Crónica da primeira «acometagem»

13:07 - 17/11/2014 ATUALIDADE
A passada quarta-feira, dia 12 de Novembro de 2014, não foi um dia qualquer. Muito pelo contrário, acolheu um acontecimento que já está na história da ciência e logo da humanidade: o robô File pousou na superfície do cometa 67P/Churiumov-Gerasimenko.

Foi a primeira vez na história da humanidade que tal foi tentado e conseguido. Depois de ter sido transportado até à órbita do cometa a bordo da sonda Roseta, numa viagem de 10 anos que terminou no passado dia 6 de Agosto de 2014, o pequeno File, autêntico laboratório científico, protagonizou o sonho de uma missão planeada à distância de 20 anos!

No dia 12, o File foi ejetado da sonda Roseta às 9h03 (hora portuguesa) e percorreu cerca de 22,5 km até à superfície do cometa. Depois de uma descida de sete horas, o sinal a confirmar o sucesso chegou à Terra às 16h03.

Quão difícil foi a “acometagem”? Tenha o seguinte em consideração: o cometa, a cerca de 511 milhões de km da Terra, estava a mover-se a mais de 15 km/s, rodopiando, expelindo gases e dando as boas-vindas ao File com uma superfície acidentada e efetivamente desconhecida! A lenta descida foi efetuada sem navegação ativa, funcionando as leis da física, principalmente a da atração gravítica entre o File e o cometa.

Contudo, a descida do File não correu exatamente como planeado. O cometa tem uma gravidade muito fraca: na Terra o File pesava 100 kg, enquanto que no cometa só pesa 10 g (cerca de um pacote de açúcar)! A velocidade de escape ronda os 0,5 m/s (a velocidade a que um objeto se tem de mover para escapar à gravidade da Terra é igual a 11,2 km/s). O File aterrou ao dobro daquela velocidade, pelo que os ressaltos ocorreram. Os dados enviados mostraram que o File ressaltou duas vezes! Só à terceira vez é que ele se imobilizou na superfície do cometa!

O primeiro impacto fê-lo voltar para o espaço e viajar durante uma hora e 50 minutos a uma velocidade de 38 cm/s. Depois, voltou a tocar no cometa e deu um segundo salto bem mais pequeno: voou durante sete minutos, a 3 cm/s. Sete minutos depois, finalmente, pousou no local que se vê na fotografia.

O File não está no local desejado, designado como Agilkia. Os cientistas ainda não sabem exatamente onde está, mas pensam ficou a 1 km do local inicialmente escolhido. Os cientistas também revelaram que uma das três pernas não está no chão. O File está por isso numa posição inclinada e parcialmente à sombra. Em Agilkia esperavam-se sete horas de luz solar, a fim de recarregar a bateria secundária do File e assim prolongar a sua missão científica. No local onde se encontra, o File recebe cerca de hora e meia de luz (a cada 12 horas), o que reduz as hipóteses de uma missão mais longa. Felizmente, a sua antena está a apontar para cima e não existiram problemas de comunicação com a Roseta.

Foi exatamente através desta comunicação que foram enviadas as informações científicas sobre a natureza do cometa, que poderão fornecer-nos pistas sobre a constituição inicial do nosso sistema solar e eventualmente sobre a origem de algumas moléculas que se julgam terem sido necessárias para o desenvolvimento da vida na Terra.

Para já, a análise pelo File dos gases que são expelidos pelo cometa 67/P Churyumov-Gerasimenko revela a abundância de água, monóxido e dióxido de carbono, assim como de outras moléculas mais complexas cuja identificação está a ser efetuada.

Na sexta-feira à tarde, o File conseguiu perfurar a superfície do cometa para analisar a composição de material menos exposto às agruras do espaço. Aguardam-se com muitas expectativas os resultados da sua análise química.

 

António Piedade

Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva