Cadastro predial com novas regras: qual o impacto no imobiliário?

12:18 - 20/05/2025 ECONOMIA
Com o novo decreto-lei, a georreferenciação deixa de ser um pré-requisito para poder avançar com negócios e outros atos jurídicos.

Entrou em vigor uma nova lei que simplifica a venda e compra de imóveis que ainda não têm cadastro completo — uma exigência que, até agora, dificultava ou travava muitas transações. Com o novo decreto-lei, já não é preciso fazer certos procedimentos técnicos antes de avançar com escrituras ou outros atos jurídicos. Em causa está a eliminação da “obrigatoriedade de operação de execução simples prévia”. Explicamos o que está em causa com a ajuda de especialistas jurídicos.

"Durante anos, o cadastro predial foi um entrave silencioso no desenvolvimento do mercado imobiliário português. Menos visível do que a inflação dos preços ou os atrasos nos licenciamentos, mas com um impacto direto na concretização de negócios e na segurança jurídica das transações. Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 16/2025, essa realidade começa, finalmente, a mudar — e com efeitos práticos imediatos", começa por explicar Margarida Rocha Duarte, Advogada Associada do Departamento de Direito Imobiliário da André Miranda Associados, neste artigo preparado para o idealista/news. 

O Decreto-Lei n.º 16/2025, de 18 de março, elimina a "obrigatoriedade de realizar a operação de execução simples previamente aos atos jurídicos que incidam sobre prédios não cadastrados que tenham ficado em situação de cadastro diferido ao abrigo do regime de cadastro predial experimental".

A alteração legislativa em causa prende-se a uma matéria técnica, mas com efeitos muito concretos: a extinção da obrigatoriedade de realizar, previamente, a operação de execução simples de cadastro predial para atos jurídicos relativos a prédios em situação de cadastro diferido, nomeadamente nos concelhos integrantes do projeto-piloto de cadastro predial experimental (como Loulé, Penafiel, Tavira, Seia e Oliveira do Hospital).

Mais do que uma mera simplificação burocrática, esta mudança representa o desbloqueio de um conjunto de imóveis que, até aqui, se encontravam à margem do mercado funcional. Durante meses, dezenas de transações ficaram suspensas por força de uma exigência legal cuja execução era, na prática, inviável – já que a plataforma informática necessária à operação de execução simples nunca chegou a estar disponível.

O Regime Jurídico do Cadastro Predial (RJCP), em vigor desde 2023, estabelecia que imóveis não cadastrados — ou, não inscritos na Carta Cadastral — apenas poderiam ser objeto de venda, divisão, hipoteca ou outro ato jurídico após prestada uma operação de execução simples, procedimento que exigia a georreferenciação do prédio. Em teoria, esta exigência servia um propósito legítimo: garantir a correspondência entre a realidade física do prédio e os registos legais. Na prática, o bloqueio foi total. 

Com a entrada em vigor do novo Decreto-Lei n.º 16/2025, esse impasse é resolvido. Ao abolir a obrigação de forma clara e inequívoca, os atos jurídicos relativos a edifícios em regime de cadastro diferido podem, a partir de 2025, continuar sem operação prévia. Esta simplificação adotada tem reflexos imediatos. Os negócios pendentes podem agora concretizar-se, e a normalidade volta a áreas que vinham a ser prejudicadas pela rigidez do regime anterior. 

Para os investidores e promotores, isto traduz-se em:

  •  i) Redução dos prazos de transação, com impacto direto na rentabilidade dos projetos;
  • ii) Diminuição dos riscos jurídicos e das incertezas associadas a formalismos impraticáveis;
  • iii) Maior previsibilidade nos processos de aquisição, especialmente em zonas com forte procura residencial e turística.

Importa ressalvar que a representação georreferenciada dos prédios mantém a sua utilidade — nomeadamente nos casos em que há fracionamento, imposição de ónus ou alteração da configuração física do imóvel. Contudo, deixa de ser uma condição obrigatória para que o negócio possa concretizar-se, passando a constituir um dever autónomo e não suspensivo. A Direção-Geral do Território confirmou, em nota oficial, que não existe obstáculo legal à celebração de atos jurídicos sobre prédios em cadastro diferido, desde que respeitados os demais deveres legais e de registo exigidos.

Mais do que uma correção técnica, esta alteração legislativa é um indício de maturidade do legislador, que reconhece que as obrigações legais só são eficazes quando acompanhadas de meios necessários ao seu cumprimento. Ao eliminar um entrave que se revelou, na prática, impossível de ultrapassar, o Estado devolve ao setor imobiliário a celeridade e a previsibilidade de que este precisa para funcionar de forma eficiente.

Num setor onde cada detalhe pode ser a diferença entre o sucesso ou o fracasso de um investimento, a simplificação do regime cadastral passa a ser adotada como uma peça-chave para desbloquear operações, atrair capital e reforçar a confiança no ordenamento jurídico. Ao remover barreiras que, durante demasiado tempo, limitaram a dinâmica do mercado, o Decreto-Lei n.º 16/2025 ajuda a contribuir para um ecossistema imobiliário mais ágil. Esta evolução legislativa não só corrige uma disfunção estrutural, como também lança os alicerces para um desenvolvimento territorial mais harmonioso, permitindo que projetos de pequena e grande escala avancem com maior segurança e previsibilidade. 

 

Cadastro predial incompleto? Negócios podem continuar

Para quem não é jurista nem técnico especializado, esta alteração legal pode parecer densa — mas o seu impacto é bastante direto. Se tem um imóvel numa zona onde o cadastro predial ainda não está completo, pode agora vendê-lo, doá-lo ou fazer outro tipo de negócio jurídico sem ter de esperar por procedimentos técnicos complexos que antes bloqueavam tudo.

A obrigatoriedade de desenhar o imóvel num mapa oficial com coordenadas geográficas — a chamada representação georreferenciada — continua a ser importante, sobretudo quando há fracionamentos, alterações à configuração do terreno ou constituição de ónus. No entanto, essa exigência deixa de ser um pré-requisito para poder celebrar o negócio, o que evita que propriedades fiquem paradas indefinidamente por questões puramente administrativas.

No fundo, esta alteração legal liberta o mercado de um bloqueio prático, permitindo que imóveis que estavam, até agora, fora do circuito transacional possam finalmente ser mobilizados. Garante-se, assim, maior fluidez, confiança e previsibilidade — não apenas para quem compra ou vende, mas também para quem gere, investe e planifica o território. Trata-se de uma medida com efeitos reais e imediatos, que aproxima o direito da realidade do terreno — em todos os sentidos.

 

Idealista News