Entrevista | Mendes Bota | Lançamento do Livro «Talvez...Adeus!»

16:44 - 25/01/2016 LOULÉ
No âmbito da apresentação do seu mais recente livro «Talvez… Adeus!», apresentado no dia 21 de dezembro de 2015, na Biblioteca Municipal de Loulé, Mendes Bota foi convidado para uma entrevista no programa “Olha que Dois”, com Nathalie Dias e Vítor Gonçalves.

O Dr. Mendes Bota percorreu os corredores do Parlamento Europeu (PE) e como deputado por lá andou 6 anos e meio. Que poder de influência é que têm os deputados europeus na tomada de decisões naquele plenário?

Mendes Bota – (…) Há uma grande diferença entre o Parlamento que eu deixei em 99 e o PE de hoje (…) No meu tempo eu diria que o poder principal do PE era ao nível do orçamento, hoje não, hoje qualquer diretiva, qualquer legislação, qualquer regulamento comunitário tem que passar pelo PE. (…). Na altura, o PE era sobretudo um instrumento de influência, de pressão politica, não podíamos aprovar determinados regulamentos, ou diretivas, mas pressionávamos a Comissão Europeia e o Conselho num determinado sentido, que era sempre estar ao lado dos cidadãos, ou daquilo que nós entendíamos que era o interesse comum dos cidadãos. Nessa altura, (…) consegui colocar sempre o Algarve na agenda do PE. Os problemas principais do Algarve estiveram lá, e sobretudo ao nível daquilo que é a atividade principal económica desta região, o Turismo, pois eu dediquei-me bastante no PE à temática do Turismo, fui presidente do intergrupo de Turismo do PE, publiquei na altura até um livro, e fiz dezenas e dezenas de intervenções em defesa do turismo.

 

Foram 8 as legislaturas como deputado na Assembleia da República. A sua voz fez-se ouvir inúmeras vezes, muitas delas por certo defendendo os interesses do Algarve. Muito do que se sabe e observou estes anos fizeram com que ficasse com alguma “azia”, por descordar do que lá se passa. Talvez por isso tenha dito recentemente, nos seus muitos desabafos, que deixou de acreditar numa regeneração da classe politica. Porquê?

M.B. – (…) Na sessão de apresentação do meu livro «Talvez Adeus» eu tive a ocasião de explicitar melhor as razões pelas quais entendi que estava no momento de sair daquele cenário, daquela missão e daquele mandato, que, aliás, muito me orgulha, porque sempre servi com o máximo de integridade. (…) Elenquei treze razões e uma delas é essa: eu entendi que o mandato de deputado tem vindo a depreciar-se cada vez mais. Hoje o deputado a título individual não tem praticamente quase influencia nenhuma naquilo que são as posições do Partido que representa e do Grupo Parlamentar. (…) São as direções dos partidos, as sedes dos partidos que emanam as orientações para os grupos parlamentares e os deputados estão transformados quase em autómatos de levanta e senta consoante os ditames que vêm de cima. Portanto, ao longo destes anos todos, eu senti que o papel dos deputados cada vez está menorizado, e portanto quando ele quer representar os interesses da sua região, quando quer defender os cidadãos que no fundo o elegem com o seu voto, esse deputado está completamente bloqueado, porque não tem qualquer poder de intervenção.

 

Disse também recentemente que não acredita na exclusividade e que há promiscuidade entre deputados e entidades externas ao Parlamento Nacional. Alguma vez teve a tentação ou a oportunidade de denunciar alguns esquemas ou achou que não valia a pena?

M.B. – Eu achei que valia a pena. Aliás, um dos problemas que me levou também a sair é que eu fui presidente da Comissão de Ética do Parlamento, onde se geriam e debatiam as situações de conflito de interesses, entre a atividade de deputado e atividades, digamos, paralelas nos interesses comercias e privados… passou-me muita coisa pela mão, vi muita coisa de que não gostei, e portanto, a continuar ali estaria de certa maneira a caucionar uma situação com a qual eu não concordo. Eu acho que ser deputado é uma honra, é um privilégio, e que deve ser um orgulho servir o país como deputado. Isso implica também sacrifícios de ordem pessoal, familiar, económica e profissional. Quem não estiver disponível para fazer sacrifícios, não deve ir para deputado, não se deve candidatar, não deve estar nestes lugares.(…)

 

Acha que os deputados são mal considerados entre a população portuguesa?

M.B. – (…) hoje eu considero que a classe dos deputados, até pior do que a classe politica em geral, está no último degrau da consideração popular. E isto tem o seu quê de injustiça. Porque entre aqueles deputados que lá estão, há pessoas que trabalham muito, há pessoas que se dedicam em exclusivo, e há outros que trabalham muito pouco e outros ainda que só estão lá, digamos, para gerir as suas avenças. No entanto, a consideração popular não faz distinção entre o trigo e o joio. Não distingue aqueles que são deputados que levam o seu mandato a serio, de outros que não o levam tanto a sério. E digamos que isso também me incomoda. (…) Trabalhei sempre 7 dias por semana, 14/15 horas por dia durante estes anos todos. Acho que dei muito de mim próprio, e não me revejo na imagem de preguiçosos, de corruptos, de pessoas que estão lá para servir interesses pessoais. Não me revejo em nada disso. (…)

 

Tendo sido penalizado por sempre representar o Algarve, por ser algarvio, depois de tanta luta, que medidas viu implementadas no Algarve, resultante das suas propostas?

M.B. – Tantas… Se percorrermos aquilo tudo que eu deixei escrito, dava para contar história. Mas já que estamos aqui vou contar uma. (…) Estamos aqui na variante de Almancil. A que é que se deve a variante de Almancil? Muito simples, deve-se seguramente a muita gente, mas deve-se a um deputado chamado Mendes Bota, que um dia pegou no Primeiro-Ministro chamado Cavaco Silva, (…) trouxe-o da sua casinha ali no Montechoro, e vim com ele a conduzir o carro, e fi-lo provar que era necessário e urgente fazer uma variante em Almancil. E ela fez-se. (…) A Via do Infante teve também o meu contributo, e o Professor Cavaco Silva na altura reconheceu. Eu estive com o Professor Cavaco Silva na inauguração da Via do Infante, recordo-me muito bem desse dia. (…)

 

Outra das suas grandes lutas (…) e de grande notoriedade foi ajudar a combater a violência contra as mulheres. Especificamente quais os resultados que obteve?

M.B. – Os números em Portugal já estão a reduzir ao nível das queixas que são feitas junto dos órgãos da polícia e outras. Isto é um processo gradativo. (…) Hoje em dia é incomparável o conjunto de meios de defesa e proteção das vítimas e suas famílias. Há dez anos, onde é que havia, em cada esquadra, um lugar para atender as pessoas vítimas de violência doméstica?! Elas eram atendidas junto aos criminosos vulgares e normais. Onde é que havia os subsídios, os apoios à habitação, ao emprego, para as vítimas?! Estamos ainda longe da perfeição? Estamos! Mas hoje, o estatuto de vítima está consolidado. Hoje até a consciência das pessoas (…) é muito diferente do que era há dez atrás, onde se pensava que «Entre marido e mulher não se mete a colher» (…). Ninguém denunciava. Hoje há muitos canais para denunciar a violência contra as mulheres. Portanto, valeu a pena! Sinto-me extremamente realizado porque acho que há muita gente que beneficiou com isso. (…)

 

Muito se tem falado ultimamente nas potencialidades da costa algarvia no que se refere à exploração de petróleo. Terá por certo uma opinião nada favorável a esta apetência por parte a alguns interesses económicos, nomeadamente as petrolíferas. Qual a sua posição nesta matéria?

M.B. – (…) Há de facto 3 coisas que muito me desgostaram nos últimos tempos: uma é a regionalização, que não foi para a frente como eu gostaria; a outra tem a ver com o acordo ortográfico, que eu considero um crime de lesa-pátria e a outra tem a ver precisamente com a contratualização da exploração de Petróleo e gás natural na costa do Algarve, contra a qual eu me debato, e debati como deputado, desde 1988. (…) O problema é que durante estes anos todos, eu estive praticamente sozinho. Foram muito poucas as vozes (…) que no Algarve ou fora dele se empenharam para evitar esta desgraça. (…) Eu, até à altura do contrato ser assinado, alertei para o perigo de o contrato ser assinado, e não vi ninguém, nessa altura, ao meu lado. (…) O Algarve não ganha rigorosamente nada com isto. Tem os riscos de amanhã haver um acidente, mas não tem benefício nenhum, nem ao nível do emprego, nem ao nível dos impostos, nem ao nível da capacidade de gerar receitas, nada! Nada foi salvaguardado! (…) Nem sequer Portugal tem qualquer palavra a dizer no destino do petróleo ou gás natural. Ele pertence à entidade que o explora, que o vende ao preço de mercado a quem quiser. Não há petróleo do Algarve. Nós não estamos ricos. (…) E as contrapartidas financeiras que lá estão são ridículas comparando com os lucros brutais que uma exploração dessas pode significar. (…) Esse movimento que agora ai está, surgiu já tarde, porque surgiu depois do contrato estar assinado. Um contrato que dá 55 anos de exploração… o Estado Português, se quisesse agora reverter esse contrato, não havia dinheiro no orçamento português para indemnizar a empresa por anular esse contrato.

 

O seu mais recente livro, «Talvez…Adeus!», apresentado no passado dia 21 de dezembro em Loulé, será tão só um encerrar de um longo capítulo da sua vida politica? Revelou também que pagou um preço elevado por se assumir algarvio de gema, e regionalista, dizendo no momento próprio tudo o que pensava. Talvez essa forma de estar na vida tenha tido algum custo?

M.B. – Sim, sem dúvida! O livro surgiu agora porque há um ano (…) não foi possível fazer o balanço da minha atividade na 12.ª legislatura e de certa maneira também o balanço deste ciclo que se encerrou com a minha saída da Assembleia da República. E por isso este livro tem vários objetivos: fazer esse balanço, e também ter as tais reflexões que eu faço sobre o sistema político em geral. No fundo, é aquilo que eu gostaria que o sistema tivesse evoluído, e também confesso que acho que o papel do deputado hoje já não tem poder nenhum para sozinho ter uma grande influência para mudar essas coisas. (…)

 

E apesar de tudo isto desabafou, disse estar feliz, “por sair da cena politica, 3 décadas e meia depois de nela ter entrado. Igual a si próprio mantendo viva num corpo de homem maduro a criança que consigo nasceu e cresceu.” O que pretendeu “desabafar” com esse desabafo?

M.B. – Vamos lá ver, são desabafos, mas não são queixumes. (…) Eu quando leio os livros que publiquei há 30 anos atrás, com aqueles que leio agora, eu não vejo grande diferença de estilo, (…) nem de posicionamento. Ou seja, eu sempre fui igual a mim próprio, não me envaideci com os sítios onde passei, eu continuo a considerar as pessoas todas minhas iguais, não faço distinção de castas nem de tipologias sociais. Eu dou-me com toda a gente, à direita, à esquerda… e também isso foi das coisas que me foram gratas: quando eu me despeço da Assembleia da República, ter um Parlamento inteiro a bater palmas, e ter as intervenções de todos os grupos parlamentares, desde a extrema-esquerda à extrema-direita, todos eles a tecer palavras de reconhecimento pela pessoa que fui, eu diria que isso é uma medalha intemporal e imaterial que não está ao alcance de toda a gente. Essa para mim foi mais do que suficiente como reconhecimento, que é os meus pares, mesmo com aqueles com quem divergi durante todos os anos, e com quem tive diferenças de pontos de vista muitas vezes muito acentuadas, mas isso não impediu que tivéssemos um relacionamento cívico, humano, pessoal e político de grande respeito. O respeito, no fundo, eu sempre tive pelos meus adversários.

 


Esta entrevista foi realizada por Nathalie Dias e Vítor Gonçalves no Programa “Olha que Dois”, uma parceria da “Total fm” com “A Voz de Loulé” emitido no dia 23 de dezembro de 2015.

Oiça novos convidados, todas as quartas-feiras, às 10 da manhã, nos 103.1 da Total fm.

 

 

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