O atraso da Primavera

11:00 - 26/04/2025 OPINIƃO
Joaquim Bispo, escritor diletante, http://vislumbresdamusa.blogspot.com/
Certo ano, há muito tempo, passara março, abril ia adiantado e nem sinais da Primavera.
O Verão, temendo pela eclosão das flores, muniu-se de uma coroa de raios solares e foi falar com o Outono. Este, pôs pelos ombros uma ampla capa de folhagem castanha e sugeriu que procurassem o Inverno. Ao fim de uns dias, chegaram às cavernas onde ele morava.
Estava ao fundo de uma galeria, com o seu manto de nuvens negras, acionando o enorme fole que soprava os ventos agrestes.
- Inverno! - bradou o Verão, já viste a Primavera este ano?
O visado virou-se lentamente e mirou os visitantes por baixo das sobrancelhas nevadas.
- Não te abespinhes, Verão! A pobrezinha está lá dentro, deitada.
- O que lhe fizeste, perverso? - a coroa do Verão faiscava.
O Inverno juntou uns cavacos e acendeu uma fogueira.
- Esqueces-te que é minha filha? - murmurou, enquanto lhes servia um ponche quente.
O Outono, mais cordato, sorveu um trago e indagou:
- Mas, que se passa com ela para deixar assim as plantas e os animais em completa desorientação?
- Passou férias no outro hemisfério e parece que conheceu lá um galã sul-americano - um tal a quem chamam El Niño. Vinha exausta e toda alvoroçada. Achei melhor ela descansar uns dias.
Quando o Inverno se afastou, o Verão comentou:
- Acho incrível que a menina tenha ficado no bem-bom, e que o papá ainda ache que a filhinha precisa de descansar. Não é espantoso?
- Claro! Ou bem que se assumem compromissos ou não!
Pouco depois, entrava a jovem, deslumbrante num vestido de pétalas de amendoeira e uma tiara de flores amarelas de giesta, que acentuavam o azul celeste dos olhos.
- Oh, que queridos! Preocupados por minha causa! Fiz falta?
Afastada a crispação, a Primavera, de asas brancas, elevou-se nos ares. As nuvens negras dissiparam-se, o céu azul apareceu e o sol beijou os prados, os pomares e os bosques. Do alto, tombavam poalhas de todas as cores, os talos tocados lançavam rebentos que se abriam em folhas e flores. Cheiros adocicados flutuavam ao sabor da brisa. Nuvens de abelhas, besouros e gafanhotos cruzavam os ares em azáfamas surpreendentes. Passarada de todos os tamanhos e cores revoluteava a alimentar-se, a acasalar, a construir ninhos. Os seus chilreios misturavam-se com as cegarregas de grilos e cigarras e o coaxar das rãs. Atrasada, mas fulgurante, tinha chegado a Primavera.