O Algarve, o Fado e Manuel Viegas Guerreiro

17:00 - 09/11/2025 OPINIÃO
Jean Carlos Vieira Santos | Professor Universitário | svcjean@yahoo.com.br

Em determinado momento, escrevi que “foi o Algarve que me apresentou ao fado”, o que me permite reafirmar, com segurança, a emoção pulsante proporcionada pelo convívio com artistas fadistas da região, que ganham a vida nos palcos algarvios. Durante os períodos em que residi no Algarve para fins de estudo, e mesmo nas visitas mais recentes, observei que esta região não é tradicionalmente devotada ao fado, se comparada com Lisboa ou Coimbra. Contudo, para mim, essa comparação nunca teve verdadeira importância.

Na realidade, sinto que a minha alma encontra outras interpretações, sentimentos e significados no ato de ler e ouvir o fado entre o Guadiana e a Praia de Vale Figueiras. Durante um período de investigação na Biblioteca de Gambelas, da Universidade do Algarve, tive o primeiro contacto com o texto “Uma Excursão à Serra do Algarve”, de Manuel Viegas Guerreiro. Foi nesse momento que fui apresentado a um território profundo e a uma sensibilidade empírica que valorizam o que ele chamou de “fado pelintra”.

Compreendi então que a literatura abre portas tanto para o fado urbano da região como para os sons e silêncios do interior, permitindo-nos perceber que o cantar de um pastor conecta o leitor às palavras escritas e a um modo de viver sem pressa, quase intemporal. Nesta perspetiva, é inevitável convidar o leitor a apreciar um dos trechos da obra:

“Oiço e distingo, à distância, subindo do fundo dos vales, a toada melancólica de uma canção alentejana. É um pastor com o seu rebanho de ovelhas, a perder-se nas dobras de um outeiro. Consolou-me a ingenuidade do canto, tão receoso estava de adivinhar na melodia os requebros dengosos de algum fado pelintra.”

Inspirado nas palavras de Manuel Viegas Guerreiro, posso afirmar que, nas minhas memórias de idas e vindas pelo Algarve, o fado permanece vivo e presente nos diferentes palcos das noites algarvias. Desde sempre me emocionou e deixou em mim marcas da cultura poética fadista, transmitida por tantas vozes e guitarristas do sul de Portugal.

Assim, escrever sobre o fado que ecoa em Loulé, Faro e noutras paragens do Algarve tem sempre um sabor muito especial — um prazer irresistível.

Nesta viagem, sigo ansioso pelo próximo encontro com o fado no Algarve. E, por mais textos que se escrevam, há sempre algo em falta — novos olhares e novas emoções à espera de serem descobertos.