«É por demais evidente que o imobiliário renasceu das cinzas, com um fulgor considerável», considera o vice presidente executivo da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), Hugo Santos Ferreira.

Mas outros especialistas advertem que esse “fulgor” está a ser refreado pelo "monstro" da burocracia liderado pelos tentáculos da Câmara Municipal de Lisboa, da EDP Distribuição e até do próprio Governo. E esse fenómeno, segundo apurou o idealista/news, está mesmo a impedir que novos e mais projetos cheguem ao mercado nacional.

O head of country da SAVILLS Portugal, Paulo Silva, confirmou ao idealista/news que“2018 irá ficar na história do investimento imobiliário em propriedade comercial como o melhor ano de que há registo, até à data, como antecipámos nas projeções para este ano”. Este pico surge na “sequência de um crescimento após 2013, em que o imobiliário surgiu das cinzas, passando de um investimento a evitar para uma das melhores oportunidades de investimento”.

Paulo Silva / Savills

Reis Campos, presidente da Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário (CPCI), corrobora esta visão e explica que “os números atuais demonstram bem que iniciámos um novo ciclo”.

De fato, as cifras avançadas por esta entidade ao idealista/news, não deixam margem para dúvidas: Em 2014, o total de transações imobiliárias apenas atingiu os 12,44 mil milhões de euros e foram licenciados apenas 6.785 fogos novos. Dizemos “apenas” porque essa não foi a realidade registada em 2017, cujas transações imobiliárias superaram os 21.76 mil milhões de euros e onde foram licenciados 14.120 fogos novos. E também não é o cenário de 2018, pois só no primeiro semestre já foram licenciados 9.688 fogos novos, ou seja, muito mais do que o verificado em todo o ano de 2014.

O que explica o fulgor atual do imobiliário?

A explicar este movimento está a conjugação de diversas circunstâncias: as baixas taxas de juro e a atratividade do investimento imobiliário face às alternativas atuais da banca, a par do bom momento do turismo, que potenciou a nossa identidade, com a hotelaria e os estabelecimentos de Alojamento Local a atrair novas dinâmicas aos centros urbanos e o comércio tradicional e os serviços a retomar o papel que antes desempenhavam.

Em paralelo, o interesse por parte dos investidores estrangeiros, seja por via do Programa dos Vistos Gold, seja por via do Regime dos Residentes não Habituais, está a dinamizar a atividade económica, o emprego e a promover externamente o nosso país.

Perante esta realidade, Reis Campos diz que “é aceitável que se assista a um ‘renascimento’ do imobiliário e, simultaneamente, a um ‘renascimento’ do próprio país e do seu posicionamento internacional, considerando que o imobiliário sempre terá um papel fundamental no nosso desenvolvimento coletivo”.

Reis Campos / CPCI

Dinamismo transversal a todos os setores

Paulo Silva não deixa de frisar que “a dinâmica a que temos vindo a assistir tem sido transversal a todos os setores do imobiliário”, não se passando, no entanto, “o mesmo de um ponto de vista geográfico”, em que “Lisboa e Porto concentram as operações de investimento, sendo de destacar igualmente o Algarve”.

Ainda assim, de uma forma geral, o coração do imobiliário está a bater a bom ritmo e aconselha-se a investidores estrangeiros e nacionais.

No diagnóstico que Margarida Caldeira, diretora e arquiteta da Broadway Malyan, fez ao idealista/news, encontram-se de “excelente saúde” os setores residencial e de reabilitação urbana onde o atelier tem verificado “um aumento exponencial de projetos e construção”. Assim como o setor de escritórios, onde “os projetos têm surgido tanto ao nível de nova construção, tentando colmatar uma falha na oferta existente tanto em Lisboa como no Porto, como ao nível da requalificação de edifícios existentes”.

Hugo Santos Ferreira enfatiza esta ideia, dizendo que, apesar do “residencial ser a estrela da companhia”, “existem muitos promotores imobiliários que estão a deslocar-se do residencial para os escritórios”. Isto porque os serviços assumem-se como uma área com muito potencial de crescimento e onde não existe oferta para a procura.

Margarida Caldeira faz ainda a ressalva para o setor de retalho, onde “muitos shoppings assistiram a uma mudança de proprietários, não só em Portugal como por toda a Europa, o que impulsionou a “repositioning” e “redesign” dos mesmos, criando novos conceitos de pop-up stores e open food courts que dão resposta a novos utilizadores e ao crescimento das compras online”.

Margarida Caldeira / Broadway Malyan

Aliás, a este propósito, Paulo Silva destaca “o volume de vendas de centros comerciais, que no primeiro semestre assumiram praticamente todo o protagonismo nas transações verificadas”.

Da análise da arquiteta faz ainda parte a crescente popularidade de Portugal que tem vindo a atrair grandes investimentos no setor de hospitality, com uma vasta gama de ofertas que surgem por todo o país e atendendo aos mais variados gostos.

O gigante da burocracia

Mas nem tudo são “rosas” e no atual panorama do imobiliário existem também “espinhos”. Para Almeida Guerra, administrador da Rockbuilding, existe um “lado menos bom” neste setor que “é muito complicado de gerir”: as “entidades oficiais”.

As autoridades – mais concretamente a “Câmara Municipal de Lisboa” (CML) - “continuam sem elementos humanos e técnicos suficientes para dar resposta ao atual mercado tão dinâmico e para acompanhar as tendências da economia”. Como explica: “Existem tantas dificuldades para avançar com uma obra que os preços acabam por subir por aí acima e em outros casos impede que surjam projetos novos, e isso não é bom”.

E dá como exemplo a Feira Popular: “Por que razão está parada quando se sabe que há investidores interessados?” Outro caso parado: “Os projetos ao longo da Infante D. Henrique que estão “embrulhados” na CML e não há meio de verem luz ao fundo do túnel”. Para se ter uma noção deste “estrangulamento”, Almeida Guerra explica que “existem projetos que demoram seis meses só para a autarquia os começar a ver”.

“Outra entidade que trava os projetos por todo o lado na cidade de Lisboa é a EDP”, adverte Almeida Guerra.

Como se explica o poder da EDP no setor imobiliário?

Em 2017, após a extinção da Certiel (entidade que era responsável pela análise e certificação de projectos de eletricidade, constituída por várias associações setoriais e a EDP), o Governo passou para as mãos da Direção Geral de Energia e Geologia a gestão dos processos, o controlo e o exercício das atividades do projeto e de inspeção das atividades relacionadas com instalações elétricas.

Na prática, no entanto, e tal como explicam as fontes do setor imobiliário ouvidas pelo idealista/news, é a EDP que continua responsável por analisar os projetos de eletricidade desde a ligação do ramal público até à portinhola dos empreendimentos e devido à falta de recursos humanos que não conseguem dar vazão ao número de pedidos, existem sistemáticos atrasos na aprovação dos projetos.

Gtres

Contactada pelo idealista/news, a EDP Distribuição esclarece que considera que “não está a obstaculizar quaisquer projetos imobiliários na cidade de Lisboa” e explica que “a redução do limiar mínimo de exigência de ficha eletrotécnica de 50kVA para 10.35kVA, imposta regulamentarmente, conduziu a que a generalidade dos pedidos de novas ligações, ou reforços de potência, tenham um processo de validação por parte do operador de rede que outrora não existia”.

Do mesmo modo, salienta que “os trâmites de obtenção de licenças de habitabilidade envolvem várias entidades, nomeadamente Direção Geral de Energia e Geologia, no esclarecimento de questões, Municípios, na obtenção de licenças”, pelo que “os promotores imobiliários devem desencadear os processos com maior antecedência possível e não numa fase adiantada da construção”.

Ainda assim, perante este cenário, e tendo em conta “o aumento da construção/reabilitação na cidade de Lisboa”, a EDP Distribuição confirma “o acréscimo do número de pedidos de ligação e de reforços de potência”. Contudo, diz, “na generalidade das situações, a empresa tem cumprido os prazos legais estabelecidos (15 dias úteis > para propor solução e orçamentação +20 dias úteis > para execução)”.

Governo: estabilidade ou instabilidade

O vice presidente executivo da APPII lembra outra questão que poderá agitar as águas do imobiliário. “Neste momento está em discussão todo o pacote legislativo para a habitação e este tema tem-se mostrado muito instável. Basta lembrar a proposta vetada pelo Presidente da República sobre o Direito de Preferência e estes aspetos são muito importantes porque afastam os investidores”.

Hugo Santos Ferreira / APP II / Rui Lourenço

Reis Campos enfatiza esta ideia, defendendo que “a atual realidade, quer seja ao nível do quadro fiscal, seja ao nível do quadro legal, tem de ser preservada. Anúncios constantes de alterações legislativas e fiscais são um bom exemplo de um fator interno que, independentemente da evolução da conjuntura económica mundial, pode colocar em causa uma trajetória de recuperação que deve ser assegurada e mantida a bem do todo nacional”. Como diz: “O imobiliário não pode ser visto como uma fonte inesgotável de taxas e impostos”.

Hugo Santos Ferreira coloca ainda a tónica em outras duas questões fundamentais: “o crescimento foi muito positivo mas foi sempre pelo lado do privado; e existem dois pontos que têm de ser tratados - a falta de oferta, neste caso de habitação para os portugueses, e a subida dos preços”.

Para atacar estas questões sustenta que tem que ser do “lado da oferta”. Mas tem de ser também do lado do Governo que deve criar “programas estáveis, sérios e atrativos para que os privados coloquem mais oferta para habitação, seja construção nova, arrendamento ou arrendamento de longa duração”. Por isso lança o desafio: “Porque não baixar o IVA de 23% para 6% na construção nova destinada a arrendamento?”. Para a APPII “este é o caminho”, “veja-se o sucesso que tivemos com a reabilitação quando se baixou o IVA”.

Apesar de Portugal já não ser um destino de segunda ou terceira linha, a realidade é que existem novos mercados que concorrem com o nosso, pelo que temos que continuar a ser competitivos.

Investidores não são os “maus da fita”

Para Paulo Silva, o ano de 2018 “tem uma relevância absoluta pelo facto de, independentemente de ultrapassar ou não os “3 B€s” (três mil milhões de euros), vai ser o melhor ano de sempre em investimento imobiliário em Portugal”.

Margarida Caldeira partilha deste “feeling”: “A experiência diz-nos que as “crises” são fenómenos cíclicos, mas para já, todos os indicadores revelam que o bom momento do mercado imobiliário se irá manter por mais uns anos”. Ainda assim, avança que “prevê-se um abrandamento do crescimento do mercado imobiliário, o que reflete a sua consolidação deste mercado. Da mesma forma a pressão sobre os preços irá abrandar gradualmente à medida que a oferta se aproximar da procura”.

A arquitetura em Portugal irá obviamente refletir esta “tendência de mercado”, mas para já vislumbra-se ainda uma longa carteira de projetos em pipeline, com várias obras em curso e para o futuro, a par de grandes inaugurações previstas para 2019-2020.

Como vai ser o próximo ano na construção?

Almeida Guerra considera que, no próximo ano, “a maior dificuldade será a capacidade de construção das nossas construtoras, com isso vai haver um aumento dos preços de construção assumidos que vai refletir-se inevitavelmente no aumento dos preços finais”.

Almeida Guerra / Rockbuilding

A tendência nos próximos anos será, para este expert, “apostar em programas menos elitistas, alguma construção nova, grandes empreendimentos que vão avançar criando maior oferta e melhores preços”. Acredita mesmo que “2019 vai ser o ano dos grandes projetos - Feira Popular, Alcântara, os vários projetos da Infante D. Henrique, antigos terrenos da Galp, Artilharia 1, mas há mais... – que, no seu conjunto, vão trazer uma nova vida a estas zonas da cidade e sobretudo maior oferta. E já se sabe se houver mais oferta os preços são melhor regulados”.

No entanto, para que tal aconteça, defende que, até ao final de 2018, três questões devem ser corrigidas: “Lançar no mercado grandes projetos para aumentar a oferta; melhorar o serviço das entidades públicas; e perceber de uma vez por todas que os investidores não são os “maus da fita” mas antes necessários à nossa economia”.

A última questão vai para Hugo Santos Ferreira: É previsível que o mercado resfrie? “Não creio. Vai estabilizar, o que é diferente. Vai consolidar-se. Nunca fomos um mercado consolidado do ponto de vista do turismo ou do ponto de vista do imobiliário”.

Para este interlocutor, “as perspetivas para 2018 são boas” e “novos recordes irão ser novamente, e ano após ano, batidos”. Isto porque “Portugal está nos radares de todos os investidores, sendo um país que está na moda a uma escala planetária!”

Por: Idealista