A antiga presidente da Câmara de Portimão e atual eurodeputada Isilda Gomes realçou no passado sábado que o regresso da Companhia de Jesus (jesuítas) àquela cidade, 216 anos depois da sua expulsão, permitiu «chamar a atenção para os problemas que existiam» e ajudar a resolvê-los.
A antiga autarca, que se referiu concretamente à chegada dos padres Arsénio Castro da Silva e Domingos Monteiro da Costa ao Algarve, apresentou uma palestra no auditório do Museu de Portimão sobre a ação social dos jesuítas, naquele concelho, nos últimos 50 anos, uma iniciativa inserida no programa do triplo aniversário que a comunidade algarvia jesuíta celebra este ano: os 500 anos da construção da igreja paroquial da Mexilhoeira Grande, os 50 anos do padre Domingos da Costa como seu pároco e os 50 anos do regresso dos jesuítas ao Algarve.
“Quer o senhor padre Domingos, quer o senhor padre Arsénio, quando chegaram a esta cidade, foi como se chegasse uma espécie de uma luz”, considerou Isilda Gomes, explicando que ambos “quiseram estar cada vez mais próximos dos cidadãos, das pessoas que tinham ao seu lado, conhecer melhor os seus problemas”. “Isto é fundamental porque se não conhecermos as pessoas não as podemos ajudar”, justificou.
“Comecei a ouvir que um trabalhava na estiva e era um padre comunista, o padre Arsénio, e que outro, o padre Domingo, ia à Alemanha buscar dinheiro e estava a fazer coisas e a transformar a área social da Mexilhoeira [Grande] e pensei: «há aqui gente que está a fazer diferente, que não está a fazer caridade, mas está a fazer solidariedade»”, testemunhou.
Considerando caridade e solidariedade “completamente diferentes”, a eurodeputada defendeu que a primeira era praticada antigamente sob a forma de esmola para descargo de consciência moral, enquanto a segunda implica envolvimento com os problemas das pessoas. “O padre Domingos chegou à Mexilhoeira [Grande] e, vendo que não havia nada para as crianças, arranja uma creche. O padre Arsénio chegou a Portimão e, verificando que tínhamos muitos ciganos, pegou no seu jipe e ia buscar as crianças e pô-las numa escola. Havia aqui um envolvimento pessoal dos dois em transformar esta sociedade numa sociedade melhor”, concretizou.
Isilda Gomes realçou que o padre Domingos da Costa “não pedia para ele”, mas “exigia para os outros” porque “era inconformado”. “Não se conformava com a pobreza, não se conformava com a dificuldade das pessoas, era um inconformado e aquilo que ele dizia era uma espécie de grito de revolta”, explicou, garantindo ter sido um “homem inconformado” que “tratou das crianças e depois tratou dos adultos, transformando a casa paroquial num lar de idosos”.
“Numa entrevista, o senhor padre disse que havia muitos suicídios na Mexilhoeira [Grande] e era verdade. Mas, a partir do momento em que passaram a ter um lar, uma casa, esses suicídios praticamente acabaram”, contou, acrescentando que “o que de mais belo” o sacerdote construiu foi a Aldeia de São José de Alcalar. “É aquilo que devíamos ter um pouco por toda a parte, onde as pessoas se sentissem vivas, sentissem que apesar da sua idade, apesar dos seus problemas, das suas deficiências, das suas incapacidades têm quem olhe por elas”, prosseguiu, referindo-se à aldeia de idosos onde estes vivem nas suas casas e são ali mesmo assistidos.
“Acho que é um exemplo de como devemos tratar as pessoas com idade mais avançada ou com problemas que precisem de estar acompanhados com maior permanência. Eu não tenho palavras para lhe dar os parabéns e para lhe agradecer a obra que ali tem porque é uma obra digna de ser visitada e de ser replicada. As pessoas têm de ter dignidade até à morte, caso contrário não estamos a cumprir aquilo que é a nossa obrigação: tratar das pessoas que antes de nós nos deram aquilo que temos neste momento”, completou a oradora, considerando: “se as autoridades regionais e nacionais não tiverem uma visão como a do padre Domingos, dificilmente conseguiremos atingir a resolução dos problemas”.
Lembrando ainda que o padre Domingos da Costa construiu a igreja da Figueira e o padre Arsénio da Silva, falecido em 2012, a igreja de Nossa Senhora do Amparo, Isilda Gomes recordou que este último “nunca aceitou” qualquer comparticipação estatal. “Dizia que não queria estar dependente do Estado, queria fazer aquilo que entendesse que deveria fazer porque achava que as regras que lhe eram impostas eram regras que não devia cumprir”, afirmou, lembrando que o sacerdote se lançou depois com as mesmas convicções na construção do Centro Comunitário daquela paróquia de Portimão e que foi aquele antigo pároco que motivou o seu regresso à Igreja e a uma participação mais comprometida com a Igreja.
A conferencista agradeceu ainda ao padre Domingos da Costa em nome da comunidade porque “a tornou mais feliz, mais igual e mais humanizada” e por ser um “exemplo para todos”. O sacerdote respondeu que “quando os cristãos tomam a peito o mandamento do amor, dão-se bem com todo o mundo”. “Quando se fecham nas igrejas é que, se calhar, é o contrário”, advertiu.
O pároco da Mexilhoeira Grande lembrou que ele e o padre Arsénio da Silva eram “muito diferentes”, mas “muito amigos” e “muito unidos” no combate à pobreza. “Oriundos de famílias pobres, fomos amigos durante 59 anos. Conheci-o muito cedo e durante 49 anos vivemos praticamente sempre na mesma casa ou na mesma terra. E isso uniu-nos e fez-nos pensar em conjunto e foi devido a isso que os jesuítas vieram para cá porque éramos os dois a trabalhar em conjunto”, prosseguiu, lembrando que ambos admiravam “um grande santo que ainda não está canonizado, mas já devia estar”. “O padre Américo dizia o seguinte: «Se cada paróquia cuidasse dos seus pobres, não haveria pobres em Portugal». Esse foi o lema do padre Arsénio e era o meu também e fizemos o que podíamos nos dois lugares”, concluiu, lembrando não fizeram nada sozinhos. “Foi graças aos benfeitores e colaboradores que entraram neste caminho. Foi a graça que tivemos também porque sozinhos não levávamos nada a lado nenhum”, rematou.
Folha do Domingo