Paulo Freitas do Amaral, Professor, historiador, autor e Secretário-Geral da Nova Direita
Portugal vive um cansaço político que é mais profundo do que a mera alternância de partidos. É um cansaço de fundamentos. Um desgaste da própria ideia de projeto nacional. No meio da fragmentação ideológica e do vazio estratégico, torna-se cada vez mais urgente reconstruir o espaço político do centro – não como equidistância táctica entre extremos, mas como espaço ético e doutrinário, com raízes e com futuro.
Essa foi, aliás, uma das grandes lições que aprendi com o meu primo, Diogo Freitas do Amaral, figura incontornável da fundação da nossa democracia. Homem de cultura, jurista de excelência e estadista por vocação, dizia com clareza:
"Uma democracia sem doutrina acaba por ser uma sucessão de táticas."
Freitas do Amaral compreendeu, desde cedo, que a democracia portuguesa não poderia ser construída apenas à esquerda. Era necessário oferecer uma alternativa humanista, moderada, inspirada nos grandes valores da tradição europeia da democracia cristã. Assim nasceu, em 1974, o CDS – não como um apêndice conservador, mas como um partido doutrinário, firmemente ancorado nos princípios da dignidade da pessoa, da justiça social, da economia ao serviço do homem, da liberdade com responsabilidade.
Essa visão não era confessional. Era profundamente política. Como ele próprio escreveu:
“A democracia cristã não é o braço político da Igreja. É uma doutrina autónoma, com raízes cristãs, mas vocação laica e universal.”
Infelizmente, essa herança foi, ao longo dos anos, sendo distorcida, negligenciada e, por fim, abandonada por muitos dos que herdaram o partido que ele fundou. O CDS desviou-se da sua matriz personalista e solidária, confundindo-se ora com o neoliberalismo económico, ora com radicalismos identitários. Esqueceu que o centro não é o lugar do vazio, mas o lugar da exigência, da prudência, da responsabilidade social e da coragem moral.
É tempo de recuperar esse legado. De reencontrar o centro como espaço doutrinário de síntese e de governo. E para isso, temos de voltar aos fundamentos. A Doutrina Social da Igreja, à qual Diogo Freitas do Amaral recorreu sem complexos, oferece ainda hoje uma base segura e coerente para essa reconstrução: a pessoa humana como fim e não como meio, a política como serviço ao bem comum, o mercado como instrumento e não como soberano, a solidariedade como princípio organizador da sociedade, a subsidiariedade como método, e a ecologia integral como horizonte.
Não se trata de restaurar nostalgias. Trata-se de afirmar um projeto novo, centrado na justiça, na liberdade e na dignidade, capaz de enfrentar os desafios concretos que Portugal hoje vive: a desertificação do interior, a crise da habitação, o colapso demográfico, a exclusão dos jovens, a alienação cultural, a degradação da ética pública.
Diogo Freitas do Amaral dizia:
"A política é a arte de servir. E quem serve, não mente, não trai e não foge."
Este princípio deve guiar uma nova geração de dirigentes que não procurem o centro como disfarce, mas como vocação.
O centro que proponho não é o do marketing político. É o centro da doutrina e da ação, da ideia e da obra. Um centro com memória e com visão. Um centro que recusa tanto o autoritarismo do Estado como o cinismo do mercado. Um centro que acredita que a liberdade só é real quando acompanhada pela justiça.
Portugal não pode continuar prisioneiro da espuma dos dias. O país precisa de reencontrar um projeto, uma ética e uma esperança. E isso só será possível se formos capazes de reconstruir o centro – o verdadeiro centro –, com ideias claras, valores firmes e sentido de missão.
No interior de cada partido também se travam estas batalhas silenciosas: entre o ruído e a razão, entre o imediatismo e a visão, entre a tentação de endurecer posições e a responsabilidade de governar com equilíbrio. É nesses momentos que as convicções ganham peso – e quem defende o centro com seriedade, responsabilidade e doutrina, terá sempre um papel a desempenhar no seu reencontro.
Num tempo em que tantos desistem da política por desilusão ou excesso de ruído, continua a ser possível servir com ideias, com moderação e com responsabilidade. Acredito que é nesse espírito – e com esse compromisso – que o centro político pode reencontrar o seu lugar. E se o percurso pessoal nos ensina alguma coisa, é que vale a pena insistir no essencial: pensar antes de agir, unir em vez de dividir, construir em vez de gritar. Portugal merece esse esforço.