O BCE com as medidas que tomou pretende fazer recuar a inflação para níveis da ordem dos 2% a médio prazo

18:09 - 06/08/2022 OPINIÃO
André Magrinho, Professor universitário, doutorado em gestão | andre.magrinho54@gmail.com

A persistência de níveis elevados de inflação, em patamares que na Europa e nos EUA já não se faziam sentir há cerca de 30 anos,  cujas causas já tive ocasião de abordar neste jornal, em que destaquei os estrangulamentos de cadeias de abastecimento globais em áreas críticas, os choques simultâneos na oferta e na procura associados à COVID 19, e mais recentemente a invasão da Ucrânia às ordens de Putin, que também funciona como um indutor e acelerador da inflação, sobretudo no campo da energia, produtos agrícolas e fertilizantes, colocou novos desafios às autoridades monetárias, particularmente ao BCE-Banco Central Europeu e à “Federal Reserve - FED” dos Estados Unidos.

À semelhança dos EUA já se esperava que o BCE subisse as taxas de juro diretoras. Só não se tinha a certeza quanto ao aumento: se 25 pontos base ou 50 pontos base. Foi este último valor que veio a prevalecer.

Na verdade, com as economias sobreaquecidas haveria a possibilidade dos consumidores e as empresas passarem a balizar as suas antecipações de expetativas da inflação em níveis muito elevados e persistentes, alimentando uma espiral de salários-preços que não é desejável para as economias. Daí a necessidade de controlar a inflação com os instrumentos de política monetária que se dispõe, sendo na Europa, o BCE, a autoridade monetária para os países da zona EURO (19 países atualmente e em breve 20), como é o caso de Portugal.

Deste modo, as decisões do BCE do passado dia 21 de julho, aumentando a taxa de juro em 50 pontos base, quebram um ciclo de cerca de 8 anos de taxas de juro negativas, sendo igualmente o primeiro aumento das taxas de juro em 11 anos. O propósito é que a inflação recue de forma sustentável para níveis da ordem dos 2%, a médio prazo. E, para tanto, poderá o BCE voltar a aumentar as referidas taxas de juro diretoras, se assim se justificar.  

Ao mesmo tempo estão a ser retirados alguns dos estímulos que no contexto da crise económica e financeira internacional iniciada em 2009, que justificou a intervenção da troika em vários países, como Portugal, e depois durante a COVID 9, ajudaram a suster o EURO e a evitar que algumas economias mais endividadas e mais frágeis, definhassem.  

A questão critica em toda esta intervenção do BCE residia em saber se Christine Lagarde, atual presidente do BCE, teria a mesma disponibilidade para fazer tudo o que fosse necessário para defender o EURO, como fez o seu antecessor, Mario Draghi.

E isso não é nada despiciendo para países muito endividados e com economias mais frágeis, como Portugal, em que um aumento das taxas de juro poderia colocar em risco o financiamento externo e ter um impacto muito significativo no serviço da dívida.  Prevaleceu o bom senso e a razão por parte do BCE, de criar um novo instrumento, o IPT-Instrumento de Proteção da Transmissão, para assegurar a unidade da política monetária e evitar novas ameaças dos mercados financeiros em relação ao EURO.

De facto, com a intervenção do BCE para desinflacionar a economia, os juros da dívida pública, entretanto, já baixaram, além de que os prémios de risco (spreads) em relação à dívida alemã também já desceram, estando agora mais distantes do pico atingido em 14 de julho, quando o BCE se apercebeu que poderiam estar de novo a verificar-se sinais especulativos em relação ao mercado da dívida na zona EURO. No entanto, pode não ser suficiente, face ao crescente número de fatores de incerteza.