Há também o Tiago Nacarato, que é incrível e gosto muito da forma como ele se expressa e compõe. Diria ainda a Teresa Salgueiro, apesar de já ter trabalhado com ela, teria todo o gosto em voltar a fazê-lo.

 

V.A. - Como vê a evolução da música portuguesa?

N.G. - A nível de produção, de qualidade e até de oportunidades, a música portuguesa evoluiu. Contudo, posso dizer que considero que há um lado que é menos cuidado. Às vezes há pouco cuidado na língua portuguesa e nas mensagens que se tentam transmitir.

 

V.A. - Como acha que a música portuguesa é reconhecida no estrangeiro?

N.G. - Sim, sou e ainda bem que falamos nisto. Às vezes o nosso país esquecesse dos artistas que começaram a abrir portas e a despertar a curiosidade para hoje haver muitos que têm carreiras lá fora. Diria alguns nomes, como o de Amália, Dulce Pontes, Carlos do Carmo, Camané, Madredeus e também a “Ala dos Namorados”.

 

“Hoje em dia é muito fácil

chegar-se ao topo, mas é muito difícil manter-se”

 

V.A. - Para um jovem que esteja a começar agora e olhe para si como uma referência, o que lhe aconselharia?

N.G. - O meu primeiro conselho é: Se gostam realmente de música, a formação e as bases são o mais importante. Diria que é crucial estudar os instrumentos e ler sobre música. Devem cultivar-se da história portuguesa e perceber as raízes da nossa música. Não há, por norma, esse trabalho, mas é fundamental. Hoje é dia é muito fácil chegar-se ao topo, mas é muito difícil manter-se, creio que anteriormente era o contrário.

 

V.A - Em 2011, fiz-lhe a pergunta: “Onde estará o Nuno Guerreiro daqui a 10 anos”. A resposta foi prontamente “a fazer música” e a verdade é que foi isso que aconteceu. Repito a pergunta, em 2022, onde estará o Nuno Guerreiro daqui a 10 anos?

N.G. - Agora a resposta será diferente. Não faço a mínima ideia, acho que a vida hoje em dia é uma incógnita. Mesmo que eu faça algo bem agora, daqui a três anos tudo pode mudar. Confesso que não estou muito preocupado. Vejo-me a cantar, mas não sei se a minha dedicação vai ser totalmente virada para a música. Quero fazer mais além de cantar, mas não vou revelar o quê (risos).

 

V.A. - Fora da música, o que faz o Nuno Guerreiro no seu dia a dia? Que paixões tem?

N.G. - Gosto muito de cozinhar, de ler, ouvir música e adoro os meus animais. A minha mãe e irmã são a minha paixão, considero que a família é muito importante. Tenho ainda outras paixões, os meus dois gatos sphynx, o Xavier e o Simão. Tenho ainda a Bela, um cão do barrocal algarvio, que é lindo. O cão da nossa região é incrível, deveríamos explorar esta raça autóctone. Por fim, o Rodolfo, que nasceu no dia 25 de dezembro, por isso, ficou com este nome. Os meus dias, além da música, são passados com as atividades que mencionei acima e, claro, a família e os animais. Queria só deixar claro que para o ano farei 50 anos e não tenho vergonha nenhuma de o dizer. Eu acho que sou um jovem, mesmo com 60 anos, se tiver saúde, serei sempre um jovem. O espírito e a maneira como vemos o mundo, é mais importante do que a idade.

 

V.A. - Depois de dois anos praticamente em pausa, já tem saudades dos grandes palcos e tornês maiores?

N.G. - Tenho sim. Adoraria ter uma turnê mais consistente, mas não com o ritmo que já tive, porque é muito cansativo e desgastante. Esse cansaço esquecesse quando se sobe ao palco, mas eu gostava de fazer tudo mais espaçado. Aproveito para dizer que quem quiser ir ver a “Ala dos Namorados” ao vivo, terá uma oportunidade única. Este foi um concerto que ficou cancelado devido à pandemia da covid-19 e vamos agora, dia 27 de junho, em Castro Daire, distrito de Viseu. É único. Não sabemos quando nos vamos voltar a reunir.

 

V.A. - Se pudesse mandar no mundo por um dia, o que pediria às pessoas?

N.G. - Queria que as pessoas fossem mais autênticas e não houvesse tanta máscara. Gostaria que não existisse tanta inveja e tanto interesse. Queria que fossemos todos felizes e que desaparecessem as energias negativas. Todos os dias vemos que ninguém mudou com a pandemia, contrariamente ao que se dizia.

 

V.A. - Por fim, nada mais justo do que deixar uma mensagem para louletanos. O que lhes gostaria de dizer?

N.G. - Já que estou de volta ao Algarve, quero agradecer à Câmara Municipal de Loulé, à Voz de Loulé e todos os louletanos. Durante muitos anos estive fora e tentei levar o nome de Loulé para fora, mas agora chegou a hora de regressar às origens e espero que seja abraçado aqui. Espero ser bem-vindo, penso que merecia sentir mais esse carinho por parte de todos.

Por: Nathalie Dias