Trabalho de investigação percorre o período desde antes da fundação em 1797 até 1997
O Seminário de São José da Diocese do Algarve apresentou na passada quarta-feira a publicação sobre a sua bicentenária história, da autoria da historiadora algarvia Andreia Fidalgo, docente auxiliar convidada da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais e da Faculdade de Economia da Universidade do Algarve e investigadora no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa.
A sessão de apresentação do livro, intitulado “Segundo o coração de Deus – O Seminário de São José da Diocese do Algarve, da fundação à contemporaneidade”, teve lugar no edifício da própria instituição com a presença, para além de membros do clero, religiosos e leigos da Igreja algarvia, de uma numerosa representação da comunidade académica algarvia, incluindo alunos do Curso de Património Cultural e Arqueologia, investigadores e responsáveis dos arquivos distrital e municipais, mas também da rede de bibliotecas da cidade de Faro. Presente esteve também o novo presidente da Câmara Municipal, António Pina.
O trabalho de investigação, de 320 páginas, que percorre o período desde ainda antes da fundação de Seminário em 1797 até à celebração do seu duplo centenário em 1997, aborda o impacto para a instituição de diversos acontecimentos não só religiosos, como os Concílios de Trento e Vaticano II, mas também políticos como a transição para o liberalismo que levou ao seu encerramento em 1832, a implantação da Primeira República em que a equipa formadora e os seminaristas tiveram de abandonar o edifício tomado para fins militares, ou a Revolução do 25 de Abril de 1974.
Naquela sessão de apresentação, o reitor do Seminário de Faro começou por referir que “fazia falta uma obra que narrasse, com rigor científico e em maior detalhe, aquilo que foi a história desta instituição”. O padre António de Freitas lembrou que até agora apenas existia uma pequena edição com esse intuito, datada de 1985, da autoria do cónego José Cabrita e que serviu de ponto de partida para este novo trabalho.
“Não queríamos apenas uma narração de factos institucionais, mas, sobretudo, que se procurasse narrar a vida de uma casa que vive e viveu sempre das imensas vidas que aqui habitaram”, explicou o sacerdote, acrescentando que não se pretendia “apenas uma narração de factos institucionais”, mas “uma história que permitisse conhecer a vida das pessoas e o seu contexto religioso, social, cultural, e de como o Seminário foi determinante para a diocese e para a região, sobretudo e também, ajudando a vida de tantas pessoas e de tantas famílias que, de outro modo, não teriam como fazer a educação e a formação dos seus filhos”, muitos deles, “não tendo o sonho vocacional como seu”. O reitor lembrou, a propósito, ter sido ali que “nasceu” o Liceu de Faro (atual Escola Secundária João de Deus) e que por ali também passou a Escola Industrial e Comercial de Faro (atual Escola Secundária Tomás Cabreira).
Mas o padre António de Freitas explicou também que a obra teve ainda outro intuito, o de conhecer o arquivo do Seminário e “colocá-lo ao serviço do estudo e da investigação”, ou seja, “servir a causa pela qual nasce e é conservado um arquivo: ser um guardião vivo de um rico passado que pode sempre inspirar o presente e ajudar a olhar o futuro”.
De entre as conclusões que resultam do trabalho publicado, para além da já referida “importância determinante na educação e na cultura da região”, o reitor destacou o “dinamismo” da instituição, “capaz de se adequar a cada momento da história”, presente “quer nos planos pedagógicos, quer na estrutura da casa”, adaptados às “marés cíclicas do número de seminaristas” ao longo de mais de dois séculos de vida. “Isto lança-nos um olhar de esperança e de confiança. O tempo é feito destes momentos. E em cada tempo é preciso, sobretudo, estar disponível para servir a causa”, declarou.
A estas juntou a lição de “nunca desistir” daquela casa para que “não deixasse de ser da diocese e ao serviço da diocese”. Mesmo quando ela nos foi tirada, a diocese lutou sempre por ir recuperá-la. A história do Seminário mostra-nos que vale sempre a pena lutar por esta casa, mesmo quando, às vezes, o trabalho que aqui se faz não significa lucro, mas déficit”, declarou.
Por fim, e como derradeira última conclusão realçou o facto de a instituição ser “aberta e inclusiva a todos”, lembrando que essa finalidade se tem mantido, quer no acolhimento de alunos estrangeiros da Universidade do Algarve, quer de formandos de Centro de Ciência Viva.
A autora da investigação destacou que o seu “grande objetivo” é “recuperar a memória da instituição, tentar interpretá-la, contextualizá-la e torná-la também acessível a todos”. Andreia Fidalgo explicou que o “grande desafio” foram as fontes documentais, enaltecendo ter havido sempre quem cuidasse do arquivo da instituição. “Ele não está com uma organização como os arquivistas diriam que seria a mais indicada, mas está organizado, está preservado, está conservado. E isso é muito importante”, considerou.
A historiadora lembrou que o bispo que construiu o Seminário de Faro – D. Francisco Gomes do Avelar, bispo da diocese entre 1789 e 1816 – não foi o seu mentor. “O mentor do Seminário foi D. José Maria de Melo, que só foi bispo do Algarve durante um ano [entre 1787 e 1789], imediatamente antes do D. Francisco Gomes do Avelar”, referiu, destacando que ambos, “formados naquilo que é o espírito do iluminismo católico, bastante preocupados com as questões da formação, da ilustração típica da época”, “deixaram um legado absolutamente fundamental”.
Lembrando ter sido no Concílio de Trento, entre 1545 e 1563, que se decidiu que “os bispos deveriam ficar incumbidos de construir seminários nas suas dioceses”, Andreia Fidalgo constatou que o Seminário de São José “aparece muito mais tardiamente face àquilo que deveria ter sido a sua fundação”. “Em Portugal tivemos Lisboa, Braga a seguir, Viseu ainda nos finais do século XVI, Leiria na segunda metade do século XVII, mas depois há um longo interregno e só depois é que são construídos os Seminários de Elvas em 1759, Coimbra em 1765, Lamego em 1789 e Faro em 1797”, sustentou, explicando que assim aconteceu devido à expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal em 1759 que até então asseguravam “uma rede colegial muito bem estruturada em todo o território e que supria esta função de formação do clero”.
A historiadora destacou ainda que a publicação vem colmatar a “necessidade de valorizar” todo o património material e imaterial do Seminário, não só o próprio edifício, mas a biblioteca antiga, composta por livros de liturgia, geografia, parenética, teologia, moral, dogmática, Direito Canónico e Direito Civil, datados entre os séculos XVI e XVIII, o arquivo musical com 106 cópias manuscritas de obras de compositores portugueses de música sacra, desde os finais do século XVIII até meados do século XIX, o arquivo documental e o espólio artístico de pintura, paramentaria e alfaias litúrgicas.
Andreia Fidalgo também realçou que o “impacto e reflexo” da instituição “vai muito além daquilo que é uma formação eclesiástica”. “É uma instituição que é absolutamente estruturante daquilo que é a história cultural, educativa, social do Algarve, que formou muita gente que não seguiu a vocação eclesiástica, gente que veio formar quadros: professores, funcionários, advogados, médicos que tiveram a oportunidade de se formar nesta casa”, evidenciou, referindo-se ainda ao “impacto na sociedade, na elite culta, até em determinado período quando o acesso à educação era tão difícil”.
A diretora da Paulinas Editora considerou que a obra “deve estar presente em cada família” da diocese “para que possam conhecer a história deste Seminário que é também parte da história desta diocese”. “Ao colocar nas mãos do leitor este trabalho, a Paulinas Editora junta-se ao desejo de que o conhecimento desta história permita valorizar e a instituição nas suas diversas dimensões – cultural, patrimonial e espiritual – e que o Seminário possa ser, cada vez mais, o coração de cada diocesano”, afirmou a irmã Eliete Duarte.
O bispo do Algarve, que presidiu à sessão, considerou a publicação uma “semente” em relação ao futuro. “Por todos os elementos que reúne e podem ajudar-nos a entender a missão de uma instituição como esta. Mas, ao mesmo tempo, vemos que a história desta instituição reflete a história do Algarve nestes 200 anos e até do nosso país”, justificou D. Manuel Quintas, lembrando, a título de exemplo, ter aquele Seminários e outros no país acolhido os retornados das antigas colónias em África. O bispo diocesano reforçou ainda o papel da instituição na formação de tanta gente que disse contribuir para a “edificação de uma sociedade certamente mais justa e mais fraterna”.
No prefácio da obra, escrito a quatro mãos, porque às de D. Manuel Quintas se somaram as do cónego Joaquim Nunes, deseja-se “que o conhecimento desta história permita valorizar a instituição nas suas diversas dimensões cultural, patrimonial e espiritual” e, “ao leitor cristão”, pede-se “que o Seminário seja cada vez mais o coração da diocese, ou seja, o coração de cada diocesano, para continuar a sua missão de formar pastores segundo o coração de Deus”.
O livro, que contou com a colaboração dos cónegos José Pedro Martins, já falecido, e Joaquim Nunes e o apoio financeiro do Município e da União de Freguesias de Faro, conta com fotografias da Stills, concebidas pelo fotógrafo Vasco Célio com ajuda à produção de Ricardo Nascimento. Está à venda na livraria da editora na Rua do Município, em Faro.
Folha do Domingo