Carlos Pacheco, diretor comercial e financeiro do Teatro Boa Esperança fala-nos sobre o impacto da pandemia provocada pelo Covid-19. Para além disso explica-nos quais são os planos e perspetivas para o futuro da vida artística do teatro portimonense.

Voz do Algarve: Qual foi o impacto que o Covid-19 provocou no teatro?

Carlos Pacheco: O impacto foi bastante negativo porque não estávamos preparados para uma situação destas e tivemos de encerrar o teatro três dias antes da estreia da nossa Revista. Nós íamos estrear dia 14 de março e já tínhamos tudo preparado, incluindo ensaios gerais e guarda roupa, o que nos fez ter um prejuízo à priori de no mínimo 26 mil euros. Numa primeira fase ficámos bastante aflitos sem saber o que estava a acontecer, pensámos que o espetáculo estaria adiado apenas num prazo de até duas semanas e depois, passados dois ou três dias, tomamos a real consciência de que as coisas não eram bem assim e começamos a tentar projetar o nosso trabalho de outro modo. Já tínhamos 92 espetáculos marcados da Revista e ia ser seguramente um dos melhores anos da Revista. Muitas dessas sessões já estavam esgotadas e tivemos de proceder à devolução do dinheiro, ou seja, foi bastante pejorativo para nós. 

VA: Ao nível económico, quais foram as repercussões da pandemia?

CP: Ao nível económico direto, estamos a falar de um impacto de 26 mil euros na construção do espetáculo e depois algumas centenas de euros quer no retorno financeiro que íamos ter, quer no pagamento de tudo aquilo que envolve a feitura do espetáculo onde estão praticamente 30 pessoas inseridas, desde bailarinos, corpos técnicos e atores. Este foi o maior impacto negativo, causando um especial problema naqueles que vivem somente dos espetáculos, que ainda hoje tem dificuldade em dar a volta à questão. Fomos o primeiro setor a fechar e somos o último setor a abrir.

Neste momento já se falam em regras, mas nada disso comporta a realização deste espetáculo, por isso adiamos o mesmo até janeiro, não seria possível realizá-lo no mês de agosto, nem setembro, porque não temos a garantia que as pessoas terão a confiança para voltar ao teatro. Colocamo-lo na gaveta, com tudo preparado e pensamos estrear em janeiro. Relativamente ao lay-off, a minha empresa aderiu, todavia, tem sido muito complicado porque nem todos tem tido o” privilégio” de ser contemplados, isto porque muitos dos trabalhadores trabalham com recibos verdes, por exemplo. No que toca aos apoios, não temos sentido grandes ajudas, mas tivemos algum apoio autárquico, contudo, estamos a falar de verbas controladas. Mesmo as dívidas que tínhamos quando ficámos confinados, cerca de 6 mil euros, também já estão pagas e felizmente agora temos de ter esperança no futuro.  

 VA: Quantos trabalhadores/famílias dependem das atividades artísticas do Teatro Boa Esperança?

CP: Algumas, eu não sei precisar na totalidade, mas pelo menos uma dezena de famílias. Foi bastante problemático, todavia não somos só nós que estamos a passar por esta crise generalizada e se não for feita qualquer coisa, irá piorar porque aqueles que já estavam a passar dificuldades, neste momento vão passar muito mais e no inverno será ainda pior. Na parte dos espetáculos sinto isso muito mais porque nós não podemos trabalhar sem público, dependemos disso e estamos sempre com receio de nos mandarem novamente fazer confinamento.

VA: Quais foram as medidas implementadas para combater o coronavírus?

CP: A primeira medida a ser tomada foi o confinamento, ainda antes de ser decretado o estado de emergência, nós já estávamos confinados, ficámos assustados como qualquer pessoa. Para além disso, são as regras normais, o uso de máscara, a desinfeção das mãos a etiqueta respiratória, o distanciamento, entre tantas outras que a Direção Geral de Saúde aconselha. 

VA: Quanto tempo estiveram sem atividade artística e que projetos tem agora a decorrer ou que espetáculos vão estrear no futuro?

CP: Estamos parados com a Revista desde março, mas depois retomamos em abril e maio a fazer o Ernesto que durou até final de junho. Ao mesmo tempo estivemos a preparar uma comédia teatral, que está a decorrer no Teatro “O Tempo”, teatro municipal que é muito maior que o Boa Esperança. O Boa Esperança tem 250 lugares e o teatro municipal tem cerca de 400 lugares.

As medidas exigidas pela DGS (Direção Geral de Saúde), com o distanciamento, as máscaras e todas as outras medidas, faz com que no Boa Esperança não seja exequível um espetáculo porque garantidamente iriamos ter apenas a possibilidade de apresentar o mesmo para um universo de apenas 20 pessoas o que torna o espetáculo insustentável. Posto isto, foi-nos lançado, pelo município de Portimão a possibilidade de apresentarmos um espetáculo, não a Revista que ficou reservada para janeiro, mas algo novo. Então comecei a escrever uma comédia, a “Marafada Quarentena” baseada numa situação de quarentena, em que um casal super divertido, com os problemas que os casais todos tem, vão ver-se confinados em casa. Todos os casais que viram e irão ver o espetáculo vão se identificar com o que já passaram, como por exemplo, as arrumações que eram necessárias, o cortar o cabelo em casa, a ginástica em casa, fazer tudo isto, sendo que o senhor, que é o Anatólio vai passar diversas dificuldades porque vamos ter de certa forma aquilo que passamos em casa, as mulheres pediam para lavarmos a loiça e fazer o almoço e o jantar e no fundo essa são coisas que não eram habituais num casal normal, ou seja, esta foi  a base da criação deste espetáculo.

Estreou dia 1 de agosto, com uma plateia mais reduzida, no entanto podemos chegar até às 200 pessoas por cada sessão e as mesmas estão a decorrer à quinta-feira, sexta-feira e sábado às 21:30, durante todo o mês de agosto. Queremos essencialmente aumentar os níveis de confiança das pessoas para que voltem a ver espetáculos que é o mais importante.

O bilhete tem um valor de 10 euros e as cadeiras estão tapadas com uma cobertura descartável que depois de cada sessão irá para o lixo e seguidamente procede-se à desinfeção do espaço. O ar condicionado também não é ligado durante cada sessão, mas sim antes do espetáculo começar.

VA: Que projetos e iniciativas criaram para atrair os espectadores durante a pandemia?

Apesar de estarmos parados, precisávamos de trabalhar, de fazer qualquer coisa para ajudar a sociedade e foi aqui que surgiu a ideia de fazemos o “Ernesto”. O Ernesto é uma personagem que foi criada num musical que nós tivemos em dezembro do ano passado e nós fomos rebuscar a personagem e fazer algo que estavam a fazer noutros países, cantar os parabéns à janela e que aqui no algarve também estava a ser realizado pelos bombeiros. Pensámos que seria uma boa ideia aliviar a carga dos bombeiros que estavam a fazer esse trabalho e baseados nas medidas de autoproteção que nos foram direcionadas pela proteção civil, a autarquia e os próprios bombeiros, fizemos esta “ação” que foi cantar os parabéns a quem fazia anos e se inscrevia. Foi muito bom, fizemos mais de 300 janelas a cantar os parabéns, não tendo contacto direto com as pessoas, mas foi uma lufada de ar fresco para aqueles que já estavam fechados em casa há um mês. A animação por diversas vezes deixou de ser apenas para a pessoa a quem íamos cantar os parabéns e a sua família, mas também para todo o quarteirão à volta que via e se divertia imenso. Depois de terminar o estado de emergência, tudo isto deixou de fazer sentido, visto que as pessoas puderam voltar a sair com as devidas precauções. Fizemos esta ação no concelho de Portimão e de Lagoa. 

VA: Estão a ajudar as crianças a “voltar à escola sem medo” como decorreu esse projeto?

CP: Com a reabertura de escolas e infantários, criámos e apresentámos um espetáculo com as medidas de autoproteção da Proteção Civil, bombeiros e Direção Geral de Saúde, para garantir um nível de confiança aos pais e meninos, especialmente porque um infantário que normalmente tinha 100 meninos por exemplo, passou a ter só 20 crianças. Foi muito bom porque ensinávamos como é que podiam e deviam brincar, como é óbvio, dizer a uma criança de três anos que temos de fazer distanciamento, não nos cabe na cabeça, mas se nós a brincar ensinarmos que não podemos dar beijinhos ou um abraço ou o cumprimento que agora fazemos com o cotovelo e com o pé, já torna as coisas bastante mais simples e divertidas.

VL:  Para além das iniciativas que já estão a decorrer, tem mais alguma ideia pensada para cativar as pessoas num futuro próximo?

CP: Sim, em setembro temos uma ideia muito gira que é; reunir todos os meninos a que fizemos os aniversários e às escolas onde fomos, e assim organizar uma grande festa de aniversário agarrando na ideia da “Festa à Janela” mas aqu,i o aniversariante será o Ernesto, ou seja nós, contamos com aproximadamente 300 meninos mais os seus amigos que vão ser convidados para irem a uma festa num espaço público e aberto ao público, com palco para celebrarem os anos do Ernesto. Isto claro, quando voltarem à escola em setembro. Para além disso, o nosso objetivo é também bater o record do Guinness com o maior bolo de aniversário do mundo e a maior festa de aniversário do mundo e claro vamos envolver as pastelarias do município e criar aqui uma rentrée para o próximo espetáculo que vamos repor que é um musical, “O sonho do Ernesto”.

Este é um musical de natal, mas que com a experiência que tivemos, conseguimos apresentar em qualquer altura. O Ernesto é o duende principal da história, não aparece o Pai Natal, mas ele é irreverente e faz birras. No fundo é uma figura crescida, mas que se transporta para o universo infantil, sendo que as suas birras estão tão presentes, especialmente em torno do telemóvel, onde irá aprender que o telefone é útil quando bem utilizado. É um espetáculo que tem duendes, fadas e a Mãe Natal, como é tudo musicados, os miúdos ficam apaixonadíssimos. Isto teve um enorme sucesso em dezembro de 2019 e queremos voltar a partilha-lo a partir de outubro deste ano, assim o aniversário será uma rampa de lançamento para que o mesmo aconteça e depois convidar a população em geral. Nós chegamos a fazer cinco ou seis espetáculos por dia, o que foi fantástico.

VA: Que expectativas e objetivos tem para o futuro?

CP: Neste momento o que sentimos mais são as saudades de estar num palco com plateia cheia, contudo estamos a reinventar-nos e a aprender uns com os outros. É estranho ter uma plateia meio vazia e é estranho não haver o contacto que eu gosto tanto de fazer, bem como a leitura das pessoas e as expressões faciais o que dificulta bastante a nossa perceção com a utilização por parte do público das máscaras, que mal dá para ver o riso ou o sorriso. É e vai ser difícil e é todos os dias um desafio muito grande. Ao nível da encenação e dos atores, estou a passar-lhes isto também, eles estão habituados a trabalhar de uma forma e por isso, tenho tentado passar essa imagem das coisas porque nós não sabemos se as pessoas estão a gostar ou não estão a gostar. É uma realidade completamente diferente, temos saudades de ver filas para comprar bilhetes, confusão porque os bilhetes estão esgotados, mas infelizmente neste momento não vai acontecer. O público mais idoso, que são as pessoas que mais estão em risco, são, normalmente, a plateia mais assídua nas Revistas, sabemos que isso não irá acontecer tão cedo, mas temos vontade e força para lutar todos os dias.

VA: Que mensagem gostaria de deixar aos artistas e espectadores nesta altura pandémica?

CP: Aos artistas, que não baixem os braços, não vamos, nem podemos desistir. No entanto, quem decide ser ator, dificilmente desiste de uma ideia apesar das dificuldades, temos um trabalho mais sazonal e sem contrato é verdade, mas agora é altura de mostrar o que aprendemos e mostrar a nossa garra. Para o público, acreditarem, acima de tudo se não acreditarem vamos viver num marasmo bastante mau, as pessoas vão passar mal, vão estar tristes, sem cultura e serão ignorantes. Temos de acreditar que tudo é possível e que somos capazes de dar a volta às adversidades da vida.

 

Por: Carolina Figueiras