Diretor do Conservatório de Música de Loulé - Francisco Rosado

A Voz do Algarve - Foi no dia 12 de setembro de 2018 que o Primeiro-Ministro, António Costa presidiu à inauguração do Conservatório de Música de Loulé. A partir dessa data, o Sul do país ou mais especificamente Loulé, passou a ter uma escola pública direcionada para o ensino da música.

Como diretor, a seu ver, qual a importância do ensino da música a partir de tenra idade?

Sérgio Leite - Da minha experiência pessoal, quer como professor de piano, quer como diretor de uma escola do Ensino Artístico Especializado da Música, os benefícios da iniciação dos estudos nesta área em tenra idade são imensos. Mas, mais do que uma opinião pessoal, esta realidade está altamente comprovada e materializada em imensos trabalhos científicos. Na fase inicial das suas vidas, as crianças desenvolvem, tal como os aspetos da coordenação motora e o sistema sensorial, a sua capacidade auditiva que, nesta fase, é altamente plasmável e facilmente influenciada pela positiva instrução e orientação. Paralelamente, quando a música é colocada como um elemento central na formação das crianças, as suas particularidades e exigências, tais como: o estudo diário, o desenvolvimento de um método de estudo, a capacidade de gestão de tempo, etc., faz com que se torne num importante mediador para as outras áreas do saber e, por isso mesmo, não é difícil encontrar nos quadros de excelência das escolas alunos que frequentam o Ensino Artístico Especializado da Música. De igual modo, a sua estimulação precoce e reiterada ao longo dos anos pode também ajudar a desenvolver nas crianças os domínios físico, emocional e intelectual. No Conservatório de Música de Loulé – Francisco Rosado as crianças podem iniciar os seus estudos musicais a partir do momento que iniciam a escolaridade obrigatória – Curso de Iniciação Musical (em média, 6 anos de idade).

 

VA - O Conservatório de Música de Loulé tem como patrono o Professor Francisco Rosado, grande impulsionador do Encontro de Música Antiga de Loulé, que funciona no Solar da “Música Nova” (Solar da família Barros e Aragão), edifício abrasonado do século XVIII que sofreu profundas obras de reabilitação.

O que nos pode dizer sobre o edifício e a sua adaptação à atual ocupação?

SL - O edifício do Conservatório surge da iniciativa da autarquia em recuperar um equipamento que se encontrava em ruínas: um solar construído no pós-terramoto e que terá sido fundado sobre construções preexistentes dos séc. XVI/XVII (ainda existem vestígios).

Os arquitetos responsáveis pela recuperação – Victor Mestre e Sofia Aleixo –, conseguiram transformar o espaço numa escola de música, com todas as necessidades inerentes (isolamento acústico das salas e a dimensão dos espaços de acordo as respetivas finalidades) que, não sendo um espaço amplo, mesmo assim pode usufruir de dezoito salas e um auditório. Paralelamente, o edifício não perdeu a sua “personalidade” e o espírito de um solar do período em questão. Na minha opinião, esta recuperação é por si só uma obra de arte!

 

VA - Como funcionam as aulas e quais os anos letivos do ensino básico e secundário que as podem frequentar? Como se faz a articulação entre o ensino artístico e o ensino geral?

SL - A oferta formativa que o Conservatório disponibiliza à data desta entrevista é constituída por vinte e uma opções distintas, entre os instrumentos e o canto, com perspetivas de aumentar em breve com a introdução da Viola da Gamba (no futuro gostaria de conseguir a Harpa, o Órgão e outras ofertas profissionalizantes, mas são necessárias outras condições físicas). Esta variedade, com a exceção do curso de canto que apenas existe, para já, no ensino secundário, pode ser frequentada desde a Iniciação I (1.º ano do 1.º ciclo) até ao 12.º ano.

Para a articulação entre o ensino artístico e o ensino geral, o Conservatório e as escolas parceiras comunicam entre si para que sejam garantidas manchas horárias mais benéficas, uma vez que a matriz de estudos, no ensino articulado, é constituída quer pelas disciplinas da música, quer pelas disciplinas da componente geral (Curso Básico/Secundário de Música). De igual modo, desenvolvem-se todos os procedimentos associados à formação e ao desenvolvimento do aluno, no Conservatório e com as outras escolas: comunicação de informações, atendimento aos encarregados de educação, reuniões intercalares e trimestrais, avaliações, etc.

 

VA - Como decorre a admissão dos alunos? Quais os provas que os alunos têm que realizar previamente?

SL - A admissão ao ensino artístico especializado, de acordo com os normativos em vigor, é efetuada mediante a realização de provas de admissão e de acordo com o número de vagas disponíveis. Todos os anos, usualmente em março/abril, a escola publica na sua página eletrónica e nos locais de estilo as regras referentes a estas provas, materializadas num Regulamento de Provas de Admissão.

Dependendo do nível a que se candidatam os interessados, por norma, têm de realizar duas provas distintas: uma prova de aptidão musical (afere as potenciais capacidades associadas à audição, à coordenação, ao ritmo e à entoação) e uma prova de aptidão instrumental (que afere o potencial diretamente no instrumento e a sua adaptação ao mesmo).  As matrizes/conteúdos das provas são publicadas no mesmo momento.

 

VA - Fale-nos um pouco sobre os professores e as suas especialidades…

SL - No Ensino Artístico Especializado da Música existem, essencialmente, duas vertentes: os docentes da área científica, ou seja, Formação Musical, Análise e Técnicas de Composição e História da Cultura e das Artes, e os docentes da área técnica artística, isto é, das classes de conjunto, das disciplinas de opção (instrumento de tecla, baixo contínuo, acompanhamento e improvisação) e da disciplina de instrumento.

 

VA - Existem algum custo para os encarregados de educação para manter os alunos no Conservatório?

SL - Não. Os alunos que frequentam o Conservatório de Música de Loulé – Francisco Rosado têm acesso gratuito ao ensino, independentemente do regime de frequência selecionado, isto é, articulado ou supletivo. Aos alunos do regime de frequência supletivo apenas é cobrado o valor do seguro escolar (que é, usualmente, 1% do salário mínimo nacional, pago apenas no início do ano letivo).

 

VA - Em média, quantos alunos frequentam o Conservatório e quantos professores aí lecionam?

SL - No presente ano letivo 2021/2022 frequentam o Conservatório cerca de 270 alunos e lecionam perto de 40 docentes (entre horários completos e incompletos).

 

VA - Existem alunos que iniciam os estudos musicais e que posteriormente desistem? Quais os motivos em geral para essa desistência?

SL - Quando um aluno inicia os seus estudos numa escola como o Conservatório deve assumir que está a iniciar um compromisso com a música. O ensino oficial de música deve ser entendido como um registo federado num desporto, no qual os atletas treinam todos os dias e ao fim de semana fazem competição. Na música não temos as competições, mas temos os concertos e audições que são as apresentações públicas. Quem entra num Conservatório com esta mentalidade e compromisso, raramente desiste. Mas cada caso é um caso! Felizmente as desistências têm sido muito esporádicas (fruto também da pandemia) e, quando acontecem, as razões são diversas.

 

VA - No início, para os alunos mais pequenos, certamente que uma das dificuldades é a escolha do instrumento. Como decorre esta preferência?

SL - Costumo dizer aos encarregados de educação que só podemos escolher o que conhecemos. No seguimento deste raciocínio, chegam-nos muitos interessados, por exemplo, no piano e na guitarra. Uma coisa é certa, diz-me a experiência que as crianças ou os encarregados de educação vêm com a ideia pré-concebida desses instrumentos porque são os que melhor conhecem. Reparem, quando se liga a televisão num canal de música pop, por exemplo, quase sempre se vê um piano e/ou uma guitarra. Raramente, para não dizer nunca, se vê um fagote. Ora, temos aqui uma “luta” de visibilidade injusta entre esses instrumentos. Será importante salientar que não existe nenhum instrumento mais difícil nem existe nenhum instrumento mais desinteressante! Todos requerem trabalho, dedicação, muita vontade de superação e todos são potencialmente belos na sua sonoridade!

Dito isto, para responder à questão, tomando como exemplo o das crianças que se candidatam ao curso de iniciação musical (1.º ciclo), todos os que obtêm na prova de admissão uma classificação que lhes permita ficar colocados dentro das vagas, realizam ateliers instrumentais. Nestes ateliers – que geralmente são realizados ao longo de uma semana (em julho) – as crianças passam por todos os instrumentos disponíveis, usufruindo, se possível, de duas aulas individuais de 15 min em cada instrumento. Depois de experimentarem todos instrumentos, as crianças, com a ajuda dos encarregados de educação escolhem os seus 4 ou 5 instrumentos preferidos. A atribuição dos instrumentos é feita, em reunião, pelos docentes que estiveram a demonstrar os instrumentos e, sempre que possível, tentamos conciliar a vontade da criança com a decisão da atribuição do instrumento. Nem sempre é possível, naturalmente, mas há que compreender que as decisões são tomadas em prol de cada criança, individualmente, e de acordo com o instrumento que se considera ser o que melhor se adapta a cada uma. Tem sido muito giro ver crianças que chegam no 1.º dia com a ideia do violino (a título de exemplo) e saem apaixonadas e matriculadas no trombone!

 

VA - Quer mencionar algo mais que eu não tenha perguntado?

SL - Gostaria de dizer que podem saber mais sobre o Conservatório em http://conservatoriodeloule.pt/, conhecer a oferta formativa através dos vídeos disponibilizados – onde cada instrumento é apresentado pelos docentes – e acompanhar as nossas atividades artísticas. Todos os concertos e audições são gratuitos e abertos ao público até à lotação das salas. Estamos também ao dispor da comunidade para esclarecer todas as dúvidas associadas ao nosso funcionamento.

 

Recordo que estão abertas as inscrições para a realização de provas de admissão, até ao dia 31 de outubro de 2021, destinadas aos alunos que neste momento se encontram a frequentar o 5º, 6º e 7º anos de escolaridade.

Todas as informações necessárias estão no site da escola.

Por fim, gostaria de agradecer aos jornais “A Voz de Loulé” e “A Voz do Algarve”, a amabilidade da sua disponibilidade para a realização desta entrevista e o seu apoio ao Conservatório de Música de Loulé – Francisco Rosado.

Por: Nathalie Dias