Entrevista | Cristóvão Norte

17:23 - 03/03/2016 ALGARVE
Com o objetivo de fazer um balanço da sua experiência enquanto deputado, Cristóvão Norte foi entrevistado no programa “Olha que Dois”, com Nathalie Dias e Vítor Gonçalves. Licenciado em Economia e Direito, este deputado algarvio mostrou-se um defensor da reforma do sistema político e da exclusividade dos deputados.

O facto de o seu pai ter sido um dos políticos que durante muitos anos foi deputado na Assembleia da República teve alguma influência na sua opção política e de carreira?

Cristóvão Norte – O facto de o meu pai ter sido deputado da Assembleia da República e de eu lhe ter seguido as pegadas resulta de uma relação de proximidade que eu criei com a política desde tenra idade. Tal como a probabilidade de alguém que tem um pai médico, seja médico também, porventura… também por razões paralelas, a minha relação com a política foi mais próxima e o meu interesse pela participação cívica foi mais robustecido. Mas a verdade é que nunca previ que pudesse exercer funções políticas e que viesse a ser deputado da Assembleia da República. Pelo menos, até aos meus 25 anos, estava fora das minhas opções encetar uma carreira política. Por isso, foi um acaso. Eu já estava a exercer as minhas funções profissionais em Lisboa, quando o engenheiro Macário Correia me endereçou um convite, em 2009, para desempenhar as funções de chefe de gabinete na Câmara Municipal de Faro. Depois disso as coisas foram acontecendo naturalmente, até chegar à função de deputado da Assembleia da República. Este é um cargo que eu desempenho da melhor forma que sei, não só em conformidade com os compromissos que tenho com os eleitores algarvios, mas também para o progresso e desenvolvimento do país.

 

Por norma, o recrutamento dos partidos advém das juventudes partidárias e a opinião corrente é que grande parte desses “jotas” não são recrutados com rigor. Conhecendo o funcionamento do seu partido por dentro, como é feita a seleção desses militantes que depois envergam por uma carreira política?

C.N. – Eu tenho algumas reservas em relação ao recrutamento por parte dos partidos. Não lanço nenhum anátema sobre a JSD ou outras juventudes partidárias, porque acho que elas são o embrião da manifestação cívica, da participação política e, numa sociedade que é mais exigente, estruturada e madura, é importante que todos os cidadãos não se demitam do exercício das suas funções cívicas. Não só aqueles que exercem voluntariado, mas também aqueles que se dedicam à causa pública, devem ser prestigiados pelo louvor desse trabalho. Todavia, tal como em outras áreas, também na política há aqueles que são melhores e piores, os mais competentes e os menos competentes, os mais honestos e os menos honestos, por isso a política não é mais do que um espelho da sociedade. O que eu posso dizer com certeza é que o recrutamento dos partidos será seguramente melhor se fizermos uma reforma do sistema político, que é vital para resgatarmos o papel de prestígio e o reconhecimento de quem nos representa e que atualmente atravessa uma crise avassaladora.

 

Como é feito concretamente o recrutamento por parte dos partidos?

C.N. – Há de tudo. O recrutamento dos quadros políticos faz-se atualmente de múltiplas formas. No meu caso, por exemplo, sendo presidente da Concelhia de Faro do PSD, há dois anos atrás escolhi o professor Rogério Bacalhau para ser candidato à presidência da Câmara Municipal. O professor Rogério Bacalhau, quando entrou na Câmara como vice-presidente era independente e, por isso, foi recrutado somente com base no mérito e com mais nenhuma ponderação que não a influência política e social e o respeito que ele granjeava. Dois anos volvidos, após a saída do engenheiro Macário Correia, tomei esta decisão difícil, isto porque ele não era uma figura notável do ponto de vista do mediatismo. Escolhi, porque entendi que corporizava os elementos de honestidade, mérito e seriedade, que são absolutamente vitais para o desempenho de funções políticas. Cada um responde por si e eu respondo por mim: sempre me bati pela reforma do sistema político e defendo a exclusividade dos mandatos dos deputados. Eu sou licenciado em Economia e Direito, mas faço questão, não só por decência, mas também pela obrigação que se antepõe àquilo que eu tenho de fazer enquanto deputado, de me dedicar em exclusividade ao exercício do meu mandato, porque essa é a única forma que eu encontro para interpretar aqueles que represento. Tenho-me debatido, até dentro do meu partido e, por vezes com dissabores, pela reforma do sistema político.

 

Recentemente foi dito que nem sempre entram os melhores nas listas para a Assembleia da República. Que critérios de escolha são utilizados para a composição dessas listas?

C.N. – Há critérios muito díspares em função de quem procede a essas escolhas. No caso do Algarve, por exemplo o PSD, é constituído por 16 Comissões Políticas Concelhias, ou seja, representantes de cada um dos concelhos do Algarve, e, por uma Comissão Política Distrital que abarca essas Comissões Políticas Concelhias. As Comissões Políticas Concelhias indicam pessoas e a Comissão Política Distrital recebe essas informações e procede a uma votação. Esses nomes são enviados para Lisboa e a Comissão Política Nacional do partido realiza um concelho nacional onde propõe listas. Muitas vezes, verifica-se que essas listas não são compostas exclusivamente por pessoas do Algarve. É por isso que eu também me bato. A reforma do sistema político seria positiva ainda para equilibrar geograficamente o País e para não cortar a voz a regiões que têm importância e que não devem ser menosprezadas.

 

É de conhecimento geral que 95% dos deputados são originários dos partidos. Se continuar a não haver rigor nessas escolhas, o descrédito já existente por parte dos portugueses em relação aos deputados e à classe política tende a agravar-se. O que pensa sobre este assunto?

C.N. – Eu acho que há um efeito notório do decréscimo da qualidade dos deputados. Em primeiro lugar, em 1975 e nos anos seguintes, aquando da constituinte, aquilo que se verificava era a constituição de um modelo de sociedade e os portugueses estavam ávidos da participação política e por isso era muito prestigiante desempenhar cargos políticos. Eu ainda era criança, mas acompanhei através do meu pai a forma afetiva, reconhecida e a expressão notável do que era o respeito político. Isto foi-se diluindo, porque as grandes questões foram ultrapassadas e nós hoje temos alternativas políticas, com maior ou menos amplitude, mas já não são tão filosoficamente definidoras daquilo que é o nosso modo de vida. Nós não estamos entre uma ditadura e uma democracia, estamos num Estado de direito democrático, que altera um conjunto de direitos, liberdades e garantias aos seus cidadãos e, por isso, há um manifesto de desinteresse, que não tem apenas expressão em Portugal, mas que também encontra paralelo noutros países da Europa Ocidental, por vezes até em economias mais robustas. Depois há outra questão, que se prende com o facto de os políticos serem menos reconhecidos, o que determina que o recrutamento seja mais difícil. Há maior desinteresse, maior afastamento e menos pessoas a participar. Aqueles que são representantes têm hoje menores condições para desempenhar o seu mandato do que tinham há 20 ou 30 anos atrás.

 

Sendo as estruturas dos partidos e dos governos que escolhem os candidatos a deputados, o mais provável é que estes se tornem “yes, men”. Que margem de manobra têm os jovens deputados para fazer prevalecer as suas ideias?

C.N. – Eu entendo que se quebrou um vínculo de proximidade entre os eleitores e os eleitos e esse vínculo só se constitui quando os deputados dispuserem de legitimidade própria e que não esteja subjugada às decisões partidárias. Eu acho que, por exemplo, em matéria de orçamento ou em matérias fundamentais do programa de um partido, deve haver disciplina de voto. De outra forma não faz sentido, pois teríamos 230 deputados limianos, cada um a puxar a brasa à sua sardinha e os partidos deixavam de ser formações de interesses comuns e cada deputado exercia o mandato “a seu belo prazer”. E isso eu não subscrevo, porque é um ataque visceral à governabilidade e põe em causa a estabilidade governativa que é essencial num País. Dito isto, também considero que os deputados devem ter maior autonomia e não devem ficar reféns de uma permanente e inclemente obrigação de subscrever as teses que os seus partidos referem. Se nós fizermos uma reforma do sistema político, deve estabelecer-se o voto preferencial, em que os partidos continuam com o monopólio da escolha dos candidatos, mas aos eleitores é dado o monopólio de escolha dos deputados. Ou seja, o PSD, por exemplo, nas últimas legislativas elegeu três deputados pelo Algarve de uma lista com 14 nomes. Esta lista vem logo ordenada e por isso as pessoas não têm liberdade de escolha em relação aos deputados e isso, por um lado, enfraquece o deputado, porque não há uma relação estabelecida entre o eleitor e o eleito; por outro lado, não lhe oferece legitimidade própria, a sua voz é menor e o deputado fica perante as imposições de natureza partidária sem que tenha uma voz pública que seja suficientemente forte para dar expressão à vontade daqueles que representa. Mas, se como eu defendo, tivermos o voto preferencial, aqueles três que tiverem mais votos são os eleitos e dentro de quatro anos faz-se o escrutínio e se não se gostou do seu trabalho, substitui-se uns por outros. Se o processo funcionar assim, os eleitores estabelecem uma relação de muito maior proximidade com os eleitos e estão a dar-lhe força e legitimidade própria. Mas eu não me demito desta batalha. Daqui a dois meses irá ocorrer o congresso do PSD, onde eu apresentarei uma moção a defender a reforma do sistema político. Eu não estou aqui a sensibilizar para a bondade da minha perceção em relação a isto, o que estou a fazer é assumir um compromisso de combater nesse sentido.

 

O que se pode fazer para alterar a inércia da maioria dos deputados na Assembleia da República?

C.N. – Eu julgo que isso já foi “chão que deu uvas”. Eu não fui um adepto da forma como se constituiu este Governo, mas admito que ele tem um mérito que é a capacidade de alterar a natureza do regime, que agora é mais parlamentar. Estávamos com uma dinâmica muito executiva, ou seja, a Assembleia da República demitia-se da feitura das leis e apenas aprovava as leis que emanavam do Governo e por isso o escrutínio era menor e o debate menos plural. Aquilo que eu entendo é que quando não há maiorias absolutas e que seja necessário seguir compromissos no quadro da legislatura, tal valoriza o património político da Assembleia da República e fortalece o poder legislativo. Por isso, uma alteração de natureza do regime com uma nota mais parlamentar é algo que eu saúdo e que vejo como um benefício para o exercício das funções do deputado.

 

Um outro deputado, que também passou aqui pelo programa, referiu que entregou vários documentos nas comissões, mas que ninguém lhe “passou cartão”. Também lhe ocorreram situações destas?

C.N. – Nem todos têm que ter a minha opinião. Já houve iniciativas no seio do meu grupo parlamentar que tentei apresentar e que saí derrotado, mas também houve iniciativas que apresentei e que consegui que fossem aprovadas no plenário da Assembleia da República. E isso é o trabalho de um deputado. O deputado tem duas funções essenciais: uma é legislar e a outra é fiscalizar e, por isso, tem a função de escrutinar o Governo, fiscalizar e fazer leis, coisas que eu já fiz, umas vezes com mais sucesso e outras vezes com menos. Mas é preciso ter força e vitalidade.

 

Foram, como normalmente acontece, eleitos deputados de diferentes partidos. Alguma vez se colocou a hipótese dos deputados das diferentes forças políticas se juntarem para fazer favorecer propostas de lei?

C.N. – Já houve casos felizes em que isso aconteceu, como em agosto de 2012, aquando de um incêndio em São Brás de Alportel e Tavira, que devastou milhares de hectares e deixou a população muito frágil. Na altura, os deputados pelo Algarve de todas as forças políticas reuniram-se e apresentaram propostas para a criação de um projeto de resolução, que desencadeou um conjunto de iniciativas do Governo para recuperar a economia local. Esse foi um feliz exemplo de uma iniciativa em que todos os deputados do Algarve comungaram e esperaria que essas iniciativas se multiplicassem e que houvesse maior abertura de espírito de todos os parlamentares no sentido de assumir compromissos em relação a matérias vitais.

 

Na sua passagem por este programa, Francisco Amaral disse que foi uma tormenta a sua estadia na Assembleia da República e acrescentou que nunca ganhou tanto dinheiro como nos dois meses em que ocupou esse cargo. Acha que os deputados merecem aquilo que produzem ou haverá quem esteja por lá só para fazer claque?

C.N. – O Francisco Amaral deve ter ganho, mas eu não ganho assim tanto. A Assembleia da República é como qualquer outro local de trabalho: há bons e maus, competentes e incompetentes, capazes e incapazes, o que é mais uma razão para eu dizer que a reforma do sistema político é essencial para que os cidadãos possam escrutinar os deputados.

 

Durante as campanhas eleitorais verifica-se uma correria por parte dos candidatos pelas várias terras, a prometer tudo e mais alguma coisa. Mas quando terminadas as eleições, nunca mais regressam a essas terras. Concorda com este afastamento e falta de contacto com os eleitores?

C.N. – Eu não posso responder por terceiros, mas no meu caso exerci o meu primeiro mandato durante quatro anos em condições de extrema proximidade com os eleitores. Desenvolvi sessões de atendimento de 15 em 15 dias, procurei auscultar as populações e marquei presença em todas as freguesias e concelhos do Algarve. Acho que um mandato de qualidade deve ter duas dimensões: ter uma relação de proximidade que permita ao deputado ser a voz dos anseios e expectativas das pessoas e deve representar o exercício do escrutínio e da legislação na Assembleia da República. Eu traço um mandato de deputado com estas duas dimensões, sendo que cada uma é igualmente importante e nenhuma delas deve ser desconsiderada.

 

Os políticos raramente falam de política com os seus eleitores, daí o afastamento das pessoas. Onde está o serviço à comunidade?

C.N. – As generalidades só servem para afastar as pessoas da política. Há pessoas que fazem trabalhos absolutamente notáveis e há outros que não tanto e o trabalho da comunicação social é “separar o trigo do joio” e louvar aqueles que fazem o trabalho como deve ser feito, reconhecendo o mérito e separando uns dos outros.

 

Os portugueses sentem que cada vez menos estão representados na Assembleia da República. Como jovem deputado, esta realidade preocupa-o?

C.N. – Preocupa-me e é por isso que defendo uma reforma do sistema político.

 

O ex-presidente da Comissão de Ética da Assembleia da República, Mendes Bota, disse que deixou o cargo por se aperceber que havia deputados a acumular outras atividades ligadas ao setor privado. Acha bem que nas bancadas parlamentares esteja quem se aproveite para tratar da vida privada através de algumas propostas de lei?

 C.N. – Claro que não! É por isso que sou a favor do regime de exclusividade. Não conheço factualmente aquilo com que o deputado Mendes Bota se deparou, mas se houver matéria de foro criminal esperaria que ele tivesse publicamente denunciado essas circunstâncias.

 

Não se tem deparado com situações dúbias dentro da Assembleia, que são levadas a plenário de forma mais ou menos camuflada?

C.N. – Na Assembleia da República há uma Comissão de Ética que avalia se há incompatibilidades ou não com os deputados. Essa Comissão tem obrigações restritas e quem não cumprir a lei tem de ser punido por isso. O que eu espero, seja na Assembleia da República ou numa Câmara Municipal, é que as pessoas cumpram a lei. Por exemplo, o PSD na anterior legislatura viu aprovada a lei relativa à punição mais severa ao enriquecimento ilícito, ou seja, criar o crime do enriquecimento ilícito. Foi duas vezes ao Tribunal Constitucional e voltou para trás, porque não salvaguardava um conjunto de regras. Por isso, não se pode dizer que não haja objetivos no sentido de fortalecer o regime e o combate à corrupção. Mas eu não posso estar a levantar dúvidas sobre o desempenho de terceiros, não posso apontar o dedo sobre essas coisas quando há uma Comissão de Ética que é responsável por isso. Se há questões de natureza duvidosa, então devem enviar-se para a o Ministério Público para que investigue e perceba em que medida há tráfico de influências porque isso tem que ser erradicado da política portuguesa, mas para isso é necessário que as entidades responsáveis cumpram os seus mandatos.

 

Nos últimos anos tem sido constante o desrespeito de alguns portugueses para com os cidadãos eleitos. Como interpreta este tipo de comportamento e a que se deve este desprezo por aqueles que elegemos?

C.N. – Eu acho que o problema é que as coisas são muito voláteis. O estado de espírito das pessoas muitas vezes resulta da economia estar mais em cima ou mais em baixo. Se estivermos a criar mais emprego, riqueza, se tivermos formas de enriquecimento alternativas, as pessoas já não ficam tão revoltadas e já se reconhecem na classe política. Se, por ventura, ainda que os que lá estão estejam a fazer o melhor possível, mas as condições de vida da população de degradarem, há um instinto natural para apontar o dedo aos políticos. Os políticos são um reflexo da sociedade e quanto menos escrutina a sociedade, pior os políticos, isto porque têm menos competência, são menos pessoas a querer prestar serviço público e as acusações que são feitas afastam as pessoas que são mais capazes, honradas e competentes, e que deviam estar na primeira linha do combate político.

 

Assim sendo, as democracias tal como as conhecemos estão em crise?

C.N. – Eu diria que nós temos aperfeiçoado um conjunto de aspetos que porventura estavam longe do olhar do grande público. Há a tentação de olhar e ver o copo meio vazio em vez de o ver meio cheio. Ainda assim, a sociedade progride do ponto de vista das liberdades cívicas, a democracia está consolidada, estamos na União Europeia e isso foi um elemento essencial para o progresso do País.

 

Como vê a situação económica, política e social no nosso país e na nossa região em particular?

C.N. – O Algarve é territorialmente e economicamente desequilibrado, porque, por um lado, tem uma má locução de recursos, essencialmente recursos humanos, que se concentram no litoral e que nos últimos 30 ou 40 anos foram abandonando a zona do barrocal e da serra, e nas dimensões económicas está fortemente vinculado ao turismo. O que se verifica é que o Algarve não tem alternativas económicas sustentáveis. O turismo é, obviamente, a galinha dos ovos de ouro e deve ter capacidade para redesenhar o perfil do turista, ou seja, acompanhar as novas tendências, mas também deve perceber que um turismo mais forte e robusto se constrói com a identidade e acrescentando valor. Para isso, devem desenvolver-se um naipe de atividades, designadamente as que se prendem com a agricultura, a renovação do património, o mar e a pesca, atividades estas que podem ser complementares ao turismo, apesar de também terem valor próprio.

 

Recentemente foi notícia a reposição da subvenção vitalícia para os deputados que tenham desempenhado essa tarefa durante 12 anos. Não acha isso imoral, tendo em conta a atual penúria que atravessa Portugal e os portugueses?

C.N. – Acho e fui um dos deputados que publicamente me manifestei contra isso há dois anos, quando houve a intenção do PS e do PSD de apresentarem um projeto de lei no sentido de repor as subvenções vitalícias que tinham sido cortadas em 2013. A proposta caiu, mas houve deputados que apresentaram um recurso ao Tribunal Constitucional, que entendeu que se tratava da proteção da confiança daqueles que tinham beneficiado dessas subvenções vitalícias e por isso elas deviam ser repostas. Ora, a Assembleia da República, perante a decisão do Tribunal Constitucional, não tem qualquer autonomia para não fazer aprovar no Orçamento de Estado a reposição das subvenções vitalícias, tal como elas constavam ate 2013.

 

Os reformados e aqueles que não são deputados também perderam confiança com a diminuição no valor das reformas e os cortes sucessivos nos últimos tempos. Mas nós já sabemos que há portugueses de primeira e de segunda…

C.N. – Eu gostava que houvesse portugueses de primeira e de segunda e que os de primeira fossem os reformados e os pensionistas e que os de segunda fossem aqueles que beneficiam de subvenções vitalícias.

 

De ano para ano, há cada vez menos participação cívica para as eleições e é notório o distanciamento dos cidadãos em relação à política e aos políticos. Qual será a razão para este afastamento, em particular dos jovens, e como se pode reverter essa situação?

C.N. – A maneira de dar a volta é os políticos não criarem expectativas infundadas e criarem condições de confiança, algo que o Governo estava a conseguir. A dívida pública estava a diminuir, tal como o défice externo e o défice público e tivemos alguém que nos prometeu que ia virar a página da austeridade… Mas no fundo o que temos é a redistribuição da austeridade, o que aumenta a carga fiscal e que não beneficia os que são mais pobres e vulneráveis, pelo contrário, uma vez que esses mais vulneráveis não beneficiam do aumento do salário mínimo, numa circunstância de maior dependência perante as vicissitudes económicas que se verificam. Estamos perante um processo de eutanásia orçamental, porque se quis fazer tudo mais depressa, o que era possível e o que não era, e isso faz perigar a confiança e essa trajetória que nós estávamos a tomar e que era fundamental para o desenvolvimento do País. No caso do orçamento, temos a UTAO [Unidade Técnica de Apoio Orçamental], Conselho de Finanças Públicas, o Banco Central Europeu, a Comissão Europeia e um conjunto vasto de instituições prestigiadas e independentes que apontam riscos tremendos ao orçamento. O que se verificou é que por um lado temos uma diminuição dos impostos diretos, que são mais justos, pois 52% da população não paga IRS e os que pagam fazem-no em função dos rendimentos que auferem, substituídos por impostos indiretos, como o que vai incidir sobre os consumos petrolíferos, que são regressivos, ou seja, afetam todos da mesma maneira e põem em causa a redistribuição dos impostos diretos. O que eu acho particularmente grave é que os juros da dívida pública já estejam a aumentar. Neste momento, a almofada financeira que nos foi deixada não coloca a necessidade de se refinanciar. O que se verifica é que a trajetória do défice está a ser invertida. Quando nós tínhamos perspetivas de ter um défice de 1.8, este Governo já assumiu que o défice pode ser de 2.2 e as instituições europeias já vieram dizer que estas medidas não são suficientes e que neste momento prevê um défice de 3%. Se essas medidas não são suficientes, e provavelmente teremos mais medidas de austeridade nos próximos meses para tentar corrigir este enviesamento orçamental que resulta das cedências do Partido Socialista à extrema-esquerda, isto significa que temos uma previsão orçamental imprudente, infundada, que não significa virar a página e, sobretudo, que beneficia aqueles que auferem rendimentos entre os 20 e os 80 mil euros, ao invés de beneficiar aqueles que recebem rendimentos até aos 20 mil euros.

 

Em relação às portagens na Via do Infante, que prejudicam seriamente a fluxo rodoviário da E.N. 125 e a exploração de petróleo na costa algarvia, qual é a sua opinião?

C.N. – As portagens nasceram no orçamento de 2011, ainda sobe a égide do Partido Socialista, e com o acordo do PSD. O País estava numa situação de penúria financeira e era necessário arrecadar fontes de receita para assegurar o cumprimento das suas obrigações no âmbito das parceiras público-privadas. A Via do Infante também é uma parceria público-privada num terço da via, sendo que os outros dois terços resultam de fundos comunitários. A solução que proponho não é uma solução ótima, mas é uma solução possível que melhora as circunstâncias de todos e que assegura melhor mobilidade, mais economia, menos custo para os utentes e a mesma receita para as Infraestruturas de Portugal. Eu julgo que se reduzirmos o valor da taxa de portagens em cerca de 50%, fazendo refletir as poupanças que resultaram da renegociação da parceria público-privada, que foi concluída em agosto, poderemos ter a mesma receita para o Estado e podemos ter ganhos significativos para os utentes. Eu acredito que uma política estruturada de mobilidade deve compreender não apenas a requalificação da E.N.125, talvez com uma circular em Olhão que pudesse assegurar uma melhor gestão de tráfego, e a revisão dos preços das portagens, mas também uma ligação intermodal com a recuperação da ferrovia, eletrificando a linha e criando uma estratégia mais plural e que vença os estrangulamentos que se verificam ao nível da mobilidade no Algarve. Sabemos que num destino turístico a mobilidade é muito importante e no Algarve os trajetos de média e pequena dimensão acontecem todos os dias.

Sobre o petróleo, eu entendo que a diversificação do tecido económico e das opções estratégicas do Algarve devem passar por fatores complementares, como a agricultura e a pesca. Portanto, a exploração de petróleo e gás não deve ser uma prioridade, pelo contrário, acho que é um erro e que há riscos que podem pôr em causa o turismo. Eu acho que a primeira questão é a do desenvolvimento do Algarve: queremos uma região de carbono zero, que valorize o seu património natural, paisagístico e que esteja alicerçada no turismo e nos setores complementares. Acho que desenvolver áreas que podem pôr tudo isto em causa pode constituir um erro crasso. Agora, se me demonstrarem que o risco é zero e que os benefícios para a região existem, eu admito reponderar a minha posição.

 

Muito se tem falado nos últimos tempos sobre a descentralização. Vislumbra que alguma vez poderá ver essa descentralização instalada?

C.N. – Estou muito preocupado. Recentemente escrevi uma carta ao Primeiro-Ministro, à qual ele já me respondeu, a propósito da reforma administrativa que o atual Governo propôs. Esta proposta tem dois vértices: por um lado assume essa descentralização, mas não em termos políticos e sim apenas em termos administrativos; por outro lado, as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto vão ter uma eleição em 2017, ou seja, está-se a ampliar a voz de quem já tem força e a diminuir a voz de quem tem pouca força. A regionalização e a descentralização serviriam exatamente para dar mais voz e expressão política a pessoas dessa área. 

 

Esta entrevista foi realizada por Nathalie Dias e Vítor Gonçalves no Programa “Olha que Dois”, uma parceria da “Total FM” com “A Voz de Loulé” emitido no dia 17 de fevereiro.
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