PALAVRAS DE FOGO: DESAFIO PARA UM RENASCER | REMEMORAR!

09:05 - 19/03/2023 OPINIƃO
Por: Padre Carlos Aquino | effata_37@hotmail.com

“E porque não também perguntar, de vez em quando: “E se eu fosse ela? Ou ele? Ou eles?” Pôr-se por momentos, no lugar do outro, e até mesmo na sua pele, não para atravessar o rio nem “para renascer”, apenas para entender e sentir o que lá há: o que há do outro lado do rio?” (Amos Oz)

A celebração do Dia Internacional da Mulher do passado dia 8 deste mês e do Dia Europeu das vítimas do terrorismo, no dia 11, fez-me encontrar e saborear neste tempo e nesta cultura da globalização da indiferença e do descarte, onde campeiam cada vez mais a violência e a intolerância, estas apelativas palavras do grande escritor israelita, cofundador na década de 1970 do movimento pacifista “Shalom Akhshav”.

Na verdade, urge dedicar mais tempo a entender e a sentir o que há do outro lado do rio, na pele e na carne do outro, pisar o seu chão, seja ele um homem, uma mulher, uma criança, um velho, alguém fragilizado, uma vítima. Urge fazê-lo sem indiferença. Com um olhar compassivo e um coração disponível. Porque é a partir do outro, ainda que imerso na sua nudez que melhor nos vemos, o seu olhar permite-nos entrar na profundidade da nossa própria realidade, pois como sabemos é na pupila do olho do outro que o nosso olho é sempre visto. E importa ver para não soterrarmos a verdade mais profunda do que somos e são os outros, da nossa comum e inquebrantável dignidade, os nossos e seus direitos, a defesa da justiça, da igualdade, da fraternidade.

Urge que reaprendamos a memória do percurso da nossa existência, reaprendamos a nos olharmos defronte, semelhantes, como projeto inicial e divino de felicidade. Há ainda tanto a fazer pela hospitalidade do tesouro da vida e no sentido de a garantir a todos na sua inefável dignidade e valor.

Dizem-nos feridas pelo seu silêncio ou no seu grito lacerante, todas as mulheres vítimas de violência física ou psicológica, as que são instigadas ao medo e humilhadas; dizem-nos desprezados e maltratados todos os que acabam por perder a própria vida em ataques terroristas, as vítimas da injustiça e da soberba. Há ainda tanto a fazer pelo recuperar a sensibilidade à vida, passar do desejo à realidade desse longo e inocente olhar que nos assombre e espante perante o seu mistério.

Purificar e ampliar a atenção, a escuta de tantos corações dilacerados. Não somos humanos sem nos relacionarmos com a realidade à qual tantas vezes somos indiferentes ou silenciamos. Encontro-me a mim mesmo, quando faço de mim outro e no outro me confronto. Quem ama sempre procura, preocupa-se, cuida, protege, renuncia a si mesmo para na doação de si mesmo fortalecer, dar sentido e vida. Precisamos de descobrir a gramática do amor, aprendendo a morar no outro, como caminho que conduz à esperança, vencendo tanto olhar preconceituoso e a insensatez, combatendo a atrofia dos sentidos, o cinismo de vidas vazias e intolerantes, que manipulam ou aniquilam. Importa que o rememoremos!