Estudo da Almargem revela que as Alagoas Brancas, em Lagoa, no Algarve, têm uma riqueza de vida selvagem elevada e que a construção naquele local representaria um risco de colapso em caso de excesso de carga, um risco de contaminação dos aquíferos e uma elevada probabilidade de inundação em toda a área urbana, em caso de desaparecimento da zona húmida.

O estudo “Valorização das Zonas Húmidas do Algarve” foi apresentado, no dia 6 de junho, no Auditório da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve (CCDR Algarve), em Faro.

Promovido pela Almargem – Associação de Defesa do Património Cultural e Ambiental do Algarve, este estudo apresenta um diagnóstico detalhado de três zonas húmidas da região algarvia: a Foz do Almargem e Trafal, em Loulé; a Lagoa dos Salgados e a Foz de Alcantarilha, em Albufeira e em Silves; e as Alagoas Brancas, em Lagoa.

Após a apresentação da investigação quaisquer dúvidas que pudessem existir sobre a importância da preservação destes espaços naturais no Algarve, foram dissipadas.

Uma das grandes surpresas do estudo foi o observado nas Alagoas Brancas, em Lagoa, principalmente pelo facto da riqueza natural da Lagoa dos Salgados e Foz de Alcantarilha e a Foz do Almargem e Trafal serem já mais conhecidos e mais evidentes devido à própria dimensão dos espaços em questão.

Apesar da sua pequena dimensão, as Alagoas Brancas revelaram-se bastante ricas em vida selvagem, nomeadamente em espécies com estatutos de proteção elevados, podendo esta zona vir a ser considerada de importância internacional:

- Foram identificadas 114 espécies de aves diferentes;

- A zona alberga cerca de 1% da população regional (Mediterrâneo, Mar Negro e África Ocidental) da ibís-preta – o que potencialmente classifica as Alagoas Brancas ao abrigo da convenção de RAMSAR;

- Apresenta um vasto leque de espécies de aves aquáticas ao longo do ano, sendo de destacar a nidificação do camão;

- Engloba habitats naturais e semi-naturais, tendo sido registada a presença de Crypsis aculeata, uma planta pouco comum em Portugal;

- Alberga ainda 8 espécies de artrópodes com valor de conservação, nomeadamente crustáceos, borboletas diurnas, libélulas e libelinhas;

- 18 espécies de répteis, sendo de salientar a presença de 2 espécies com estatuto de conservação desfavorável: o cágado-de-carapaça-estriada classificada como “Em Perigo” e a Osga-turca classificada como “Vulnerável”. Foram ainda identificadas serpentes, osgas, lagartixas, o camaleão e a cobra-cega.

Muitas espécies encontradas nas Alagoas Brancas têm o estatuto de “quase ameaçadas” o que obriga às entidades competentes a ponderar pesadamente todas as medidas que possam para lá ser pensadas, porque a linha entre o “quase ameaçadas” e o “ameaçadas” é muito ténue e quando uma espécie deixa de existir, não há solução.

Além da riqueza da biodiversidade das Alagoas Brancas, o estudo da Almargem trouxe ao conhecimento público, os perigos que poderiam acarretar a construção no local: colapso, contaminação das águas e inundações.  

Por ser uma zona cársica com placa tectónica ativa, pode acontecer o colapso dos terrenos por excesso de carga na superfície, o que representa uma real ameaça à zona em caso de construção.

Devido às características cársicas existe ainda o risco de contaminação dos aquíferos.

A zona húmida das Alagoas Brancas gera um efeito de esponja para o excesso de águas pluviais, pelo que, o seu desaparecimento resultaria numa elevada probabilidade de inundação em toda a área urbana baixa de Lagoa.

Na apresentação deste estudo estiveram presentes um representante da Câmara Municipal de Silves, o presidente da Câmara Municipal de Loulé, o deputado Luis Graça, o diretor regional do ICNF e a Vereadora do Ambiente da Câmara Municipal de Lagoa.

O discurso do presidente da Câmara Municipal de Loulé foi o mais aplaudido, pelo destaque dado à força e prevalência da vontade política contra os poderes económicos instalados quando apoiada por sólidos conhecimentos científicos, à necessidade de novas abordagens na gestão do território, à luz de uma nova consciência do estado atual do Planeta e à emergência climática.

Em contraste, o discurso da Vereadora do Ambiente da Câmara Municipal de Lagoa foi o que causou maior polémica e reação da sociedade civil presente, pela abordagem populista, pela insistência na proposta alternativa de relocalização da lagoa e pela afirmação que nem o ICNF – Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, considerava as Alagoas Brancas, uma zona protegida, afirmação que coloca em causa a veracidade e credibilidade de todo o estudo ali apresentado pela Almargem. 

De acordo com Ana Marta Costa, bióloga e membro do grupo de cidadania "A última janela para o mar”, “a proposta da Câmara Municipal de Lagoa de relocalização das Alagoas Brancas é ridícula e impraticável. As zonas húmidas são os mais ricos, complexos e produtivos ecossistemas da biosfera, representam um papel importante na filtração das águas, na regulação hídrica e climática e não podem ser recriadas pelo Homem. Tudo está interligado. Não se pode reconhecer a problemática das alterações climáticas, como fez a autarquia de Lagoa com o Plano Intermunicipal de Adaptação às Alterações Climáticas no Sul do país (PIAAC-AMAL) e a seguir, autorizar a destruição de um habitat que contribui para o equilíbrio do clima. O sítio das Alagoas Brancas é presentemente, a única zona restante de uma antiga zona húmida maior que está na origem do nome da cidade e concelho de Lagoa. É uma identidade cultural, ambiental de grande potencial económico que deve ser protegido e não, destruído. Para não falar das questões de risco de inundação, colapso de terrenos e contaminação dos aquíferos que a construção naquela zona húmida acarreta. Se há algo que dever ser relocalizado é a construção e não o habitat!”.

“As Alagoas Brancas têm um valor turístico de características únicas que mais nenhum concelho vizinho tem, ideal para a observação de ave, ponto estratégico de birdwatching e uma opção viável para o combate à sazonalidade”, acrescenta a bióloga.

O estudo “Valorização das Zonas Húmidas do Algarve” é resultante de uma candidatura aprovada ao Fundo Ambiental do Ministério do Ambiente e Transição Energética, foi coordenado pela Associação Almargem com o apoio de coordenação científica da Sociedade Portuguesa para Estudo das Aves - SPEA, e contou com uma equipa técnica formada por especialistas independentes, bem como de entidades como o Centro de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Algarve, do Tagis – Centro de Conservação das Borboletas de Portugal e do cE3c - Centre for Ecology, Evolution & Environmental Changes da Universidade de Lisboa.

 

Grupo Salvar as Alagoas Brancas