Entrevista | Paleontólogo Octávio Mateus explica porque fósseis encontrados em Salir são dos mais importantes achados do País

10:36 - 10/04/2015 LOULÉ
Especializado em Paleontologia de Vertebrados Fósseis, Octávio Mateus, de 40 anos e natural da Lourinhã, é professor de Paleontologia na Universidade Nova de Lisboa e colaborador do Museu da Lourinhã de longa data. Atualmente, faz parte da equipa que se encontra a estudar, em laboratório, os fósseis recolhidos em escavações realizadas em Salir, onde foi encontrada uma nova espécie de anfíbio, o Metopossaurus Algarvensis. Octávio Mateus explica-nos qual a importância deste achado e o impacto do m

A Voz do Algarve – O que motivou as escavações neste território? Foi a primeira vez que se fizeram escavações  em Salir?

Octávio Mateus – Segundo tenho conhecimento foi a primeira vez que houve escavações propriamente ditas naquele território. Já tinham havido algumas recolhas de fósseis, mas uma escavação assim de maior porte penso que foi a primeira vez.

 

V.A. – Porque foi escolhido o território de Salir? Explique-nos um pouco melhor como é feita a seleção do território onde são feitas as escavações.

O.M. – Nós temos cartas geológicas, um género de mapas, que nos dizem as características das rochas existentes em cada região. Nessas cartas procuramos rochas com a idade e o ambiente sedimentar certo, e a presença de ossos, claro. Inicialmente faz-se uma prospeção, isto é, procuram-se vestígios de algum osso que nos indique a existência de fósseis, e quando se descobrem esses fósseis começamos a escavação para fazer a recolha. Neste caso em particular, o Algarve, e Salir é um dos sítios mais produtivos neste campo, tem rochas do Triásico, que são rochas com 200 milhões de anos, e uma boa parte delas com potencial de se descobrir ossos de anfíbios.

 

V.A. – Quando foram iniciadas as escavações em Salir?

O.M. – Neste momento já não estamos no terreno há cerca de 2 anos. As primeiras visitas foram realizadas no ano 2009, quando fizemos várias campanhas de Verão, ou seja, fomos ao terreno procurar vestígios que justifiquem a escavação. Posteriormente, em 2010 e 2011, fizemos escavação e desde então tem sido sobretudo trabalhos de laboratório que são muito extensos.

 

V.A. – Voltarão a haver escavações em Salir?

O.M. – Agora, imediatamente, não. Mas no futuro, por ventura... Agora há muito trabalho a fazer em laboratório. Gostaríamos de perceber exatamente como é toda a anatomia do corpo deste Metopossauro. Até aqui descrevemos, sobretudo, a região do crânio e a mandíbula, e queremos saber agora como eram as vértebras, os membros, a cauda, todo o resto do corpo. E temos material para isso! Além disso, queremos também perceber a razão porque estes anfíbios morreram todos no mesmo local. Admitimos que fosse um lago, mas isso é preciso ser tudo provado e testado tanto em laboratório como em trabalho de campo. Há ainda uma série de questões que se levantam a que queremos dar resposta. Posso dizer que esta jazida tem potencial para trabalhar durante os próximos dez anos.

 

V.A. – Encontraram o que esperavam? Ou foram surpreendidos pela descoberta?

O.M. – Nós esperávamos encontrar alguns anfíbios como este, sim, mas não com a qualidade que acabámos por encontrar. Isto superou largamente as nossas expectativas, pela qualidade e quantidade dos próprios fósseis, que são muito completos, muito bem conservados. Encontramos uma concentração de três crânios por metro quadrado, alguns deles completos, o que é absolutamente extraordinário e uma mais-valia desta jazida.

 

V.A. – Além do Metopossaurus Algarvensis, foram encontradas outras espécies novas nesta jazida?

O.M. – Descobrimos duas espécies, o Metopossaurus Algarvensis e um predador do grupo dos Fitossauros, cuja espécie ainda está por descobrir. Os resultados sobre o Fitossauros já foram divulgados para a comunidade científica, mas é muito mais incompleto e por isso não teve o destaque que tem agora este Metopossaurus Algarvensis, cuja qualidade da preservação e da articulação dos esqueletos é excelente e invulgar, dai que seja tão importante, assim como por se tratar de uma nova espécie para a ciência. 

 

V.A. – O que permitiu essa qualidade de preservação?

O.M. – É uma questão geológica. Preservou em argilas muito finas e relativamente estáveis, pouco perturbadas por fatores tanto bióticos como abióticos, e isso fez com que estes esqueletos se conservassem até à data.

 

V.A. – Que conhecimentos novos sobre a história do Algarve nos traz esta descoberta?

O.M. – Isto conta-nos uma história muito interessante sobre a abertura do Atlântico. Há cerca de 220 milhões de anos, aproximadamente, existia um super-continente que se chamava Pangeia, e não existia Atlântico. Depois, com a abertura do Atlântico, há cerca de 200 milhões de anos, houve uma grande extinção em massa. Tudo isso está marcado nos registos geológicos, ou seja, no tipo de rochas de todo o Algarve. As pedras avermelhadas do Castelo de Silves, por exemplo, são da mesma idade dessa Pangeia e da mesma idade deste anfíbio primitivo Metopossauros Algarvensis. Portanto aos estarmos a estudar estes anfíbios, estamos também a compreender a geologia e as próprias rochas do castelo de Silves e a idade que elas terão. Podemos, com alguma precisão, dizer que terão cerca de 220/228 milhões de anos, o que até à data não era possível dizer com esta precisão. Já sabíamos que era da altura do Triássico Superior, mas não podíamos ir muito além disso. Agora temos dados um pouco mais precisos, que nos permitem afinar essa data geológica.

 

V.A. – A nível nacional, ou mesmo internacional, qual a importância da descoberta desta  nova espécie?

O.M. – O Metropossauros Algarvensis é uma nova espécie de um género já conhecido. Mas, seja como for, cada vez que descobrimos uma nova espécie, adicionamos mais uma peça do puzzle do conhecimento e isso é, sem dúvida, muito importante. Queremos compreender como é que os anfíbios atuais, por exemplo, se relacionam com esta espécie, como é que os anfíbios atuais evoluíram... e isso é possível através de descobertas como esta. Além disso, este é, em Portugal, um dos vertebrados fósseis mais antigos, e isso aumenta a riqueza paleontológica do País, o que é muito interessante para Portugal em termos de Património. Por sua vez, em termos globais, isto vai ajudar-nos a contribuir para a compreensão da geologia do Triássico e da evolução deste grupo de animais.

 

V.A. – Qual o interesse e riqueza do território de Portugal, e mais especificamente do Algarve, para a história geológica?

O.M. – O Algarve era relativamente desconhecido nesta matéria. Esta é claramente uma das mais importantes descobertas no Algarve até à data. Existem alguns dados raríssimos de pegadas de Dinossauro, ossos… mas desta idade temos pouquíssimos vestígios fosseis do Triássico. Este foi dos primeiros, com tão boa qualidade, que podemos reportar para o Algarve e para o País. Esta jazida irá diretamente para o top cinco das jazidas mais relevantes do País e coloca, não só o Algarve na rota da Paleontologia Nacional, mas também fortalece a presença de Portugal nessa rota. Portugal é, sem sobra de dúvidas, absolutamente extraordinário no que respeita a vertebrados fósseis do Mesozóico, o tempo dos Dinossauros. E o Algarve tem um grande potencial. Eu gostaria de ver mais trabalho científico no Algarve e gostaria de ver também as Câmaras Municipais com um papel mais relevante nesta área. Mas  não estou a dizer isto em jeito de crítica, de modo algum, estou muito satisfeito com o apoio das Câmaras Municipais de Loulé e de Silves e da Junta de Freguesia de Salir, contudo eu acho que esta área merece mais apoio, não só das câmaras, mas também do Estado. A verdade é que a ciência em Portugal tem poucos apoios e a Paleontologia não é diferente. 

 

Por Verónica Chapuça