Por: Padre Carlos Aquino | effata_37@hotmail.com
Caríssimas Pombas, estimadas irmãs,
Caminhais pelo chão como quem esqueceu que tem asas, bicando farelos do mundo com a mesma dignidade com que, mais tarde, flanais nos céus da cidade. Andais aos pares, mas também sabeis voar sozinhas. Sois, talvez, mais humanas do que gostaríamos de admitir. Há quem vos chame de pragas, sujeiras aladas, ratos com penas. Mas há algo de injusto nesse desprezo. Viveis onde há sobras, onde a pressa das ruas larga migalhas, mas é dessas migalhas que construis os vossos dias. Não tendes pátria, mas conheceis bem os telhados. Sois cidadãs do mundo, com um endereço que muda conforme o vento. Talvez o que nos incomode em vós não seja a sujeira, mas o espelho. Sois resilientes, insistentes, e carregais na plumagem um certo cansaço urbano.
Como as pessoas, viveis em bandos, mas sois solitárias nos pensamentos. Nas praças, enquanto o mundo gira em celulares e fones de ouvido, dançais a vossa coreografia esquecida, um balé de bicos e passos miúdos. Observais tudo com olhos de quem já viu demais, sentinelas do banal, testemunhas do quotidiano. Mas, sois vistas também atravessando séculos, fronteiras e religiões como símbolo da paz, brancas, carregando um ramo no bico. Mas a paz, como uma pomba, é difícil de manter limpa no meio da cidade. Ainda assim, persiste. Se as pombas falassem, talvez nos contassem o que esquecemos: que mesmo os pés no chão não impedem o voo. Que viver, às vezes, é só continuar bicando o dia até que venha a noite. E que, por mais que o mundo nos enxote, sempre haverá um fio de luz na beirada do telhado. Sempre que uma pomba branca cruza o céu, há um instante, breve, quase impercetível, em que o mundo parece parar. As guerras continuam, é certo.
As discussões não cessam, os muros não desabam sozinhos. Mas aquele instante em que as asas batem no ar limpo traz consigo uma promessa antiga: a promessa de paz. Como não recordar o relato bíblico do dilúvio, onde uma pomba traz o ramo de oliveira e anuncia que a terra voltou a respirar. Desde então, ela voa sobre bandeiras, murais, discursos, como um lembrete constante daquilo que a humanidade deseja e, paradoxalmente, tantas vezes sabota: a harmonia. Mas porquê uma pomba? Por que não outro animal, mais forte, mais veloz? Talvez porque a paz não precise de força bruta. Precisa de leveza, ternura, simplicidade. Precisa de um voo sereno, de um pousar suave. A pomba não impõe, sugere.
Não grita, murmura. E talvez seja por isso que tão poucos a ouvem. Num mundo onde a paz se tornou, muitas vezes, um intervalo entre conflitos, a pomba resiste como um ideal. Voa sobre os campos de batalha imaginários da política, das redes sociais, das cidades divididas. Voa, mesmo sabendo que talvez ninguém a veja. Mesmo sendo, às vezes, confundida com uma simples ave urbana, ignorada entre migalhas no passeio. Mas há crianças que ainda desenham pombas nas escolas. Artistas que as pintam em muros rachados. Poetas que as soltam em metáforas. E enquanto isso acontecer, talvez ainda haja futuro. Porque a pomba, com a sua simplicidade desarmada, continua a lembrar-nos de que a paz não é um grito de vitória, mas um sussurro de entendimento, de harmonia e de esperança.