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DINO D SANTIAGO E OS TUBARÕES VOLTARAM A GRITAR LIBERDADE!

09:30 - 01/07/2025 OPINIÃO
por Vítor Belanciano
No ano em que Cabo Verde era o país em grande destaque no festival MED, o encontro em palco de Dino d’ Santiago e Os Tubarões, na noite de sábado, era sem dúvida o momento mais ansiado. 
 
Uma junção cheia de simbolismo. Em termos pessoais, para o próprio Dino, porque em idade juvenil era Os Tubarões que ouvia em casa dos pais com devoção. Para o pai, presente, sentado, junto ao palco, sempre foram a sua formação preferida, banda-sonora da sua vida na diáspora. 
 
Porque filho e pais estavam em casa, já que foi em Quarteira que Dino cresceu e onde pai e mãe ainda vivem. De tal forma que, quando subiu ao palco, a primeira coisa que disse foi que aquele momento era como se fosse a sua primeira vez. E depois existe toda a ressonância universal. 
 
Os Tubarões são lendários, continuando a deter, depois de várias reencarnações, um papel central na música do arquipélago, uma espécie de memória viva do que foram os anos pré e pós-independência, funcionando os seus concertos, principalmente, nos anos 70 e 80, como correia de transmissão política. Uma espécie de noticiário ao vivo dos anseios das populações das ilhas. 
 
E depois, claro, porque estamos a dias de se assinalarem os 50 anos da independência de Cabo Verde (5 de Julho) e o ano passado se assinalou o centenário da figura política mais marcante do arquipélago – Amílcar Cabral. Por último, porque existe naquela região algarvia, uma forte comunidade africana de língua portuguesa, e era também um encontro de gerações: se Os Tubarões foram figuras artísticas-politicas nas fases capitais da história de Cabo Verde, nos últimos anos, em Portugal, Dino tem tido um papel nuclear de afirmação sociocultural e política. 
 
Durante a tarde, em Quarteira, à conversa com ele e com os membros mais veteranos de Os Tubarões, era isso que era realçado. Para o próprio Dino era uma reconciliação. Ele, nascido em Portugal, hoje diz-se detentor de duas nacionalidades, tendo nos últimos anos pacificado isso dentro de si, porque percebeu – emocionalmente – que em vez de subtrair é possível somar. 
 
A burocracia, e as sociabilidades, passam o tempo a requerer-nos uma escolha. E ele escolheu. É de Quarteira, Porto, Lisboa – as cidades onde foi crescendo, e aquela onde tem vivido na última década – de Portugal e de Cabo Verde, onde agora regressa assiduamente e se tornou porta-voz. 
 
Tudo isso estava em jogo na noite de sábado. Eram muitas histórias em cima daquele palco. Minutos antes, nos bastidores, uma onda Cabo-Verdiana, com o ministro da cultura Augusto Veiga presente, tomou conta dos acontecimentos. Só podia dar uma emoção tremenda. E deu. 
 
Os Tubarões tocaram, primeiro, quatro ou cinco canções, de forma solitária, e depois deu-se o encontro, com algumas dos temas mais emblemáticos e politizadas do grupo, perante a multidão que encheu por completo o espaço. Quando se ouviram os primeiros acordes de “Djonsinho Cabral”, a canção que imortalizou a figura homenageada na canção, que completou 102 anos há semanas, as gargantas libertaram-se, os corpos balançaram e a festa prometida aconteceu.  
 
No final, claro, ouviu-se “Labanta brasu”, hino de resistência e celebração da liberdade, evocando o espírito de luta essencial para a independência de Cabo Verde há 50 anos, e para o 25 de Abril de 74 em Portugal. Os braços, com os punhos fechados, ergueram-se e gritou-se em crioulo, “Labanta brasu bu grita bo liberdadi” (“Levanta o braço e grita tua liberdade”). 
 
Foi aí que o pai de Dino, até aí sentado, sempre na sua quietude pela idade e saúde, se levantou, sem grande alarido, quase sem ninguém dar por nada, mexendo o corpo e erguendo também ele o braço. Nem consigo imaginar o turbilhão, aquela canção, aquele grupo, e agora também do seu filho, a sua vida, e a nossa, as lutas, as tensões, os momentos de encontro e de desencontro, a passarem por ele, encapsuladas naquele instante. Há noites que nunca mais se esquecem.