André Magrinho, Professor Universitário, Doutorado em Gestão | andre.magrinho54@gmail.comAndré Magrinho, Professor Universitário, Doutorado em Gestão | andre.magrinho54@gmail.com

As eleições autárquicas do próximo mês de outubro marcam um ponto de viragem na política local, com a saída de muitos autarcas históricos, um pouco por todo o país, nomeadamente no Algarve, abrindo espaço a novas lideranças e coligações. Mas esta renovação ocorre num contexto marcado por profundas transformações políticas, sociais e tecnológicas que desafiam a própria essência da democracia local. A polarização política intensificou-se nos últimos anos, alimentada por diversos políticos e amplificada pelas redes sociais que favorecem conteúdos extremos e emocionais. Os algoritmos vertidos na inteligência artificial (IA) — desenhados para maximizar o tempo de atenção — privilegiam discursos radicais, sobretudo de extrema-direita, que prometem soluções simples para problemas complexos. Este fenómeno, conhecido como agitprop digital, transforma o espaço público num campo de batalha ideológico, onde a verdade é relativizada e o diálogo substituído pelo confronto radical. Essa agressividade pode ser observada no TikTok, YouTube, Instagram e outras plataformas digitais. E, os seus efeitos são reais: famílias dividem-se pelo ódio político, o debate racional dá lugar à retórica incendiária, e a confiança nas instituições esvanece.

A democracia local corre o risco de se tornar refém de bolhas digitais e campanhas de desinformação. A liberdade de expressão, pilar fundamental das sociedades abertas, é instrumentalizada para atacar os próprios fundamentos da liberdade. Num momento em que os novos autarcas terão de gerir fundos do PRR, enfrentar desafios ambientais e responder às necessidades sociais da autarquia, da região e do país, é essencial que o debate político recupere a sua dimensão cívica e construtiva. Mais do que bons programas eleitorais, exige literacia digital, pensamento crítico sobre as plataformas e cidadãos informados e críticos.

Nestas autárquicas, tão importante quanto optar entre partidos, é escolhemos também o tipo de democracia que queremos construir — uma democracia de proximidade com debate cívico e político elevados ou uma democracia de “cliques” e “soundbytes” sem sentido? As autarquias representam o nível mais direto de governação, onde as decisões têm impacto imediato na vida das pessoas — desde o transporte público à habitação, da cultura local à gestão ambiental. Esta democracia de proximidade constrói-se com diálogo, respeito pelas diferenças de opinião, participação cívica e confiança mútua, assim como o envolvimento real nas comunidades. É neste espaço que a política ganha rosto humano e onde os cidadãos deixam de ser apenas eleitores para se tornarem atores na construção do interesse comum. Por isso, as eleições autárquicas devem ser um exercício de cidadania consciente, não um concurso de popularidade digital e de verbalização do ódio. A política local não pode ser reduzida jargões ocos de sentido e a “likes” e partilhas. Precisamos de líderes comprometidos com as pessoas e a comunidade, não com a viralidade política. A escolha é nossa.