HERANÇAS INDIVISAS E TRIBUTAÇÃO EM SEDE DE MAIS-VALIAS

11:00 - 21/11/2025 OPINIÃO
Cíntia Andrade Advogada, Licenciada em Direito e Mestre em Ciências Jurídico-Civilísticas

A problemática da tributação em IRS das mais-valias resultantes da alienação de quinhão hereditário em herança indivisa tem gerado significativa controvérsia, tanto na jurisprudência como na doutrina.

 

A questão centra-se em saber se a transmissão de quinhão hereditário deve ser considerada, para efeitos fiscais, uma alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS (CIRS), e, por conseguinte, sujeita a tributação em sede de mais-valias.

 

1. Enquadramento

1.1 No centro da discussão está a natureza jurídica do quinhão hereditário e a sua distinção face à alienação de bens concretos compreendidos em herança indivisa.

1.2 Antes de avançarmos, importa distinguir duas situações: a) a alienação de quinhão hereditário, entendido como universalidade de bens em herança indivisa (ainda que composta apenas por bens imóveis); e b) a alienação de bem imóvel concreto, ou de quota nesse imóvel, integrante da herança indivisa.

 

2. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA)

2.1 O STA uniformizou jurisprudência no sentido de que a alienação de quinhão hereditário (mesmo que a herança seja composta exclusivamente por bens imóveis) não configura uma “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS, assim, eventuais ganhos obtidos com essa operação não estão sujeitos a IRS.

2.2 O fundamento principal é de natureza civilista: antes da partilha, o herdeiro não é proprietário de bens concretos, mas apenas titular de uma quota ideal da herança, considerada como património autónomo. Só com a partilha é que se define a titularidade de bens concretos e individualizados, ainda que com efeitos retroativos à data da abertura da sucessão.

 

3. Administração Tributária

3.1 Na sequência deste Acórdão e em cumprimento do artigo 68.º-A, n.º 4 da Lei Geral Tributária, a Autoridade Tributária (AT) reviu oficialmente o seu entendimento. No Ofício-Circulado n.º 20281, de 25 de julho de 2025, esclareceu que a alienação da herança ou do quinhão hereditário, como um todo, não está sujeita a IRS, ainda que a herança indivisa seja composta apenas por bens imóveis.

3.2 Todavia, ressalvou que a situação é distinta quando os herdeiros decidem vender, em conjunto, um bem específico da herança indivisa. Nestes casos, por não se tratar de alienação de quinhão hereditário, mas antes de alienação de imóvel concreto, entende a AT que os ganhos obtidos configuram mais-valias tributáveis em sede de IRS.

 

Posto isto, é seguro afirmar que a venda de quinhão hereditário não está sujeita a IRS. Já quanto à alienação de um bem concreto da herança indivisa, embora a AT considere que há sujeição a imposto, o tema permanece discutível e, posteriormente, será objeto de decisões judiciais.