por Diogo Duarte | Jurista, Licenciado em Direito e Mestre em Direito Internacional | diogoduarte@campus.ul.pt

A decisão de desistência da concessão de prospecção e exploração de hidrocarbonetos no Algarve, comunicada pelo consórcio ENI/GALP, através de carta enviada à Entidade Nacional do Mercado de Combustíveis, ao Ministério do Mar, à Direção-Geral de Recursos Marítimos (DGRM) e à Direção-Geral de Energia, permitiu, finalmente, que a região respirasse de alívio e visse restabelecida uma paz social que há muito lhe havia sido sonegada. Todavia, sem qualquer pretensão pessimista, creio que não se afigura correcta a leitura que tem vindo a ser feita por diversos jornais e cronistas, sobretudo, quando, sem mais, se afirma que o Algarve está agora livre da exploração de hidrocarbonetos. Considero que seja mais útil revisitar os últimos acontecimentos, analisando o contexto e os factos que os emolduram, e daí lançar a seguinte questão: o Algarve está realmente livre da exploração de hidrocarbonetos durante os anos que se avizinham?

Existem variadas razões, quer de cariz político, quer de cariz jurídico, que me levam, perentoriamente, a responder em sentido negativo.

Em primeiro lugar, observe-se que o desfecho – ainda que positivo para o Algarve – desta questão em nada se deve ao Governo, pelo contrário, a desistência do projecto de exploração de hidrocarbonetos no Algarve é uma decisão puramente empresarial, decidida a título exclusivo pelo consórcio ENI/GALP. Esta decisão não reflecte necessariamente a posição assumida pelo Governo, que até ver, continua a apoiar ideológica e formalmente, a exploração de hidrocarbonetos. Apesar da garantia dada pelo Ministro do Ambiente e da Transição Energética de «que não será licenciada qualquer nova exploração», não é razoável que se pressuponha que, por si só, esta afirmação valha igualmente para o próximo mandato. Relembro que, em inícios do ano de 2017, foi o actual Governo quem, primeiramente, prorrogou a licença de prospecção e de exploração de hidrocarbonetos no Algarve, permitindo ao consórcio ENI/GALP beneficiar de um prazo adicional de um ano para iniciar as primeiras sondagens de pesquisa de hidrocarbonetos. No despacho através do qual foi prorrogada a licença para a concessão, o secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, ancorava-se na ideia de que os atrasos verificados não podiam ser imputados ao consórcio, razão pela qual, a prorrogação daquela licença se tornava, então, legítima. Actuando em sentido contrário à vontade popular, o Ministério do Mar e da Economia, fizeram da exploração de hidrocarbonetos o seu braço-de-ferro com o Algarve. Em representação das petrolíferas apresentaram até recurso contra a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Loulé, que decidiu acolher providência cautelar apresentada pela Plataforma Algarve Livre de Petróleo (PALP), depois de ambos os Ministérios terem fracasso em demonstrar e comprovar que a prospecção e a exploração de hidrocarbonetos no Algarve visava alcançar um interesse público concreto. Deste modo, podemos razoavelmente concluir que o Governo, tal como tem vindo a demonstrar, é favorável à exploração de petróleo no Algarve, razão pela qual, considero que não se poderá colocar de parte a possibilidade de, no futuro, virem a ser emitidas novas licenças para as concessões.

Em segundo plano, e apesar da decisão do consórcio ENI/GALP restabelecer a paz social retirada aos algarvios, tal não significa que não haja interesse por parte das petrolíferas na exploração de hidrocarbonetos no Algarve. Diria mesmo, em sentido contrário, que esse interesse existe e se tem revelado de formas particularmente interessantes. Além do questionável Protocolo celebrado entre a GALP e o Centro de Investigação Marinha e Ambiental (CIMA) da Universidade do Algarve – e sob o qual já teci anteriormente algumas considerações –, observe-se que apesar de ter anunciado o abandono da concessão, a petrolífera, mantem o seu interesse na exploração de petróleo, pressionando o Governo, quer através do próprio Ministério do Mar – como sucedeu com Ruben Eiras, o cavalo de Troia da GALP –, quer através das vias judiciais, onde obrigou o Governo a recorrer da decisão do TAF de Loulé. Quanto a este último aspecto, considero particularmente curiosa, e não menos contraditória, a forma como a GALP se posiciona perante esta questão, pois, por um lado, ao comunicar o abandono da exploração de hidrocarbonetos no Algarve, faz presumir o seu desinteresse no recurso da decisão do TAF de Loulé, por outro lado, quando interpelada pela comunicação social, a petrolífera garante que não fará «comentários adicionais» dado que existem «diversos processos judiciais em curso sobre este assunto». Ora, a meu ver, não é aceitável que o Governo permaneça impávido e sereno enquanto assiste a este número de malabarismo que a petrolífera exibe. Não havendo interesse na concessão por parte das petrolíferas, e não sendo esta uma questão para de futuro, o Governo deverá explicar inequivocamente as razões pelas quais, à custa do erário públicos e dos recursos públicos, continua a batalhar judicialmente contra as plataformas cívicas e contra as associações algarvias.

Existem ainda, três outros sinais, que me levam a considerar que não poderemos afastar totalmente a existência de futuras concessões para exploração de hidrocarbonetos no Algarve. Em primeiro lugar, e atendendo ao período eleitoral que se encontra já a decorrer, em vista das eleições legislativas de 2019, considero que não é razoável ou sensato credenciar qualquer tipo de promessa ou intenção política provinda de um Governo que durante 4 anos travou um braço-de-ferro com a região.  Em segundo lugar, considero que, depois da remodelação ministerial, a manutenção do Ministro do Ambiente e da Ministra do Mar, demonstra de forma inequívoca que António Costa suporta politicamente os Ministros mais favoráveis à prospecção de petróleo, Ministros esses, que muito provavelmente, farão parte do próximo Governo. Por último, subsiste uma das questões absolutamente centrais de toda esta questão: a alteração à lei. Em política, sabemos, nada é verdadeiramente irrevogável, e somente o garante da Lei permite conceder segurança e previsibilidade aos futuros desenvolvimentos. Assim, sem que se realize uma profunda à Lei, que, por exemplo, torne obrigatória a realização de uma Avaliação de Impacto Ambiental, e que torne igualmente vinculativo o resultado das consultas públicas, o perigo de serem concedidas novas concessões para a exploração de hidrocarbonetos permanece para de futuro.

Sem descorar o excelente trabalho levado a cabo pelas autarquias algarvias e pela sociedade civil, creio que não é ainda tempo de baixar a guarda. Pelo contrário, e sem querer dar azo a qualquer tipo de conspiração, entendo que o momento em que todos estes acontecimentos se desenrolam apenas nos motivam a ficar alertas para esta questão, relembrando, que é o futuro da região que se coloca em causa.