Com o momento conturbado que o País atravessa devido ao Covid-19, o Professor Doutor Paulo Águas, Reitor da Universidade do Algarve, esclarece sobre a situação a que a Universidade do Algarve esteve sujeita desde o início desta pandemia.

Dá-nos conta da adaptação por parte dos estudantes, professores e pessoal não docente ao ensino não presencial, bem como, relativamente ao impacto económico que o Coronavírus desencadeou e quais as previsões para o próximo ano letivo.

Também as propinas, os apoios sociais, as praxes e comemorações académicas, estágios, calendarizações, horários e aulas no próximo ano letivo, são temas de destaque nesta entrevista.

 V.A. - Como Reitor da UAlg qual o balanço que faz do efeito COVID-19 no desenvolvimento das atividades académicas?

Prof. Dr. Paulo Águas - Neste momento, estamos a concluir o ano letivo nos prazos do calendário para 2019-2020, no entanto, de uma forma diferente daquela que tínhamos inicialmente previsto. Iniciamos, como se sabe, com a suspensão das aulas presenciais e posteriormente, entendemos que mesmo depois do período inicialmente estipulado não deveríamos retomar as atividades letivas presenciais, porque estávamos apenas a três semanas do final do ano letivo. Acreditámos que isso iria causar uma perturbação enorme, em especial junto dos estudantes, causando-lhes até maiores níveis de ansiedade, acabando por optar pelo ensino à distância. Neste sentido, se há um ano me dissessem que a instituição teria de adaptar o seu método de ensino, utilizando um ensino à distância, eu iria pensar que, seguramente os alunos iriam ter uma maior predisposição para tal, no entanto não sabia se estaríamos preparados. Devo dizer que não estávamos à espera, mas não estávamos assim tão mal preparados e demos a resposta possível e acho que demos uma resposta interessante, com pouca perturbação. Acredito que, tanto os discentes como os docentes reagiram bem, mas é evidente que surgiram situações novas que nunca tinham surgido, como por exemplo, os alunos estarem a fazer um teste e a plataforma ir a baixo e não conseguirem submeter o mesmo. Contudo, penso que a situação foi bastante bem controlada e tranquila. É também importante referir que houve um diálogo muito próximo com a associação académica para os processos de tomada de decisão, já que teve um papel determinante para a não retoma das aulas presenciais.

V.A. - Qual o impacto económico e quais as previsões para o próximo ano letivo?

PA - Essencialmente, estamos a ter redução de receita, não estamos a ter aumento de despesa, antes pelo contrário, até tivemos redução de despesa, já que os gastos de energia diminuíram. No entanto, tivemos alguns gastos adicionais porque compramos acrílicos, máscaras, luvas e o álcool gel, todavia, se fizermos o balanço, entre esses gastos adicionais e os gastos anteriores, concluímos que não ultrapassamos as reduções que tivemos ao nível da energia. Contudo, temos uma redução significativa de receita ao nível dos serviços de ação social. As cantinas e bares estiveram fechados e agora estão a funcionar com um número muito reduzido de refeições, isto porque as pessoas evitam por precaução ou porque consideram que não é essencial fazer as suas refeições fora de casa e por isso, a nível alimentar, temos uma atividade quase nula. Relativamente, ao ano de 2019, os serviços de ação social da Universidade do Algarve faturaram aproximadamente um milhão e meio de euros em alojamento e em alimentação, a que se acrescenta cerca de mais um milhão e cento e cinquenta mil euros que é uma transferência do Orçamento de Estado. É com esse total que a ação social funciona, quer seja, através do pagamento dos vencimentos aos seus colaboradores, bem como, com a compra dos géneros alimentícios, o que resulta de um saldo positivo na ordem dos 150/200 mil euros que tem vindo a ser reinvestido na remodelação das residências e cantinas. No entanto, esse investimento é superior ao lucro e este ano os serviços de ação social, não vão ter resultados positivos, vão ter resultados bastante negativos. Assim, na melhor das hipóteses, o milhão e meio de euros que tivemos de receitas no ano passado, este ano reduzir-se-á a metade desse valor.

V.A. - Após o impacto económico do COVID-19 nas famílias e nas instituições, que modificações vão ocorrer nas propinas e nos apoios sociais aos alunos mais carenciados?

PA – Estamos a sentir que há, comparativamente ao ano passado, uma redução na ordem de aproximadamente 25% dos estudantes internacionais, que por esta altura já se encontram a fazer as matriculas para o ano seguinte, o que é exatamente o oposto do que estava a acontecer o ano passado, já que estávamos a registar um aumento significativo dos estudantes no geral. Relativamente aos estudantes atuais e futuros, tivemos uma redução entre 15% a 20% dos pagamentos das propinas. No entanto, é cedo para fazer uma previsão, o que sabemos é que os discentes que interromperam o pagamento das propinas entre março/abril e estão a voltar à normalidade, o que associamos ao fim das licenciaturas e consequente necessidade dos diplomas visto que só os podemos entregar depois do pagamento total das mesmas. Acreditamos que os alunos tenham esperado estes meses para saber como se iria desenrolar toda esta situação pandémica.

No ano letivo 2019/2020 há uma redução das propinas que resulta e é compensada pelo governo, ou seja, foi uma redução de 980 euros para 870 euros. Ainda assim, é espectável que a partir de setembro as propinas desçam novamente, para os 697 euros, já que esses valores ficaram em Orçamento de Estado para o ano letivo 20/21 e também na proposta de Orçamento Suplementar que está em discussão na Assembleia da República. Posto isto e como não houve nenhuma proposta contrária, tendo sido já aprovado na generalidade, falta apenas ser aprovado na especialidade e aí pode sofrer, sim, alterações. No entanto, não há nenhum sinal de que isso possa ocorrer, visto já terem informado as instituições do reforço orçamental. O que acontece é o seguinte, as famílias há dois anos pagavam à volta de mil euros, no entanto, por decisões do governo as propinas tem vindo a baixar até quase 700 euros, mas as instituições continuam a receber os mesmos mil euros.

Em relação aos apoios que temos, estes são geridos indiretamente pela Universidade do Algarve e esta tem cerca de 1200 estudantes bolseiros. Esses mesmo estudantes recebem bolsas que não chegam a entrar no orçamento da UAlg, visto que é a Direção Geral do Ensino Superior, que mensalmente transfere o valor da bolsa aos estudantes. Para além deste, existe ainda o apoio de alojamento e alimentação. Quanto ao alojamento, o apoio é significativamente  reduzido já que  apenas temos 550 camas, já os serviços de alimentação, abrangem toda a comunidade.

Depois, atribuímos ainda um apoio, de cerca de 8000 euros de receitas próprias da ação social através de um restaurante universitário com refeições num valor de 8,5 euros, sendo frequentado esmagadoramente por professores e investigadores, em que desses 8,5 euros, 1 euro é para apoiar os estudantes.

Este ano, devido à Covid-19, criamos um apoio em moldes diferentes com a participação de estudantes e pessoal docente. Somando a totalidade dessa campanha interna e com o apoio da Câmara Municipal de Faro que contribuiu com 5000 euros, no final chegamos a 34 000 euros e esse valor foi atribuído a cerca de 90 estudantes. Assim, é prematuro dizer que o vamos repetir, visto que foi uma situação excecional, no entanto, é importante referir que tivemos a contribuição de 200 pessoas, essencialmente professores e pessoal não docente.

Por fim, no que toca às bolsas de mérito, não as pretendemos reduzir. A Universidade do Algarve é apenas um intermediário das mesmas, já que as empresas acreditam que beneficiam com a instituição visto que colocamos diplomados no mercado de trabalho e as empresas reconhecem que a UAlg é muito importante para a região. Assim a Universidade do Algarve, convida as empresas a juntar-se a nós e são estas que atribuem essas bolsas, sendo que o ano passado na sua totalidade foram 48. O que sabemos é que as empresas vão estar em pior situação comparativamente ao ano passado, pode-se dar o caso de alguma empresa querer ajudar e não ter capacidade mas também se pode dar o inverso, nunca terem ajudado e contribuir de alguma maneira.

Estamos a fazer isto para os estudantes e pelos estudantes, para que os mesmos sejam expostos a atividades que irão no futuro ser importantes no ano letivo 20/21

 

V.A. – Como irão decorrer as aulas do próximo ano letivo, já que, se fala em aulas metade online, metade presenciais? E ainda como serão geridos os horários?

PA – Essa situação está a ser discutida há cerca de mês e meio no seio da Universidade, envolvendo as escolas, unidades orgânicas, os conselhos pedagógicos e as direções de curso. Sendo que as unidades orgânicas, já estão a enviar as suas sugestões e comentários. Toda esta situação tem gerado muita discussão, no entanto, já temos em cima da mesa três cenários.

O primeiro seria o cenário “tudo normal”, respeitando, claro, as ordens da Direção Geral de Saúde, que sabemos que irá colocar “cá fora” normas para o ensino superior, não sabemos é quando, nem quais. Contudo, mesmo no cenário “A” em que não há restrições para a capacidade do espaço letivo, os horários devem ser distribuídos da melhor forma possível em toda a semana. Sabemos que os estudantes gostam de ter a sexta-feira livre para ir a casa, no entanto o que vai acontecer é que a sexta-feira terá de ser igual a qualquer outro dia da semana com uma carga horária semelhante, para ter o maior número de estudantes e ao mesmo tempo o menor número de estuantes nos campus.

É também importante salientar que o sábado pode ser equacionado pelas unidades orgânicas. Para além disso, os auditórios, foram também distribuídos pelas unidades orgânicas para a elaboração dos horários, o que não acontecia nos anos letivos anteriores. Depois há o segundo cenário, que pode ser acionado a qualquer momento, isto é, há limitações da utilização da capacidade das salas, por exemplo, é utilizada apenas 50% da sua capacidade, ou seja, numa mesa de dois lugares, apenas se senta um aluno.

O que acontece é que, podemos não ter capacidade para que todos os alunos entrem na sala de aula, mas as unidades orgânicas estão a arranjar soluções criativas como por exemplo as aulas teóricas serem através do ensino à distância (zoom) e as práticas serem lecionadas presencialmente e assim garante-se uma libertação de salas de aulas para outras turmas ou cursos. Para além disso, o que a instituição gostaria, mas infelizmente não tem capacidade para investir, pelo menos para outubro, seria a instalação de câmaras em todas as salas, e assim o professor já não teria de se preocupar, porque existiriam uns dispositivos que se colocariam no quadro e que transmitiriam para os alunos aquilo que está a ser escrito no mesmo. Por fim, o cenário C é o confinamento, se por ventura existir confinamento propriamente dito, aí voltaremos ao Zoom. Neste sentido, estamos a pedir às unidades orgânicas para antecipar aulas, para prevenção de um novo cenário de confinamento.

V.A. – Em relação á calendarização do próximo ano letivo, qual é a data prevista para o início escolar?

PA – Este ano, só temos renovação de inscrições em setembro, anteriormente tínhamos uma primeira fase em julho e uma segunda fase em agosto, contudo, dada a situação adversa, só iremos proceder à realização dos horários em setembro e posteriormente as aulas irão iniciar-se a 6 de outubro de 2020.

Isto significa que este ano teremos aulas em janeiro, ainda no primeiro semestre. Para além disso, temos catorze cursos, especialmente relacionados com as áreas laboratoriais, ou seja, cursos da escola superior de saúde, de ciências e tecnologias e curso das artes, que terão algumas aulas programadas para setembro, ainda referentes a este ano letivo. Esta informação não foi ainda comunicada aos estudantes, mas as unidades orgânicas irão passar essa informação num futuro breve.

Em alguns casos, essas mesmas aulas serão apenas entre 6 a 10 horas de atividades laboratoriais para os estudantes, e as mesmas não terão influência no ano letivo 19/20, visto que as unidades curriculares estão todas a fechar neste momento. Atualmente, os alunos estão a ter as suas classificações lançadas, mas há um conjunto de alunos desses catorze cursos, não de todos os anos, que terão essas tais atividades em setembro, no entanto não são obrigatórias. Estamos a fazer isto para os estudantes e pelos estudantes, para que os mesmos sejam expostos a atividades que irão no futuro ser importantes no ano letivo 20/21.

V.A. - Estão a estruturar algum plano em termos de aquisição de material de proteção e higiene (como álcool gel e máscaras) e ou medidas para o distanciamento social (marcas no chão e distância entre mesas e cadeiras)?

PA - Iremos colocar marcas no chão em todos os edifícios, para evitar que existam cruzamentos entre pessoas e claro investir no álcool gel, na obrigatoriedade do uso de máscaras, bem como, o cumprimento de todas as medidas da DGS. Iremos também adquirir mais equipamentos de proteção nesse sentido.

V.A. - Em relação aos estágios, quais são as medidas a tomar no próximo ano letivo?

PA – É na área da Saúde que essa situação é agravada substancialmente, visto que muitos deles estagiam em contexto Hospitalar e atualmente temos situações interrompidas, não por nossa iniciativa, mas por parte do hospital. Por exemplo, o que estamos a fazer no curso de Enfermagem, é antecipar unidades curriculares para depois ganhar espaço para ensinos clínicos. Em relação aos outros estudantes, colocámos a opção de poderem substituir o estágio por monografias, apesar de sabermos que não é a mesma coisa. Para além disso, demos a possibilidade dos alunos poderem inscrever-se em 20/21 na unidade curricular estágio, sem pagamento de propinas. No que toca aos mestrados, se o Covid-19 teve alguma influência nas suas teses porque por exemplo, não puderam realizar trabalho de campo, então o estudante tem até 31 de julho para enviar um e-mail a expor a falta de condições para entregar a tese a 30 de setembro. Assim, só terá de pagar o seguro, não tendo de se preocupar em pagar as propinas, o que lhe dá espaço de manobra para finalizar a sua tese até março.

Iremos encontrar as respostas porque este desafio só pode ter um resultado, a vitória da

Comunidade Académica da Universidade do Algarve.

V.A. - Por fim, relativamente às praxes e todas as comemorações académicas há alguma previsão para o que irá acontecer?

PA – Este ano, no calendário escolar, está o desfile dos estudantes de primeiro ano, o que é uma novidade, no entanto, isso está dependente das condições que iremos viver no futuro. No calendário do próximo ano, também está presente a Semana Académica, mas é apenas uma hipótese. Se não existirem condições para a execução tanto do desfile, como da Semana Académica, o Reitor irá fazer um despacho a esclarecer a situação.

Quanto às praxes, considero que tem havido uma evolução muito positiva, e é de louvar o facto de potenciar uma aproximação tremenda dos estudantes, mas infelizmente ainda há alguns excessos. No entanto, acredito que a pandemia apelou a uma maior criatividade dos estudantes para que continuem a ter praxe e que praxe, signifique a integração dos novos estudantes. Contudo, essas atividades, tem de cumprir as regras de distanciamento físico e eu estou convencido que os estudantes serão os primeiros a cumprir as mesmas.

Ainda assim, o que me enche a alma e que infelizmente, penso que, este ano, não irá acontecer será a cerimónia de boas-vindas aos novos alunos, onde enchemos o Teatro Municipal com os estudantes de primeiro ano. É altamente provável que não aconteça, mesmo que haja a indicação que os estudantes podem ocupar todas as cadeiras desde que utilizem as máscaras. Eu provavelmente não o farei, visto que não o considero essencial.

V.A. - Que mensagem quer deixar à Comunidade Académica e ao Algarve, nesta preparação de arranque do próximo ano letivo? 

PA – Eu diria ao contrário, ao longo destas semanas, a comunidade académica, através dos seus comportamentos e do cumprimento das suas responsabilidades, tanto o de trabalhar como o de estudar, deram-nos uma mensagem clara e inequívoca que estamos presentes, somos responsáveis e que gostaríamos que os tempos melhorassem, mas que caso isso não aconteça devemos encará-los com serenidade e tranquilidade. Iremos encontrar as respostas porque este desafio só pode ter um resultado, a vitória da Comunidade Académica da Universidade do Algarve.

 

Por Carolina Figueiras