Mornas, cachupa, tabanca, pano di terra, grogue, funaná e muito mais: os sons, cores e sabores do Arquipélago de Cabo Verde vão assentar arraiais na Zona Histórica de Loulé, de 26 a 29 de junho, na 21ª edição do Festival MED.
Cabo Verde vai ser o próximo “País Convidado”, iniciativa do MED que teve lugar pela primeira vez em 2024, com uma celebração da cultura de Marrocos. Este ano, é a vez de Cabo Verde mostrar a sua diversidade musical, cultural e gastronómica, e de que forma se relaciona também com a diáspora, em particular com a comunidade residente em Portugal.
Esta terça-feira, 6 de maio, a programação foi apresentada no Centro Cultural de Cabo Verde, em Lisboa, perante representantes da Embaixada, artistas e comunidade cabo-verdiana. O diretor do evento e vereador do Município, Carlos Carmo, anunciou as iniciativas previstas.
"Estamos muito satisfeitos por termos Cabo Verde como o ‘País Convidado’ para a edição de 2025 do Festival MED. Cabo Verde apresenta no MED a sua diversidade musical, cultural e gastronómica, através de vários eventos ao longo dos dias do festival. Esta iniciativa permite criar uma programação ainda mais diversificada e global, trazendo a Loulé a excelência e riqueza da cultura deste país”, explicou este responsável.
É no “Pátio”, a instalar no Claustro do Convento Espírito Santo, no coração de Loulé, no final de junho, que irão confluir todas as manifestações artísticas. Este espaço será o epicentro de uma experiência imersiva, que transportará os visitantes até à essência de Cabo Verde, celebrando a cultura, as tradições, a vitalidade contemporânea do Arquipélago, as suas vivências quotidianas e a própria paisagem. Esta área integrará arte, som, movimento, gastronomia e a participação direta da comunidade, criando assim uma narrativa sensorial junto dos visitantes.
A tecelagem, a panaria, a olaria e a cestaria serão trabalhadas “ao vivo e a cores”, enriquecendo esta experiência artesanal e fortalecendo o vínculo com os saberes ancestrais das ilhas.
No campo da gastronomia, vai ser possível saborear comida e bebida típica de Cabo Verde, criando uma ligação direta entre tradição, arte e experiência gustativa. Está prevista a elaboração, por parte da comunidade cabo-verdiana residente no Algarve, de uma cachupa comunitária.
Por outro lado, estará garantida a presença de músicos ao vivo a tocar batuque e/ou cavaquinho, transportando a energia vibrante e a riqueza melódica de Cabo Verde para o coração do Pátio.
De referir que 2025 marca o 50º aniversário da independência de Cabo Verde (5 de julho de 1975), constituindo este mais um motivo para celebrar a cultura e a história deste país. O Festival MED tem a chancela desta efeméride.
MÚSICA
As sonoridades quentes do Arquipélago vão estar presentes em Loulé, através de artistas que ultrapassaram há largos anos as fronteiras de Cabo Verde, mas também da nova vaga de músicos.
Já no próximo sábado, 10 de maio, pelas 21h00, Carmen Souza vai subir ao palco do Cineteatro Louletano para um concerto durante a sessão de apresentação final do 21º Festival MED. Cantora luso-caboverdiana, batizada pela imprensa internacional como a “Ella Fitzgerald de Cabo Verde” ou a “nova Cesária Évora”, combina uma virtuosa técnica vocal jazzística com uma série de influências lusófonas, que vão do fado ao samba, da morna à bossa nova, incluindo baladas agridoces ou o ‘blues cabo-verdiano’. É hoje uma personalidade forte da world music e uma das cantoras de jazz de mais sucesso. “Port Inglês”, lançado em 2024, está nomeado para os German Record Critics Awards, na categoria de Best World Music Album.
Na noite de 25 de junho, no Palco Castelo, cabe a Ceuzany fazer o concerto inaugural do evento, ainda antes do festival abrir oficialmente as portas. Nascida no Senegal, filha de pais cabo-verdianos, com dois anos de idade foi viver para o Mindelo. Foi vocalista do Cordas do Sol, grupo que deixou em 2013, ao iniciar a carreira a solo. O sucesso fez-lhe merecer inúmeras nomeações nos Cabo Verde Music Awards e vencer os prémios de melhor música tradicional e melhor intérprete feminino, em 2017.
Os Ferro Gaita regressam este ano ao MED, para uma atuação no dia 26 de junho. Embaixadores do funaná, são uma das maiores instituições musicais de Cabo Verde. Trazem a sua terra na alma e o ritmo no coração e, uma vez mais, levam à Zona Histórica de Loulé toda a festividade e riqueza musical de África.
Para o dia 27 de junho, a proposta é Cesária Évora Orquestra, o projeto que celebra e mantém viva a obra da lendária “Diva dos Pés Descalços”. Reúne talentosos músicos e intérpretes que levam a palco o repertório que marcou a carreira de Cesária Évora, trazendo a sua música a novos públicos e reforçando o seu legado cultural.
Já no dia 28, num concerto especial, o músico Dino D´Santiago junta-se aos icónicos Os Tubarões, sem a menor sombra de dúvida, um dos maiores emblemas musicais de Cabo Verde e um dos grupos mais representativos da música deste país no período de transição rumo à independência e democracia. Autênticas lendas espalharam por uma, hoje muito celebrada, discografia algumas das mais importantes peças do cancioneiro de um país que continua a inspirar o mundo, com as suas mornas, coladeiras e funaná. Dino, filho do concelho de Loulé, dispensa apresentações pelo que é hoje não só em termos musicais, mas também como ativista pelas causas sociais, estando envolvido em vários projetos ligados à equidade e igualdade social.
Para o “Open Day”, 29, está marcado um concerto de homenagem à cantora cabo-verdiana Sara Tavares. Este momento contará com a participação dos Shout, Banda Filarmónica Sociedade Artistas de Minerva, o projeto Mau Feitio e ainda alguns convidados que serão anunciados brevemente.
CINEMA
O Cinema MED irá incorporar três películas com ligação a este país. O destaque vai para “Sodade”, realizado pela cabo-verdiana Sarah Grace, apresentado no dia 22 de junho, dias antes da abertura oficial do MED’25, pelas 18h00, no Solar da Música Nova. O filme, distinguido internacionalmente, explora temas profundos como amor, traição e ódio, através da história de personagens que vivem os desafios e dilemas da diáspora. Filmado nas belas e impactantes paisagens vulcânicas da Ilha do Fogo, “Sodade” destaca-se pela sua cinematografia impressionante e por captar a essência da cultura e do espírito cabo-verdianos. É o primeiro filme cabo-verdiano a ser distribuído comercialmente em salas de cinema em Portugal e noutros territórios internacionais.
Lançado em 2022, pela realizadora Ana Sofia Fonseca, “Cesária Évora” é o documentário íntimo sobre a vida e carreira da voz maior de Cabo Verde, com imagens inéditas. Uma obra que já tem aura de culto. Pode ser visto no espaço Cinema MED, na noite de 26 de junho.
Completa o cartaz do Cinema MED’25, novamente com curadoria de Rui Tendinha, mais um documentário, “Kmêdeus” (“Come Deus”), de Nuno Boaventura Miranda. Retrata a intrigante história de um excêntrico sem-teto da Ilha de São Vicente, conhecido por muitos como louco e por outros como um grande artista. Vai ser exibido no dia 27 de junho. Também nesta noite serão lançadas as primeiras imagens de “Terra Longe”, documentário de Bernardo Lopes sobre o músico do Mindelo Jon Luz.
ARTE
Nas artes plásticas, vai estar patente ao público nos dias do Festival a Exposição “Cartografias Transatlânticas”, dos artistas Fidel Évora, Jacira da Conceição, Amadeu Carvalho e Carlos Noronha Feio.
“Cartografias Transatlânticas” reúne, na Galeria do Espírito Santo, em Loulé, quatro artistas cuja ligação a Cabo Verde é simultaneamente íntima e deslocada. Vivem fora do Arquipélago, mas com ele constroem um diálogo contínuo — silencioso por vezes, mas sempre presente. As suas obras não procuram representar o território, mas cartografar os seus vestígios, reverberações e reencontros através da imagem, do som, do corpo e da matéria.
Cada gesto artístico traça uma linha atlântica de retorno e reimaginação. Um mapa emocional e político desenhado a partir de margens móveis, onde a pertença é feita de fragmentos, escutas e sobrevivências. Nesta exposição, o “fora” não é ausência, mas extensão — um espaço onde se continuam a construir sentidos de origem, de comunidade e de futuro.
Fidel Évora propõe, com a série “Fake Self-Portraits”, um jogo entre identidade e ficção, presença e construção. Os rostos que nos interpelam não procuram definir o eu, mas questionar os mecanismos pelos quais ele se torna visível. A sua prática afirma a multiplicidade como condição natural de quem habita o entre-lugar — onde a origem é memória, mas também escolha.
Jacira da Conceição invoca, através de cerâmica, ferro, tecido e vídeo, a força da linhagem feminina africana. As suas peças — como Oráculo dos Búzios, Aruanda e Abraço II — fazem do espaço expositivo um território ritual. A matéria é memória que resiste ao esquecimento, gesto que atravessa o tempo. A ancestralidade é aqui força viva, atual, em contínua transmutação.
Amadeu Carvalho apresenta “50 Faces Incógnitas – Retratos de Ausência”, uma série de retratos sem nome que assinalam os cinquenta anos da independência de Cabo Verde. Criados com pigmentos do vulcão do Fogo, os rostos habitam a fronteira entre a presença e o desaparecimento. É no anonimato que se inscreve a potência de uma história plural, feita de silêncios, de ausências, de vidas por contar.
Carlos Noronha Feio encerra este percurso com uma instalação sonora e visual onde Cabo Verde e o Atlântico se escutam mutuamente. “Uma construção é feita de mais do que memórias dos antepassados...” propõe uma experiência imersiva através do som e da imagem. O mar, os ecos, os ruídos tornam-se matéria de escuta sensível — entre ilhas, viagens e regressos imaginados.
“Cartografias Transatlânticas” revela como o arquipélago se prolonga para além das suas fronteiras físicas, expandindo-se nas vozes e práticas daqueles que, de fora, continuam a habitá-lo afetivamente. Estes artistas desenham mapas alternativos, onde o território é vivido como pulsação, linguagem e gesto — numa geografia em que a distância não diminui a pertença, mas a amplia.
Pode ser visitado de 20 de junho a 19 de julho. A curadoria é de Ricardo Barbosa Vicente (assessor técnico e cultural na Embaixada de Cabo Verde em Portugal) e João Serrão (diretor e programador das Galerias de Arte Municipais da Câmara de Loulé).
LITERATURA
Os escritores cabo-verdianos José Luiz Tavares e Dina Salústio são os convidados desta valência e irão apresentar uma conferência sobre a literatura do país. Esta iniciativa acontece na Casa da Cultura de Loulé – Edifício Atlético, no dia 21 de junho, a partir das 17h30, no âmbito do programa que antecede os dias do Festival.
José Luiz Tavares nasceu a 10 de junho de 1967, no Tarrafal, Ilha de Santiago. Estudou literatura e filosofia. Tem colaboração em jornais e revistas de Cabo Verde, Portugal e Brasil.
De entre os vários prémios que recebeu destaca-se recebeu o Prémio Mário António de Poesia 2004, atribuído pela Fundação Calouste Gulbenkian à melhor obra de autor africano de língua portuguesa e de Timor-Leste publicada no triénio 2001-2003, com o seu primeiro livro publicado, “Paraíso Apagado por um Trovão”.
A poetisa e escritora Dina Salústio é natural da Ilha de Santo Antão (1941). Sócia-fundadora da Associação dos Escritores Cabo-verdianos, da Sociedade Cabo-verdiana de Autores, membro-fundador da Academia Cabo-verdiana de Letras e do PEN Clube de Cabo Verde, é ainda membro da Academia Sergipana de Letras (Brasil) e Vice-Presidente da Sociedade Brasileira da Cultura Latina para Cabo Verde.
Foi galardoada, entre outros, com o 1º Prémio de literatura infanto-juvenil de Cabo Verde (1994), o Prémio em literatura infanto-juvenil dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (2000), Prémio Rosalia de Castro para a Literatura em Língua Portuguesa - PEN Galiza, Espanha (2016), Prémio RDP África Literatura para a Lusofonia (2021). Ao projeto de tradução de seu romance "A Louca de Serrano" foi concedido o PEN Award England (2018).
No âmbito de “Falas Afrikanas”, projeto editorial de obras e autores/as africanos/as, será apresentado um catálogo sobre a produção literária do país.
A iniciativa “Poesias do Mundo”, coordenada por João Pedro Caliço “Tapé” está de regresso e desta vez o foco será Cabo Verde. No espaço Cinema MED serão declamados pomas e prosas de autores cabo-verdianos, quer em Português, quer em Crioulo, bem como de outras nacionalidades.
ARTES DE RUA, ARTESANATO, GASTRONOMIA
Pelas ruas e ruelas da Zona Histórica de Loulé irão desfilar grupos de animação que trazem algumas das manifestações artísticas e ritmos tradicionais como a tabanca, o são djon, o batuque e a txabeta, misturando danças e tambores. Os performers irão interagir com o público, convidando-o a fazer parte das próprias coreografias.
No MED Kids, espaço junto ao Largo da Matriz dedicado aos mais novos, o contador de histórias Adriano Reis traz a iniciativa “Stera – Na Boka Noti”, em que irá partilhar com o público júnior contos e jogos infantis cabo-verdianos.
As oleiras Isabel Sanches e Edna Sanches Cabral vão estar diariamente no “Pátio” de Cabo Verde para dar vida a peças únicas e mostrar um pouco desta arte ancestral. As peças serão também criadas durante workshops de olaria infantil, permitindo a conexão com tradições e novas plateias.
No que toca à gastronomia, no “Open Day” (dia aberto, com entrada livre), 29 de junho, domingo, a Alcaidaria do Castelo recebe um show-cooking, com chefes cabo-verdianos Milocas e Fátima Moreno que irão mostrar como se confecionam alguns pratos típicos.
Alguns restaurantes da cidade, entre eles o histórico Café Calcinha, irão integrar nas suas ementas pratos onde os sabores cabo-verdianos estarão presentes.
Durante esta apresentação, o presidente da Autarquia, Vítor Aleixo, relevou o envolvimento da comunidade cabo-verdiana radicada no concelho há cerca de 50 anos. “Temos a felicidade de ter em Loulé uma comunidade que para aqui veio, que lutou, ajudou à prosperidade do concelho de Loulé, que se integrou maravilhosamente. O facto de dedicarmos esta edição do MED à cultura de Cabo Verde, em que os cidadãos de Cabo Verde são também eles honrados, é algo muito bonito”, considerou.
Já Ana Pires, Encarregada de Negócios da Embaixada, falou da importância desta iniciativa, acolhida desde a primeira hora pelo ex-Embaixador, agora ministro, Eurico Monteiro: “O MED é um festival sem fronteiras e Cabo Verde não podia ficar de fora. Na Embaixada constituiu-se uma equipa, composta por Ricardo Barbosa e Zaida Sanches, que acreditaram neste projeto. Encontramos neste evento um “palco” para podermos promover Cabo Verde nas diferentes valências culturais, pois não temos só cantores conhecidos como a Cesária Évora, mas também outros artistas de outras áreas que devem ser conhecidos pela prática que desempenham e pelo papel que têm na nossa sociedade”.
Também a cantora Carmen Souza marcou presença neste momento. A cabo-verdiana vai estar já no próximo sábado no Cineteatro Louletano, para um concerto integrado na apresentação final da programação do MED. “Como artista cabo-verdiana e como mulher que carrega na voz e no corpo uma herança mestiça e global, sinto-me profundamente honrada por participar deste momento. Ver Cabo Verde como país convidado num festival como o MED – que valoriza a diversidade, a autenticidade e o encontro entre mundos – é um reconhecimento bonito da riqueza cultural das nossas ilhas”, declarou.