PALAVRAS DE FOGO: DESAFIO PARA UM RENASCER | UMA CASA PARA A VIAGEM

09:15 - 03/07/2022 OPINIÃO
Por: Padre Carlos Aquino | effata_37@hotmail.com

“Se o Senhor não edificar a casa, em vão se esforçam os construtores (…) Olhai! Os filhos são herança do Senhor” (Sl 127). Estas palavras de fogo atribuídas ao sábio Salomão iluminaram e arderam também o coração e a alma dos fundadores da Casa da Primeira Infância, a “Creche” de Loulé a celebrar 77 anos de existência. Duas mulheres, que a memória não permite esquecer, arrotearam terrenos para a sua edificação com a coragem, a perseverança e a resiliência dos profetas, vencendo as tribulações dum tempo profundamente marcado pelas sombras dos escombros da última Guerra Mundial: Maria José Soares Cabeçadas Ataíde Ferreira e Catarina Farrajota.

Uma casa que se foi edificando em muitas casas e nos fala de sonhos com sabor a Céu, cujos fundamentos se firmaram sempre na rocha firme do amor, da fé e da esperança. Uma casa onde a educação é um contínuo amar com verdade e lucidez a ensinar o Belo e o Bem. Uma casa de abraços e de sorrisos, habitada pela Palavra que não passa, que esconde tesouros selados no coração. Uma casa onde mora a liberdade e a Paz, a justiça e a fraternidade. Uma casa sempre em reconstrução para o tempo presente que se deseja de janelas e portas abertas ao futuro, que prepara para a viagem da vida desde o seu desabrochar. Com frequência e bem, entende-se a vida, como uma viagem.

Esta metáfora exprime caminhos a percorrer, variadas e partilhadas experiências, dinamismos de aprendizagens e progressão. Mas também desvios, enganos e recomeços, incertezas, necessidades e fome de esperança e do sentido que a vida comporta. Quem decide pôr-se a caminho tem no seu pensamento um destino e uma meta a alcançar. Através de todas as literaturas, a viagem simboliza uma aventura e uma procura, quer se trate de um tesouro ou dum simples conhecimento, concreto ou espiritual. O grande teólogo e escritor José Tolentino Mendonça escreve que a viagem “é uma etapa fundamental na descoberta e na construção de nós mesmos e do mundo. É a nossa consciência que caminha, descobre cada detalhe do mundo e tudo olha de novo como se fosse a primeira vez. A viagem é uma espécie de motor desse olhar novo. Por isso é capaz de introduzir na nossa vida e nos seus esquemas, na sua organização, elementos sempre inéditos que podem operar essa recontextualização radical que, com um vocabulário cristão, chamamos «conversão»”.

A viagem representa a aventura, a audácia, a descoberta, a renovação e a mudança. Permite-nos vencer a rotina e a estagnação, que bloqueiam o nosso crescimento e a maturidade. Esta é uma Casa para a viagem. Uma casa de família, de afetos e formação para as nossas crianças, dons e riqueza do nosso presente e luzeiros da esperança do nosso futuro. Uma viagem que desejamos fecunda e feliz. Uma casa onde se aprenda sempre a vida e o canto que estas palavras segredam: “Olha o sol que vai nascendo/ Anda ver o mar/ Os meninos vão correndo/ Ver o sol chegar./ Menino sem condição/ Irmão de todos os nus/ Tira os olhos do chão/ Vem ver a luz/ Menino pobre o teu lar/ Queira ou não queira o papão/ Há-de um dia cantar/ Esta canção/ Olha o sol que vai nascendo/ Anda ver o mar/ Os meninos vão correndo/ Ver o sol chegar/ Se até da gosto cantar/ Se toda a terra sorri/ Quem te não há-de amar/ Menino a ti/”. (Zeca Afonso).