Reserva Violada - Quando o Betão vale mais do que a Natureza | Por que se cria uma reserva natural para três meses depois, autorizar um hotel no seu interior?

17:00 - 21/06/2025 OPINIÃO
Nuno Vaz Correia | Licenciado em Comunicação | nunovazcorreia@gmail.com

Não estou contra o turismo. Muito pelo contrário: o turismo é parte essencial da identidade económica do nosso concelho. Mas é preciso definir limites. E estes foram ultrapassados à vista de toda a população.

O concelho de Loulé, onde se encontram as maiores jóias do litoral algarvio, orgulha-se - e com razão - da sua aposta em políticas ambientais, do investimento na mobilidade sustentável à criação de zonas protegidas. Mas esta narrativa cai por terra quando confrontada com a realidade: a (bem) recém-criada Reserva Natural da Foz do Almargem e Trafal, em Quarteira, foi “protegida” num dia… e violada no seguinte. O atual executivo da Câmara Municipal de Loulé autorizou, três meses após a sua criação, a construção de um aparthotel e 377 lugares de estacionamento dentro da área protegida. Tudo em nome dos chamados “direitos adquiridos”.

Sim, direitos adquiridos. Aquela fórmula mágica que permite ignorar alertas científicos, desconsiderar a erosão galopante da costa e fechar os olhos à destruição de ecossistemas frágeis. Com um simples despacho administrativo, esvazia-se de sentido uma reserva que deveria ser um bastião de preservação natural. A mesma que, ironicamente, é hoje promovida nos materiais turísticos do concelho como exemplo de sustentabilidade.

 

Pergunta-se então: onde estão as prioridades?

O atual presidente da Junta de Freguesia de Quarteira, Telmo Pinto (PS), lamentou publicamente os efeitos da erosão e o atraso de mais de quatro anos na reposição de areias. Denunciou que o mar galgou a duna do Forte Novo e que o risco de derrocada era real. Pediu à Agência Portuguesa do Ambiente (APA) uma intervenção urgente. Mas não explica como, sendo ele um autarca de proximidade e agora candidato à presidência da Câmara, deixou passar a autorização de um projeto turístico colado ao mar, dentro de uma área sensível, recém-protegida. Telmo Pinto não pode ignorar que foi sob o seu mandato, e do PS na autarquia, que se autorizou construção na reserva natural.

Também Hélder Martins, presidente da AHETA e candidato do PSD, permanece em silêncio. Como representante do setor turístico, seria legítimo esperar que defendesse um modelo sustentável para o Algarve, capaz de conjugar desenvolvimento com responsabilidade ambiental. Mas até agora, nem uma palavra sobre o impacto de construções em cima de arribas frágeis, zonas húmidas ou terrenos ameaçados pela subida do nível do mar. Sendo um dos líderes do setor hoteleiro no Algarve, o mínimo que se esperaria seria uma posição pública sobre o equilíbrio entre turismo e ambiente - especialmente quando se constrói em cima de dunas e ribeiras protegidas - no concelho de Loulé onde se candidata pelo PSD à presidência da autarquia.

 

Será esta a visão de futuro que se propõem oferecer ao concelho?

A verdade é que a proteção ambiental em Loulé parece ser apenas um selo de marketing - uma linha num plano estratégico ou um ponto num comunicado de imprensa. Porque quando se trata de escolher entre os interesses imobiliários e o bem comum, a balança continua a inclinar-se sempre para o lado do betão.

E o preço? Esse será pago pelas próximas gerações. Com menos biodiversidade, menos praias, menos equilíbrio ambiental. E com mais prédios, mais carros e mais riscos. O clima está a mudar. O mar avança. As fontes da Ribeira do Almargem voltaram a correr neste Inverno excecionalmente chuvoso - um lembrete da força e da imprevisibilidade da natureza. Mas nem isso parece incomodar os decisores políticos, numa total ausência de planeamento de longo prazo e de coragem política para enfrentar os interesses instalados.

É por isso que devemos exigir mais do que promessas, comunicados ou declarações politicamente corretas, mas inconsequentes. Exigimos respostas claras dos candidatos à Câmara Municipal de Loulé. Telmo Pinto e Hélder Martins devem dizer aos cidadãos, com transparência, qual é o modelo de desenvolvimento que defendem: um concelho que preserva o seu património natural ou um concelho que o sacrifica por rendimentos de curto prazo?

Não basta pintar o futuro de verde nas brochuras. É preciso assumir responsabilidades, proteger o que ainda resta e parar com a farsa dos “direitos adquiridos” como desculpa para destruir o que declararam proteger.

A natureza merece respeito e os eleitores do concelho de Loulé merecem saber, antes de votar, quem está verdadeiramente disposto a escolher o lado certo da história…