ENTRE O SER E O DEVER SER

10:00 - 28/09/2025 OPINIƃO
Por: Padre Carlos Aquino | effata_37@hotmail.com

“Não podeis servir a Deus e ao dinheiro”

Quando Jesus enuncia, no Sermão da Montanha, esta frase contundente, ele não apenas estabelece uma norma moral ou uma regra disciplinar, mas toca numa dimensão central da condição humana: a tensão entre a transcendência e a materialidade, entre o desejo de eternidade e a ânsia por segurança imediata. Jesus, ao dizer que não podemos servir a Deus e ao dinheiro revela um conflito de lealdades. O dinheiro não é só uma moeda; é um poder, um sistema de relações, um ídolo capaz de ocupar o trono da alma e do coração.

Aquele que vive para acumular nunca está plenamente saciado: quanto mais possui, mais ansiosamente deseja. Já Deus não pede acumulação, mas entrega; não cobra juros, mas oferece graça. Servir a Deus é habitar um espaço de confiança e gratuidade. Servir ao dinheiro é viver na lógica da escassez e da competição. O primeiro abre a mão; o segundo a fecha. A voz interior de Deus pede confiança, abandono, entrega. Mas a voz do dinheiro exige cálculo, vigilância, medo de perder. É o conflito de todos os tempos: servir a um é necessariamente renunciar à plena obediência ao outro. No fundo, não se trata de negar a necessidade do dinheiro. O que o Evangelho denuncia é a idolatria, quando o dinheiro deixa de ser meio e se torna fim, quando o coração se curva diante dele como se fosse divindade.

Assim, quando o Evangelho afirma que não se pode servir a Deus e ao dinheiro, faz uma denúncia de idolatria que permanece atual: o ser humano, sedento de sentido, facilmente transfere para a moeda a confiança que deveria depositar no Mistério. O dinheiro promete salvação secular: liberdade, prazer, reconhecimento, mas não responde às perguntas últimas: quem sou eu? para onde vou? o que dá valor à minha vida? Numa reflexão espiritual e antropológica diremos que aqui se encontra o ponto crucial da liberdade humana. O homem não é chamado a desprezar o dinheiro, mas a recolocá-lo no lugar de instrumento. A ordem é clara: o absoluto pertence apenas a Deus; o relativo cabe ao dinheiro.

Confundir estas esferas é perder o rumo, trocar a eternidade por um saldo bancário. Assim vive o trabalhador que sacrifica toda a sua saúde e tempo familiar em nome do lucro, acreditando que a felicidade se comprará depois. O político que negocia princípios éticos por financiamento de campanha. O jovem que mede a própria dignidade pelos bens de consumo que consegue exibir. Em todos estes casos, a lógica do dinheiro ocupa o espaço do sagrado, coloniza o coração, reduz o humano ao utilitário. Servir a Deus significa confiar que o sentido da vida não se mede por contas ou cifras, mas por amor, justiça e entrega. Servir ao dinheiro, pelo contrário, é submeter-se a uma divindade frágil, que nunca sacia, pois exige sempre mais.

A grande lição é, pois, antropológica e espiritual ao mesmo tempo: o ser humano só encontra plenitude quando o dinheiro permanece servo e nunca senhor. Assim, a frase de Jesus deixa de ser uma proibição árida e transforma-se num convite libertador: escolher a quem dar o coração, e nele descobrir onde repousa a verdadeira liberdade.