Se há coisas que nos surpreendem, esta é uma delas. Desta vez estava eu longe de imaginar que iria receber uma chamada desde Roma. Do outro lado da linha estava o Dr. Mendes Bota e… como conversa puxa conversa, a nossa conversa deu pano para mangas…. Fica aqui o mais relevante…

Nathalie Dias - Olá, que surpresa, como está, o que tem feito e já agora que novidades tem para os seus conterrâneos?

Mendes Bota - Estou a viver e a trabalhar desde o passado dia 1 de Julho em Roma, a chamada “cidade eterna”, autêntico museu ao ar livre em todas as direções, uma urbe em movimento, onde me cruzo todos os dias a caminho ou de regresso do meu posto laboral com milhares e milhares de turistas, mas também com uma multidão de funcionários públicos, trabalhadores do turismo, do comércio, dos serviços, que sobrelotam os autocarros, ou fazem corridas loucas nas suas lambretas. É um espetáculo. Estou mesmo ali no coração da Roma antiga, próximo da Fonte de Trevi, do Panteão, não muito longe do Coliseu. É um sonho tornado realidade, transportamo-nos dos filmes e dos postais ilustrados para a necessidade de fazer um esforço de concentração naquilo que nos motivou a estar ali, a trabalhar ali. É mais uma etapa de um percurso de vida interessante e diversificado.

ND - Quer dizer que começou um novo desafio, agora em Roma? O Dr. Mendes Bota é um verdadeiro homem do mundo, já viveu e trabalhou em quantos países?

MB - Desde que saí de Portugal e deixei a política ativa em 2014 para trabalhar pela União Europeia, depois de um longo percurso em que dediquei mais de três décadas da minha vida ao serviço público, primeiro na autarquia de Loulé (seis anos), e depois vinte e quatro anos como parlamentar na Assembleia da República, no Parlamento Europeu, no Conselho da Europa ou na União da Europa Ocidental, que adquiri a experiência internacional suficiente para me sentir bem em qualquer parte do mundo. Adapto-me facilmente a diferentes povos, culturas e modos de vida. Tenho um bocado de “globe trotter”, mas é sempre com grande alegria que regresso a Portugal, ao Algarve e a Loulé, a minha terra natal. É aqui que está a minha família e os meus amigos de sempre. Roma é apenas mais uma etapa de uma volta que regressa sempre ao ponto de partida. No fundo, já trabalhei em quatro países diferentes: Portugal, Bélgica, França e agora Itália. Já tenho muito para contar aos netos (para já é só o Mateus…).

ND - E já agora, quanto tempo esteve em Estrasburgo? E como correu essa experiência?

MB - Considero-me um cidadão de Estrasburgo, pois tenho mais de vinte anos de presença nesta cidade, capital da Alsácia, que adoro ainda hoje com a mesma força de Janeiro de 1988 quando aí aterrei pela primeira vez. Foram 17 anos como parlamentar em que praticamente passei lá quase uma média de uma semana por mês. E agora, mais de três anos a viver em permanência como diplomata em representação da União Europeia junto do Conselho da Europa. No somatório, são muitos anos. Conheço a região como as palmas das minhas mãos. E fiz uma multidão de amigos, de todas as nacionalidades que recordo com saudade. Como parlamentar deixei alguma obra feita e um traço da minha passagem, de que o momento alto foi o contributo que dei, do princípio ao fim, para a entrada em vigor da chamada Convenção de Istambul, de combate à violência contra as mulheres, à violência doméstica. Lutei contra o tráfico de seres humanos e a prostituição forçada que lhe está associada, bati-me pela igualdade de oportunidades entre mulheres e homens numa altura em que ainda não era politicamente correto fazê-lo, e muito menos sendo homem. Presidi à Comissão da Igualdade da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa. E agora, nestes últimos três anos, como Primeiro Conselheiro da Delegação da União Europeia junto do Conselho da Europa, tive contacto com a ação do Comité de Ministros, no fundo, o braço executivo desta importante instituição transeuropeia e multilateral que integra, recorde-se, o prestigiado Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

ND - Em pormenor em que consistia esse trabalho?

MB - Acompanhei de perto vários dossiers, mas aquele a que mais me dediquei foi o dos programas de cooperação com o Conselho da Europa financiados pela União Europeia (que aliás é hoje em dia o seu maior suporte financeiro). Em zonas distintas como a Europa de Leste, os Balcãs Ocidentais e a Turquia, ou países da orla sul do Mediterrâneo como Marrocos, a Tunísia e outros, procura-se ajudar esses Estados a elevarem o seu nível de organização judiciária independente, de respeito pelos Direitos Humanos, pelas regras do Estado de Direito e da Democracia, da igualdade de género, do combate à corrupção, à lavagem de dinheiro só para citar alguns exemplos. Fui membro do Bureau do Centro Norte Sul até vir agora para Roma.

ND - Imagino que a despedida terá sido difícil? Foram anos muito intensos…

MB - Não gosto de despedidas, gosto de usufruir da continuidade do convívio. Mas tive a melhor despedida que poderia desejar quando o Secretário Geral do Conselho da Europa, Thornbjorn Jagland (que termina brevemente dez anos de mandato à frente da organização), ao proferir o seu último discurso perante centenas de parlamentares e diplomatas no plenário de Estrasburgo, referiu o meu nome e o meu trabalho como um exemplo do que de positivo ali se fez. Eu estava na sala, e fiquei “para morrer”, pois não estava à espera de tal distinção. Já era membro honorário da organização, já tinha a medalha de mérito, mas receber ao vivo um tal reconhecimento vale mais que todas as medalhas do mundo.

ND - Ah! mas se bem me lembro, essa situação já tinha acontecido noutro momento e noutro local não é?

MB - …foi como o aplauso (e os discursos) de toda a Assembleia da República, desde o Bloco de Esquerda ao CDS/PP, no dia em que me despedi do parlamento português. Para mim, valeu mais do que uma medalha, foi uma unanimidade rara que poucos recebem, sinal de respeito. Em Estrasburgo, fui recebido em audiência de despedida, não só pelo Secretário Geral Jagland, mas também pela Secretária Geral Adjunta, Gabriella Bataini-Dragoni. Sair custa sempre, mas sair assim dá uma grande satisfação, e um sentimento de que valeu a pena.

ND - Mas porquê Roma? Como apareceu essa oportunidade? Qual vai ser exatamente a sua função?

MB - A Delegação da União Europeia, em Roma é multifunções. Tem uma vertente mais técnica de representação junto de várias organizações das Nações Unidas sedeadas em Roma, como a FAO (Food and Agriculture Organisation), a WFP (World Food Programme) e o IFAD (International Fund for Agriculture Development). Mas depois tem a seu cargo as relações diplomáticas com a Santa Sé (um dos maiores “soft powers” do mundo), com a República de S. Marino e a Ordem de Malta. Esta vertente estava carenciada de um reforço político-diplomático na Delegação. Foi-me proposto o desafio e aceitei. Tão simples como isto. Sou Primeiro Conselheiro na Delegação.

ND - Todas estas experiencias, têm no mínimo, que ficar registadas num novo livro, já pensou nisso?

MB - Estou a aproximar-me da idade da reforma. Há mais de quarenta anos que trabalho ininterruptamente fazendo os descontos devidos a pensar na reforma. Como trabalhei sempre muito mais do que o horário normal, incluindo sábados, domingos e feriados, julgo que já merecia parar para fazer outras coisas, e não tenciono esperar pelos sessenta e seis anos e picos. Escrever mais um livro, num registo diferente, descrevendo cenas em que tive o privilégio de participar, é apenas uma das muitas intenções que fervilham no meu espírito.

ND - Ahhh eu sabia…. (risos)

oxalá tenha saúde para gozar o que de bom a vida nos pode dar. Tive um sobressalto recente que me fez ver que o stress pode matar, e nada na vida vale a pena que ponha em causa a nossa saúde.

ND - Sei que costuma vir sempre que lhe é possível a Loulé, mas para quando teremos o Mendes Bota, só para as nossas causas Algarvias?

MB - Não renego nada do que fiz ou causas por que me bati. Há muito que deixei de dizer “desta água não beberei”. Mas não vislumbro atualmente em mim, qualquer intenção de regressar à política ativa. Nada me estimula a isso, e continuo a não me identificar com muitos dos protagonistas e muitas (in)ações que identifiquei no meu último livro “Adeus…talvez!” que publiquei há quatro anos. Há vida para lá da política, e é nesse campo que estou. O que fiz, está feito, e para o que não fiz, já é tarde.

ND - Aqui entre nós, quando está longe, do que é que tem mais saudades aqui do nosso cantinho?

MB - Dos bons amigos e da boa comida, da luz do sol e do azul do céu, do cheiro da terra e do chilrear dos pássaros.

Por: Nathalie Dias